A
imprensa divulga hoje alguns
dados relativos ao Projecto Geração XXI, do Instituto de Saúde Pública da
Universidade do Porto, que acompanha desde o nascimento um número muito
significativo de crianças na área metropolitana do Porto.
Cerca de 75% das crianças com 7
anos serão vítimas de agressão psicológica ou castigos corporais em contexto de
educação familiar. Cerca de 10% sofreram agressões graves (como bater com cinto
ou objecto contundente ou queimar) com frequência.
As avaliações mostram que que impacto
na saúde é significativo, 58% apresentam valores de inflamação elevados, quase
o dobro das que não são vítimas de maus-tratos.
Sugerem ainda que mães com história
de violência doméstica desenvolvem mais comportamentos de agressão aos filhos
do que as mães que não reportam um passado de maus tratos. Considerando a
variável escolarização e nível económico, sem surpresa, níveis mais elevados
parecem mais associados a agressão psicológica e castigos corporais e níveis
menos qualificados associados a formas de violência mais graves,
Esta é uma das questões que está
sempre na agenda de qualquer encontro ou conversa entre e com pais. E porque
assim é insisto numa notas.
Em 2018 a Academia Americana de
Pediatria produziu novas orientações sobre a parentalidade afirmando
veementemente que bater nas crianças, insultá-las, humilhá-las ou
envergonhá-las são comportamentos que deveriam ser idealmente eliminados. Os
efeitos positivos são nulos e os negativos estão bem demonstrados.
Se bem estão recordados, no
âmbito da polémica relativa ao programa “Supernanny” e sempre que na imprensa
se refere comportamentos menos positivos de crianças ou adolescentes são
inúmeros os comentários e discursos sobre a alegada falência das famílias na
definição de regras e limites nos comportamentos de crianças e adolescentes.
Muitos destes discursos e comentários têm sido acompanhados de referências ao
facto de não se recorrer a umas “palmadas”, à “pedagogia do chinelo” ou outras
variações no mesmo tom, com uns “tabefes” a coisa resolvia-se.
As alusões às dificuldades das
famílias ou da escola na regulação dos comportamentos de crianças e adolescentes
podem ser justificáveis mas a ideia de lidar com estas dificuldades através do
bater parece-me na verdade preocupante para além da sua potencial ineficácia.
Ninguém pode garantir que foram ou que são as “tareias” que constroem pessoas
de bem.
Aliás, gostava de recorrer a um
trabalho desenvolvido pela Universidade de Pittsburgh nos EUA divulgado na
Child Development em 2017 que considerando diferentes variáveis seguiu 1482
alunos durante nove anos e evidenciou uma relação sólida entre o que foi
considerado “parentalidade severa” (recorrer com regularidade ao gritar, bater
ou outro tipo de comportamento coercivo, além de ameaças físicas e verbais como
forma de punição) e baixo rendimento escolar e problemas de comportamento nas
crianças envolvidas nesse “modelo” de educação familiar.
Considerando agora de forma mais
particular o recurso regular ao “bater” como ferramenta educativa, importa
sublinhar que desde 2007 o Código Penal Português estabelece no Artº 152 a
proibição dos “castigos corporais” como também acontece em muitos outros
países.
Sabemos e não esquecemos que os
“castigos corporais” podem ir da mais ligeira palmada à mais pesada tareia e
também sabemos que bater é um tipo de comportamento inscrito na prática de
muitas famílias na sua relação educativa com os filhos.
Na verdade, os castigos corporais
ainda são uma "ferramenta" educativa em muitas famílias e, é
conhecido, também em instituições que acolhem crianças sendo que mesmo que no
âmbito da justiça a questão é complexa.
Recordo a título de exemplo que
em 2014 o Tribunal da Relação do Porto absolveu pais que comprovadamente
agrediram o filho de 11 anos com um cinto infligindo danos corporais de alguma
gravidade. A razão de tal comportamento prendeu-se com resultados escolares e o
facto de fumar. Cito do Público, “Os juízes desembargadores entenderam que
embora sendo “o comportamento dos pais de censurar”, não pode ser considerada a
“forma qualificada” no crime de ofensa à integridade física por não haver
"aquele acrescido e especial juízo de reprovação, indispensável" para
o considerar como tal. Assim, sendo apenas aceite a “forma simples” da
agressão, o Ministério Público não poderia ter deduzido acusação, os pais foram
absolvidos.”
A ver se nos entendemos, bater em
crianças como método educativo não é uma actividade educativa, o comportamento
gera comportamento, aliás, também se sabe que crianças que foram batidas são,
frequentemente, pais que batem.
No entanto e dito tudo isto,
também entendo que comportamentos inadequados ou incompetentes não significam
necessariamente que estejamos perante pessoas, pais, más ou incompetentes.
Todos nós, alguma vez, agimos de
uma forma menos ajustada ou adequada com os nossos filhos e isso não nos
transforma em pessoas más, significa que somos apenas pessoas e que nada destes matérias é feita seguindo escrupulosamente um qualquer "manual de instruções" dos muitos que agora aparecem.
Assim sendo, creio que devemos
ser cautelosos, quer na defesa da "estalada educadora" ou “palmada
pedagógica”, quer na diabolização definitiva de pais que numa situação
eventualmente esporádica e de tensão assumem um comportamento de que podem ser
os primeiros a arrepender-se.
Esta nota, não branqueadora ou
desculpabilizante de nada, pode não ser particularmente simpática mas estou
cansado, tanto de discursos de legitimação do efeito "educativo" da
violência dirigida a crianças, como de discursos demagógicos e, por vezes
hipócritas, que clamam pelo "crucificação" cega de uma pessoa, o
outro que bate, mas são produzidos por gente desatenta ou mesmo autora ou
apoiante doutros comportamentos dirigidos a miúdos tão indignos quanto a
"estalada" ainda que menos visíveis.
Finalizando, embora saiba que a
legislação mesmo quando é imperativa é entendida como indicativa e, portanto,
desrespeitada como temos tantos exemplos em várias matérias é bom não esquecer
que estamos a falar de direitos, não de opiniões.