segunda-feira, 25 de março de 2019

"SÓ FAÇO ISTO PORQUE GOSTO DE TI. ACREDITAS NÃO ACREDITAS?"


A questão da violência nas relações familiares ou de namoro continuam na agenda. Por um lado devido à regularidade e gravidade dos episódios e das suas consequências, por outro lado a exigência de que a questão seja tratada de forma séria e contínua com o objectivo de minimizar as ocorrências.
O Público mostra hoje um trabalho que solicita reflexão e medidas dirigidas para as várias formas de violência nas relações amorosas entre jovens.
Retomo umas notas que aqui deixei em Fevereiro quando se assinalava o dia de S. Valentim.
Nessa altura foi divulgada uma nova actualização do estudo sobre a Violência no Namoro 2019, que a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) tem vindo a realizar nos últimos anos tendo como participantes jovens.
O número de jovens, que namoram ou já namoraram que refere ter sofrido pelo menos uma forma de violência por parte do parceiro(a) é de 58% sendo que em 2018 era de 56%. Um dado ainda mais inquietante é manutenção de taxa dramaticamente elevada de jovens que que entendem estas práticas como “normais”, 67% no inquérito deste ano e 68,5% no estudo anterior.
Os comportamentos considerados envolvem difamação, o recurso às redes sociais para chantagear o outro, o hábito de intromissão no telemóvel ou nos bolsos, as agressões físicas e a coacção para práticas sexuais não desejadas, etc.
Um outro trabalho também agora divulgado, “Violência no Namoro em Contexto Universitário: Crenças e Práticas”, promovido pela Associação Plano i mas envolvendo apenas jovens e jovens adultos com frequência ou formação universitária” confirma os indicadores do trabalho desenvolvido pela UMAR, 54,7% dos jovens em Portugal já sofreram pelo menos um acto de violência no namoro. Sublinho que estamos a falar de estudantes universitários o que tora tudo ainda mais preocupante.
O que ainda me parece mais dramático é a manutenção sem grandes alterações destes indicadores ao longo dos anos o que talvez ajuda a perceber como a violência doméstica parece indomesticável.
O trabalho do Público ilustra algumas destas situações.
Em Fevereiro o Governo divulgou uma campanha, #NamorarMemeASério, com o objectivo de eliminar a violência no namoro identificando as suas diferentes forma e o seu entendimento como “natural”.
Os dados convergem no indiciar do que está por fazer em matéria de valores e comportamentos sociais. Acresce que boa parte das situações de abuso não são objecto de queixa.
Este conjunto de dados é preocupante, gostar não é compatível com maltratar, mas creio que não é surpreendente. Os dados sobre violência doméstica em adultos que permanece indomesticável deixam perceber a existência de um trajecto pessoal anterior que suporta os dados destes e de outros trabalhos. Aliás, nos últimos anos a maioria das queixas de violência doméstica registadas pela APAV foram de mulheres jovens.
Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época. De facto, e reportando-nos apenas aos dados mais gerais, é criticamente relevante a percentagem de jovens, incluindo estudantes universitários, que afirmam um entendimento de normalidade face a diferentes comportamentos que evidentemente significam relações de abuso e maus-tratos.
Como todos os comportamentos fortemente ligados à camada mais funda do nosso sistema de valores, crenças e convicções, os nossos padrões sobre o que devem ser as relações interpessoais, mesmo as de natureza mais íntima, são de mudança demorada. Esta circunstância, torna ainda mais necessária a existência de dispositivos ao nível da formação e educação de crianças e jovens; de uma abordagem séria persistente nos meios de comunicação social; de um enquadramento jurídico dos comportamentos e limites numa perspectiva preventiva e punitiva e, finalmente, de dispositivos eficazes de protecção e apoio a eventuais vítimas.
Só uma aposta muito forte na educação, escolar e familiar, pode promover mudanças sustentadas nesta matéria. É uma aposta que urge e tão importante como os conhecimentos curriculares.
Entretanto e enquanto não muda, "só faço isto porque gosto de ti, acreditas não acreditas?"

Sem comentários: