“Não precisamos de superpais”,
este foi o título do primeiro texto com que iniciei a minha colaboração com a
Visão online e que retomo para estas notas.
Serve esta afirmação para uma
pequena introdução a umas notas sobre a questão do programa “Supernanny” em
exibição na SIC. Sou dos que entendo que matérias como a educação devem ser
abordadas na comunicação social, aliás, entendo que temos um défice nessa
matéria. No entanto também defendo que que a abordagem destas matérias,
designadamente por parte dos profissionais da área, para além dos aspectos
científicos deve acautelar questões de natureza ética e deontológica. Nenhuma
dúvida sobre isto. Deve ainda ser muito prudente no enunciar de mensagens
prescritivas evitando a ideia da “receita” infalível para problemas ou
situações das quais se não conhecem todas as variáveis. Procuro não esquecer
este entendimento na colaboração regular com a imprensa, por coincidência, com
um texto divulgado hoje.
É isto que me parece estar em
causa neste episódio da série “Supernanny” que a SIC começou a exibir. Do meu
ponto de vista e tal como se entendeu noutros países, o conteúdo e a forma como
as questões são tratadas podem ferir, eu acho que ferem, regras de deontologia,
ética e de prudência científica da psicologia, a minha área de intervenção,
como alguns saberão. Aliás, a própria Ordem dos Psicólogos Portugueses
expressou uma posição de sérias reservas.
Toda esta situação radica em algo
que tem vindo a verificar-se, alguns excessos nos discursos sobre a
"instrução" e "educação" e as questões novas que as
mudanças nos valores e nos estilos de vida colocam levam a que alguns pais
sintam algumas dificuldades no seu trabalho de pais e a que muito técnicos tenham
tentação de fornecer um "manual de instruções" que promoverá a
educação perfeita da criança perfeita.
É verdade que contrariamente ao
que acontece com todos os bens, até por imposição comunitária, as crianças
continuam, felizmente, a ser providenciadas aos pais sem virem acompanhadas de
um manual de instruções, em várias línguas, preferencialmente.
Provavelmente por isso, ultimamente
tem-se verificado um aumento exponencial na publicação destes
"manuais" ou de peças na imprensa com a mesma intenção, ensinar-nos o
ofício de pais. São consideradas questões como lidar com birras, com os
problemas dos adolescentes, com a escola e os seus problemas, como lidar com os
filhos e com os amigos dos filhos, como comunicar com eles, como gerir os seus
gostos e as suas crises, como agir nas férias, como ocupar os fins-de-semana,
como dialogar em família, como perceber a “cabeça” dos mais novos, como definir
regras e disciplina, que alimentação e estilos de vida, como ocupar os tempos
livres, que actividades fazem melhor a quê, etc. etc. Todas estas matérias são
escrutinadas e analisadas de modo a fornecer, crê-se, um manual de instruções.
A imprensa, em diferentes
registos, acompanha a onda, em variadíssimas secções, colaborações e colunas de
aconselhamento providenciam-nos receitas, dicas, sugestões exactamente com o
mesmo objectivo mas em versão telegráfica. Dado que também colaboro regularmente com a comunicação social a minha preocupação aumenta, coloca-me dúvidas e tem motivado algumas recusas.
Este frenesim
assenta, creio, na melhor das intenções, tornar-nos bons pais. Pela avalanche
de ajuda parece que não estamos a conseguir e a experiência mostra-me que
muitos pais se sentem assustados com alguns dos discursos que lhes são
dirigidos, tanto quanto com algumas das dificuldades que em algumas circunstâncias
sentem com os filhos em diferentes idades.
Existem para todos os gostos,
para todas as idades e escritos sob as mais variadas perspectivas. Tenho lido
muitos, uns acho interessantes e uma eventual ajuda para alguns pais e para
algumas questões, outros, devo confessar, deixam-me alguma inquietação, não
passam de um enunciado de "orientações prescritivas" longe das
circunstâncias de vida em que muitas famílias se movem.
Para além das ajudas que os pais
possam encontrar nestes "manuais de instruções" creio ser importante
sublinhar que, felizmente para todos nós, a começar pelas crianças, os pais
são, de uma forma geral, intuitivamente competentes, mais "asneira",
menos "asneira", mais uma "festinha", menos um
"ralhete" e a estrada cumpre-se sem grandes sobressaltos. Um discurso
social excessivo em torno da "psicologização" ou induzindo a ideia de
que só indo a uma "escola de pais" e lendo vários "manuais de
instruções" poderemos ser bons pais, pode ser mais fonte de problemas que
de ajuda.
Parece-me importante que os pais
falem entre si sobre as suas experiências, sem medo de que os julguem maus
pais, que na relação com os técnicos ligados à educação as conversas não
incidam quase que exclusivamente sobre "se está bem ou mal na
escola", mas que se abordem as questões educativas também no contexto
familiar de forma aberta e serena. Os "manuais de instruções" não são
a solução, são, muitos deles, apenas mais uma ajuda.
Pais atentos, pais confiantes,
são pais que educam sem especiais problemas. Curiosamente, alguns
"manuais" e alguns discursos "científicos" podem aumentar a
insegurança e a ansiedade de alguns pais.
Começo a sentir que está fazer
falta alguma tranquilidade e serenidade que devolvam aos pais a confiança em si
mesmos e na sua capacidade para exercer bem o papel. Sei que por
vezes não é fácil. Ser pai não é mobilizar de forma prescritiva um conjunto de
“práticas” receitadas por diferentes especialistas. É melhor deixar que os pais
falem e encontrem por si a forma de fazer. No fundo, a maioria saberá como,
precisa apenas de se sentir confiante e tranquilo. Os que verdadeiramente
necessitarão de ajuda serão bastante menos.
Não precisamos de “superpais”
como também não precisamos de “superfilhos”.
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