Li com alguma perplexidade e
preocupação a decisão agora conhecida do Ministério da Ciência e Ensino Superior
de estruturar já para o próximo ano lectivo um projecto-piloto destinado ao
acesso ao ensino superior por parte dos estudantes que concluam o secundário
através dos cursos profissionais.
Em vez de realizarem os exames
nacionais como a generalidade dos candidatos com as dificuldades decorrentes do
seu trajecto curricular candidatam-se em concursos locais às licenciaturas
(instituições) que pretendem frequentar. Cada instituição, universidade e politécnico, decidirá que dispositivo e critérios regularão a ordenação das candidaturas dos estudantes vindos cursos profissionais. Algumas
notas.
Em primeiro lugar reafirmar o que
de há muito defendo, a conclusão e certificação de conclusão do ensino
secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos separados.
Os exames nacionais destinam-se,
conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho
escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está
sediado no ensino secundário. Neste cenário caberiam também as outras
modalidades que permitem a equivalência ao ensino secundário, como é o caso do
ensino artístico especializado ou os cursos profissionais.
Entendo também que o acesso ao
ensino superior é um outro processo que deveria ser da responsabilidade do
ensino superior e estar sob a sua tutela minimizando também os efeitos pouco positivos
reconhecidos pela OCDE na relação estabelecida por alunos, escolas e famílias
com os exames e os efeitos dessa relação. Sublinho minimizando equívocos que a
questão não está na existência ou importância dos exames finais do secundário
que não me parece colocar grandes dúvidas. A questão é que os resultados
obtidos nesses exames deveriam constituir apenas um factor de ponderação a
contemplar com outros critérios nos processos de admissão organizados pelas
instituições de ensino superior como, aliás, acontece em muitos países.
Em segundo lugar uma nota para sublinhar importância
do combate ao abandono escolar precoce e ao entendimento da qualificação, designadamente
de natureza superior, como um bem de primeira necessidade e recordar que ainda
estamos longe dos indicadores ideais nesta matéria.
Dito isto e apesar da proposta
do MCES deslocar para as instituições de ensino superior o processo e os
critérios de acesso, o facto de apenas envolver os alunos dos cursos
profissionais levanta-me sérias dúvidas.
Existindo ofertas formativas abertas
a todos os estudantes porquê estabelecer critérios “próprios” apenas para quem
vem dos cursos profissionais? Que escrutínio deste processo? Temo que, tal como
aconteceu com o Programa Novas Oportunidades que partiu de uma boa ideia, possamos
cair no equívoco de confundir “certificação” com “qualificação” com efeitos “estatísticos”
mas … de robustez qualitativa duvidosa.
Trabalho numa instituição de
ensino superior privada dependente das propinas pagas pelos alunos pelo que
mais à vontade para afirmar que esta reserva não tem a ver com qualquer espécie
de elitismo relativo ao acesso ao ensino superior. Remete exclusivamente para a
imperiosa necessidade de termos pessoas qualificadas e não de pessoas com um diploma
debaixo do braço onde conste a certificação de uma habilitação e competência que
causem alguma sombra de desconfiança com reflexos sérios na empregabilidade e
na confiança social.
Os critérios e formas de acesso
ao ensino superior devem ser pensados para todos os jovens que estejam em
circunstâncias de poder concorrer e não para um grupo particular, os alunos dos
cursos profissionais.
Esta medida, apesar do princípio me parecer ajustado desde que bem regulado e transparente, pode ser um enorme tiro no pé e na credibilidade imprescindível a estas processos.
Esta medida, apesar do princípio me parecer ajustado desde que bem regulado e transparente, pode ser um enorme tiro no pé e na credibilidade imprescindível a estas processos.
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