sexta-feira, 15 de março de 2019

O MAL-ESTAR COMO SEMENTE


Desta vez o choque e o horror aconteceram em S. Paulo, Brasil. Dois jovens, antigos alunos de uma escola, mataram 8 pessoas entre os quais cinco alunos dessa escola. Acrescenta-se assim mais um marco trágico num caminho que já vai longo, demasiado longo. Recorde-se alguns dos mais brutais, Santa Fé, Texas e Parkland, (2018), Columbine (1999), Virgina Tech (2007), ou Sandy Hook (2012) .
Em cada momento desta trágica natureza invade-nos um sentimento de perplexidade. Porquê?
Acontecem com regularidade episódios desta natureza ainda que alguns com menor gravidade. Para além dos episódios que referi nos Estados Unidos também a Noruega, França ou Finlândia assistiram a grandes tragédias.
Em alguns casos, lembro-me, por exemplo, dos distúrbios de há uns anos em Inglaterra em que os comportamentos observados assemelhavam-se grotescamente a um videojogo violento com personagens reais.
Também em Portugal se têm verificado alguns casos de violência extrema envolvendo jovens, apesar de terem, felizmente, efeitos menos trágicos, levando-nos a questionar os nossos valores, modelos educativos, códigos e leis pela perplexidade que nos causam.
Esta perplexidade exige a necessidade de tentarmos perceber um processo que designo como "incubação do mal" que se instala nas pessoas, muitas vezes logo na infância e adolescência, a partir de situações de mal-estar que podem passar relativamente despercebidas mas que insidiosamente começam a ganhar um peso interior insuportável cuja descarga apenas precisa de um gatilho, de uma oportunidade.
A fase seguinte pode passar por duas vias, uma mais optimista em que alguma actividade, socialmente positiva, possa drenar esse mal-estar, nessa altura já desregulação de valores, ódio e agressividade, ou, a outra via, aumenta exponencialmente o risco de um pico que pode ser um tiroteio numa escola ou noutro espaço público, a bomba meticulosamente e obsessivamente preparada ou uma investida contra alguém arriscando a entrada numa espiral de violência cheia de "adrenalina", em nome de coisa nenhuma a não ser de um "mal-estar" que destrói valores e gente. Os jovens envolvidos neste episódio parecem corresponder ao padrão de quem “incubava o mal” e, aparentemente, estavam entregues a si e ao seu mal-estar.
É evidente que a punição e a detenção constituírem um importante sinal de combate à sensação de impunidade perigosamente presente na nossa comunidade mas é minha forte convicção de que só punir e prender não basta. Aliás, estes jovens, numa espiral de violência e tragédia brutais puseram também fim à sua estrada.
Sabendo que prevenção e programas comunitários e de integração têm custos, importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da violência, da delinquência continuada e da insegurança.
Importa ainda estratégias mais proactivas e eficientes de minimizar, a exclusão, o abandono e insucesso educativos, a guetização e "quase total" desocupação de, em Portugal, centenas de milhares de elementos da geração "nem, nem" nem estuda, nem trabalha. Para esta gente, o futuro passa por onde, por quem e porquê?
Finalmente, a importância de uma precoce e permanente atenção às pessoas, ao seu bem-estar, tentando detectar, tanto quanto possível, sinais que indiciem o risco de enveredar por um caminho que se percebe como começa, mas nunca se sabe como acaba.
Nos Estados Unidos, na Noruega, na França, na Alemanha, no Brasil... ou em Portugal.

PS - Quando comecei a alinhavar estas notas tomei conhecimento da tragédia na Nova Zelândia. Parece associada a outra face deste mal-estar, a intolerância, o ódio, a violência desregulada. 
Vão negros os tempos.

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