No dia 8 li no Público que o ME
recebeu até ao momento “apenas” 50 casos de reclamações relativas no âmbito da
entrada em vigor do regime jurídico da educação inclusiva, ou seja, desde o
início deste ano lectivo.
Diz ainda o ME que reclamações
apresentadas “estão relacionadas na quase totalidade com a falta de
funcionários por motivos de baixa”, um problema anterior à entrada em vigor do
novo diploma e que se mantém.
Algumas notas sustentadas no
cansaço de ver como a realidade continua a ser vista quase sempre como se fosse a projecção dos
desejos de quem para ela olha e não do que ela tem para ser visto (e reflectido).
Em primeiro lugar e apesar de
saber que a perfeição não existe e os processos educativos são complexos, mesmo
que fosse um só caso, seria um problema. Não devemos relativizar o número pois
certamente entraríamos na impossível definição do critério a partir do qual temos
problemas ou “está tudo bem”.
No que diz respeito às queixas
apresentadas pelos pais, sabemos todos que por variadíssimas razões, em que se
inclui a relação profundamente assimétrica entre escola e pais e em particular
no que toca aos alunos mais vulneráveis o número de queixas formais é bastante
mais baixo que as dificuldades sentidas na realidade, lá está a maldita
realidade.
Mas do meu ponto de vista, embora
a questão dos funcionários seja crítica a questão central não é essa.
A questão central é como estão a
correr em termos genéricos os processos de avaliação, planificação, intervenção
de acordo com os princípios da educação inclusiva, a avaliação reguladora
dessa intervenção, os recursos disponíveis em suficiência e competência, o trabalho com e o apoio aos docentes de ensino regular face ao seu papel central nos processos de inclusão, etc.
Quando falo destas questões e
cada vez sinto menos motivação para o fazer sempre afirmo que a mudança da
legislação era necessária e que o DL 54/2018 tem avanços importantes. Também
sei e não me esqueço que, quer com o velho 319/91 (nesta altura eu já trabalhava neste
universo há 15 anos), quer com o 3/2008 e com o recente 54/2018 existiam e
existem professores e escolas a realizar trabalhos notáveis que devem ser
conhecidos e reconhecidos.
No entanto sei e não me esqueço
que no meio do mar de rosas que isto parece ser os poucos espinhos, “apenas”
50, não decorrem da falta de funcionários por mais importantes que sejam.
Os processos de avaliação, não,
não é rotulagem, é avaliação de eventuais dificuldades que se reflictam na
aprendizagem, na “ensinagem” ou no comportamento e que deve ser rigoroso e competente para que a
planificação não se traduza num “objectivo” como “melhorar competências de
leitura” constante num RTP (agora já não existe PEI) de uma crianças de 7 anos
a frequentar o 1º ciclo como se qualquer criança a frequentar o 1º ciclo não
deva “melhorar competências de leitura. Acontece que pela forma como foi
colocado em prática, pelas dificuldades de recursos, pelos equívocos
decorrentes do banho de doutrina no 54/2018 que nem o Manual de Apoio (era
mesmo preciso chamar “manual” a orientações para intervenção em educação
inclusiva?) esclarece, este processo de avaliação pelas equipas multidisciplinares
decorre com inúmeros sobressaltos em muitas escolas.
Um dos grandes avanços anunciados
era o fim da categorização, deixamos de ter crianças e jovens com necessidades
educativas especiais. Quando leio referências aos “universais”, aos “adicionais”
ou aos “selectivos” já não se trata de um processo de categorização pela
dificuldade identificada mas realizado pela resposta desenhada. Isto sim, é uma
mudança de paradigma.
A ver se nos entendemos,
identificar de forma competente a natureza de eventuais dificuldades não é um
processo de “rotulagem”, só o será se daí decorrer discriminação negativa ou “guetização”
e não a adequação da resposta educativa. E deste ponto de vista o 54/2018 não
garante nada pois coexistem ambas as situações.
O espaço é curto mas ainda uma
nota para a participação dos pais, as situações que vou conhecendo mostram como
tanto ainda está por fazer sobretudo em situações de maior dificuldades ou
severidade problemáticas.
Como disse acima, o cansaço já é
muito embora sempre me anime quando conheço situações muito positivas que
felizmente acontecem todos os dias em tantas escolas.
Não quero fazer o papel do miúdo
que diz que o “rei vai nu”, primeiro porque já não tenho idade para isso e,
segundo, porque não seria de todo justo.
Também não gosto de me sentir o
Waldorf ou o Statler, os velhos dos Marretas que estão sempre na crítica, até
porque, de novo, muita coisa de bom acontece, mas … a verdade é que julgo que
só mudar, ainda que num caminho ajustado não significa … mudar.
Não, existem muitas coisas muito
bonitas mas … nem tudo vai bem. Não torturem a realidade que ela não vai
confessar.
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