O Público solicitou a algumas pessoas uma reflexão sobre o universo da educação a propósitio da legislatura que agora termina. Dado que o trabalho já foi divulgado, aqui ficam as notas que uma reflexão breve sugeriram. O texto é um pouco longo para este tipo de suporte mas arrisco.
De uma forma breve, creio que a legislatura que agora se interrompe continuou marcada por um clima de excessiva crispação, pouco saudável para a qualidade do trabalho de professores, alunos e pais. Esta crispação radica na profunda "partidarização" do universo educativo levando a que a definição e operacionalização das necessárias medidas de política educativa seja demasiado contaminada pelas agendas da política partidária. Um bom exemplo deste cenário, foi dado pela rejeição por toda a oposição do modelo de avaliação dos docentes apenas quando se definiu a realização de eleições e não na altura da apresentação. Deveria ter sido logo recusado porque se tratava, efectivamente, de um mau instrumento e poupava-se um tempo de ruído e práticas nas escolas com efeitos ainda por conhecer.
Por esta razão, creio que se perdeu a oportunidade de construir um necessário dispositivo de avaliação dos docentes que se constitui como ferramenta imprescindível à qualidade do sistema educativo, o grande desafio que enfrentamos.
Julgo também de sublinhar o facto de ainda não se ter procedido a uma verdadeira reforma curricular, designadamente, no ensino básico. Esta reforma, quer ao nível da matriz, quer ao nível dos conteúdos, parece-me urgente e deverá solicitar sempre o reforço do trabalho em língua portuguesa e educação matemática, as ferramentas de construção do conhecimento.
A prática do ME caracterizou-se neste domínio, como noutros, por uma atitude de natureza mais reactiva e avulsa, evidenciando uma certa deriva nas decisões sem que se conseguisse identificar um fio condutor para as mudanças no sistema.
Por razões que se prendem com as rápidas mudanças sociais, económicas e culturais os sistemas educativos estarão, por natureza, sob permanente pressão de ajustamento. No caso português acrescem as suas particularidades e constrangimentos quer de natureza estrutural, a sua organização por exemplo, quer conjuntural, a deriva e carácter avulso das decisões que o processo de encerramento de escolas e a definição de mega-agrupamentos pode ilustrar.
Neste quadro, os grandes desafios que se nos colocam em matéria de educação, salientaria alguns aspectos que me parecem mais relevantes, embora sem carácter exaustivo e não referidos por hierarquia de importância.
O nosso sistema ainda tem números de insucesso, retenção ou abandono, significativos pelo que a promoção da qualidade é uma urgência. Contrariamente ao que algumas vozes sempre clamam está provado que o "chumbo" não melhora o sucesso. Assim, à semelhança do que se passa nos países com melhores resultados educativos parece-me fundamental que se estruturem dispositivos de apoio a alunos e a professores que, logo no início de dificuldades percebidas, as identifiquem e possam ser desencadeadas intervenções que mais facilmente serão bem sucedidas.
Considerando que as exigências das sociedades actuais em matéria de qualificação é algo de incontornável e que, como habitualmente afirmo, a exclusão escolar é, quase sempre, a primeira etapa da exclusão social, deve continuar-se o esforço que tem vindo a ser realizado no sentido de permitir a construção de percursos educativos mais diferenciados, diversificando e tornando mais acessível a oferta educativa, de qualidade (estou a lembrar-me de muitas das práticas desenvolvidas no âmbito do Programa Novas Oportunidades), de forma a que, tanto quanto possível, todos os alunos pudessem a aceder a um patamar de qualificação profissional, ainda que de nível e duração diferentes.
Uma outra área do funcionamento da educação a que sou particularmente sensível é a resposta a crianças com maiores dificuldades. Sou das pessoas que continuam convencidas que a reintrodução do conceito de "elegibilidade" para aceder a apoio educativo instituído pelo DL 3/2008 é um mau serviço, na medida em que as crianças que passam no crivo da elegibilidade podem ter algum tipo de apoio educativo apesar das muitas falhas existentes, enquanto as "não elegíveis" ficam demasiadas vezes sem resposta ajustada às suas dificuldades ou necessidades. Apesar da avaliação recentemente divulgada pelo ME ser positiva, os dados conhecidos nas escolas não permitem ser tão optimista pelo que esta área deveria ser objecto de avaliação e ajustamento.
Parece-me ainda importante neste breve comentário chamar a atenção para o facto de que no nosso sistema educativo, a ideia de Escola a Tempo Inteiro, num lamentável equívoco com a ideia de Educação a Tempo Inteiro, operacionalizada através das Actividades de Enriquecimento Curricular a que acresce uma possibilidade decorrente de uma designada Componente de Apoio à Família, permitir que muitas crianças permaneçam na escola até 11 horas por dia.
Sendo certo que a supervisão das crianças nos tempos profissionais dos pais é um problema fundamental para o qual as comunidades precisam de encontrar resposta, importa também avaliar o impacto que em muitas crianças pode ter a permanência por tanto tempo na escola e, sobretudo, a qualidade e ajustamento do trabalho que é realizado durante esse tempo. Todos conhecemos certamente excelentes práticas, mas também todos sabemos de trabalho desenvolvido por profissionais não preparados, com recursos desajustados, a utilização excessiva de tarefas de tipo escolar, etc. que não podem deixar de ter consequências na relação que os miúdos estabelecem com a escola e com a aprendizagem ao longo do seu percurso.
Uma referência final à necessidade de se continuar um percurso de autonomia responsabilizada das escolas e agrupamentos, bem como a um aligeiramento muito substantivo da máquina do ME que possibilitasse maior agilidade e desburocratização do sistema. Temos estruturas e circuitos a mais e eficácia e qualidade a menos.
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