quinta-feira, 28 de março de 2019

DO BATER NAS CRIANÇAS. DE NOVO


A imprensa divulga hoje alguns dados relativos ao Projecto Geração XXI, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, que acompanha desde o nascimento um número muito significativo de crianças na área metropolitana do Porto.
Cerca de 75% das crianças com 7 anos serão vítimas de agressão psicológica ou castigos corporais em contexto de educação familiar. Cerca de 10% sofreram agressões graves (como bater com cinto ou objecto contundente ou queimar) com frequência.
As avaliações mostram que que impacto na saúde é significativo, 58% apresentam valores de inflamação elevados, quase o dobro das que não são vítimas de maus-tratos.
Sugerem ainda que mães com história de violência doméstica desenvolvem mais comportamentos de agressão aos filhos do que as mães que não reportam um passado de maus tratos. Considerando a variável escolarização e nível económico, sem surpresa, níveis mais elevados parecem mais associados a agressão psicológica e castigos corporais e níveis menos qualificados associados a formas de violência mais graves,
Esta é uma das questões que está sempre na agenda de qualquer encontro ou conversa entre e com pais. E porque assim é insisto numa notas.
Em 2018 a Academia Americana de Pediatria produziu novas orientações sobre a parentalidade afirmando veementemente que bater nas crianças, insultá-las, humilhá-las ou envergonhá-las são comportamentos que deveriam ser idealmente eliminados. Os efeitos positivos são nulos e os negativos estão bem demonstrados.
Se bem estão recordados, no âmbito da polémica relativa ao programa “Supernanny” e sempre que na imprensa se refere comportamentos menos positivos de crianças ou adolescentes são inúmeros os comentários e discursos sobre a alegada falência das famílias na definição de regras e limites nos comportamentos de crianças e adolescentes. Muitos destes discursos e comentários têm sido acompanhados de referências ao facto de não se recorrer a umas “palmadas”, à “pedagogia do chinelo” ou outras variações no mesmo tom, com uns “tabefes” a coisa resolvia-se.
As alusões às dificuldades das famílias ou da escola na regulação dos comportamentos de crianças e adolescentes podem ser justificáveis mas a ideia de lidar com estas dificuldades através do bater parece-me na verdade preocupante para além da sua potencial ineficácia. Ninguém pode garantir que foram ou que são as “tareias” que constroem pessoas de bem.
Aliás, gostava de recorrer a um trabalho desenvolvido pela Universidade de Pittsburgh nos EUA divulgado na Child Development em 2017 que considerando diferentes variáveis seguiu 1482 alunos durante nove anos e evidenciou uma relação sólida entre o que foi considerado “parentalidade severa” (recorrer com regularidade ao gritar, bater ou outro tipo de comportamento coercivo, além de ameaças físicas e verbais como forma de punição) e baixo rendimento escolar e problemas de comportamento nas crianças envolvidas nesse “modelo” de educação familiar.
Considerando agora de forma mais particular o recurso regular ao “bater” como ferramenta educativa, importa sublinhar que desde 2007 o Código Penal Português estabelece no Artº 152 a proibição dos “castigos corporais” como também acontece em muitos outros países.
Sabemos e não esquecemos que os “castigos corporais” podem ir da mais ligeira palmada à mais pesada tareia e também sabemos que bater é um tipo de comportamento inscrito na prática de muitas famílias na sua relação educativa com os filhos.
Na verdade, os castigos corporais ainda são uma "ferramenta" educativa em muitas famílias e, é conhecido, também em instituições que acolhem crianças sendo que mesmo que no âmbito da justiça a questão é complexa.
Recordo a título de exemplo que em 2014 o Tribunal da Relação do Porto absolveu pais que comprovadamente agrediram o filho de 11 anos com um cinto infligindo danos corporais de alguma gravidade. A razão de tal comportamento prendeu-se com resultados escolares e o facto de fumar. Cito do Público, “Os juízes desembargadores entenderam que embora sendo “o comportamento dos pais de censurar”, não pode ser considerada a “forma qualificada” no crime de ofensa à integridade física por não haver "aquele acrescido e especial juízo de reprovação, indispensável" para o considerar como tal. Assim, sendo apenas aceite a “forma simples” da agressão, o Ministério Público não poderia ter deduzido acusação, os pais foram absolvidos.”
A ver se nos entendemos, bater em crianças como método educativo não é uma actividade educativa, o comportamento gera comportamento, aliás, também se sabe que crianças que foram batidas são, frequentemente, pais que batem.
No entanto e dito tudo isto, também entendo que comportamentos inadequados ou incompetentes não significam necessariamente que estejamos perante pessoas, pais, más ou incompetentes.
Todos nós, alguma vez, agimos de uma forma menos ajustada ou adequada com os nossos filhos e isso não nos transforma em pessoas más, significa que somos apenas pessoas e que nada destes matérias é feita seguindo escrupulosamente um qualquer "manual de instruções" dos muitos que agora aparecem.
Assim sendo, creio que devemos ser cautelosos, quer na defesa da "estalada educadora" ou “palmada pedagógica”, quer na diabolização definitiva de pais que numa situação eventualmente esporádica e de tensão assumem um comportamento de que podem ser os primeiros a arrepender-se.
Esta nota, não branqueadora ou desculpabilizante de nada, pode não ser particularmente simpática mas estou cansado, tanto de discursos de legitimação do efeito "educativo" da violência dirigida a crianças, como de discursos demagógicos e, por vezes hipócritas, que clamam pelo "crucificação" cega de uma pessoa, o outro que bate, mas são produzidos por gente desatenta ou mesmo autora ou apoiante doutros comportamentos dirigidos a miúdos tão indignos quanto a "estalada" ainda que menos visíveis.
Finalizando, embora saiba que a legislação mesmo quando é imperativa é entendida como indicativa e, portanto, desrespeitada como temos tantos exemplos em várias matérias é bom não esquecer que estamos a falar de direitos, não de opiniões.

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