Hoje prometi a mim mesmo que não falaria da “ajuda” do FMI nem da cambalhota do Dr. Fernando Nobre.
O Público de hoje cita o Relatório Society at a Glance 2011 da OCDE para referir que Portugal é o quarto país dos 29 considerados com maior diferença entre homens e mulheres, no que se refere a trabalho não pago, sobretudo a tão portuguesa “lida da casa”, cozinhar, limpar, cuidar dos filhos, etc. Entre nós a diferença é de quase quatro horas.
No mesmo sentido, foi conhecido há algumas semanas um estudo realizado pela Intersindical com base em dados do INE e do Ministério do Trabalho segundo o qual as mulheres portuguesas trabalham média 39 horas semanais e realizam mais 16 horas de trabalho não remunerado relacionado com a família o que me leva retomar algumas reflexões já aqui deixadas. Também há algum tempo um trabalho internacional revelava que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa. Existem também indicadores sustentando que as mulheres portuguesas são de entre as europeias as que mais valorizam a carreira profissional e a família, a maternidade.
Este conjunto de indicadores ilustram as dinâmicas familiares actuais e ajudam, também a entender as dificuldades e inibição que muitas famílias sentem em integrar filhos nos seus projectos de vida e o consequente envelhecimento e ausência de renovação geracional.
É evidente que as questões não são exclusivamente de natureza económica, os valores e a condição da mulher nas diferentes comunidades desempenham um papel crucial e interagem com as questões económicas. Os salários são genericamente baixos e baixos e não podemos esquecer a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc. Pode também referir-se que apesar das alterações legislativas o uso partilhado da licença por nascimento de filhos ainda é significativamente baixo.
Acresce que Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é igualmente um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos. Tudo isto contribui para que são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa, como agora se diz, os projectos relativos a filhos.
Este cenário complexo torna urgente a definição de políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida. Combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas. Pode parecer disparate mas acho que se poderia investir na construção de redes comunitárias de apoio e guarda das crianças, aproveitando, por exemplo, os seniores que estão sós, desocupados e cheios de vontade de ser úteis a “filhos” e a “netos” que deles precisem. É uma ideia em que sistematicamente insisto.
1 comentário:
"Pode parecer disparate mas acho que se poderia investir na construção de redes comunitárias de apoio e guarda das crianças, aproveitando, por exemplo, os seniores que estão sós, desocupados e cheios de vontade de ser úteis a “filhos” e a “netos” que deles precisem. É uma ideia em que sistematicamente insisto."
Concordo. Isso resolveria dois problemas de uma só vez.
O mais difícil é mudar mentalidades e aqui em Portugal infelizmente está muito enraizada a noção de que as tarefas de casa são exclusivamente femininas.
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