O Público de hoje traz um
trabalho interessante sobre a mobilidade urbana das crianças. Se pudessem
escolher oito em cada dez crianças entre os seis e os 11 anos inquiridas num
estudo da UTAD e a frequentar um agrupamento escolar no norte do país iriam a
pé para escola.
Tal como outros estudos têm
evidenciado predominam os que se deslocam em transporte motorizado familiar e
apenas 24% se deslocam a pé ou de bicicleta.
Quando inquiridos sobre eventual
desconforto nas deslocações a pé para a escola referem a questão do trânsito
excessivo, passeios e passadeiras e sé depois questões de insegurança ou
orientação, medo de se perderem.
Apesar das limitações do estudo
inibindo a generalização dos dados sabemos que a globalmente predomina a
utilização dos meios motorizados familiares ou públicos no acesso à escola.
É também claro que a para além
das questões logísticas ou de acessibilidade importa considerar variáveis
relativas aos contextos e à autonomia das crianças. Aliás, as crianças ouvidas
neste estudo expressam o desejo dessa autonomia. Algumas notas repesacadas.
Questões desta natureza, a
autonomia de crianças e adolescentes são-me frequentemente colocadas por pais
ou educadores, a idade em que se pode começar a sair à noite, a ir sozinho para
escola, matéria sobre a qual colaborei num trabalho do DN, brincar na
rua, etc.
Na verdade, não entendo que
existam respostas definitivas para questões desta natureza, sendo certo que a
segurança e bem-estar das crianças devem ser uma prioridade absoluta.
A decisão de pais e educadores a
inquietações ou dúvidas desta natureza, recordo que no que diz respeito ao
ficar só em casa muitas famílias confrontam-se com sérias dificuldades para
assegurar a guarda dos filhos durante os prolongados horários laborais, deve
ter subjacente uma outra matéria de natureza mais vasta e importante, a
autonomia das crianças e a forma como a promovemos ... ou não.
De há muito e sempre que penso ou
falo de educação me lembro de um texto de Almada Negreiros em que se afirma
"... queria que me ajudassem para que fosse eu o dono de mim, para que os
que me vissem dissessem: Que bem que aquele soube cuidar de si". Este
enunciado ilustra, do meu ponto de vista, a essência da educação, seja familiar
ou escolar, em qualquer idade.
De facto, o que se pretende num
processo educativo será a construção de gente que sabe tomar conta de si
própria da forma adequada à idade e à função que em cada momento se desempenha.
Este entendimento traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das
crianças e jovens para que "saibam tomar conta de si próprios", no
fundo, a velha ideia de, "ensinar a pescar, em vez de dar o peixe".
Parece-me fundamental que
adoptemos comportamentos que favoreçam esta autonomia dos miúdos e dos jovens.
No entanto, é minha convicção que por razões que se prendem com os estilos de
vida, com os valores culturais e sociais actuais, com as alterações das
sociedades, questões de segurança, por exemplo, estamos a educar os nossos
miúdos de uma forma que não me parece, em termos genéricos, promotora da sua
autonomia. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente), os
desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de
desenvolvimento e promoção dessa autonomia. É neste contexto que devem ser
colocadas, trabalhadas e decidas as dúvidas sobre o que criança ou adolescente
pode ou não fazer só.
Por outro lado, os miúdos são
permanentemente bombardeados com saberes e actividades que serão obviamente
importantes para o seu desenvolvimento e para o seu futuro mas, ao mesmo tempo,
são miúdos, pouco autónomos, pouco envolvidos nas decisões que lhes dizem
respeito cumprindo agendas que lhes não dão margem de decisão sobre o quê e o
porquê do que fazemos ou não fazemos. Acabam por se tornar menos capazes de
decidir sobre o que lhes diz respeito, dependem da "decisão de quem está à
sua volta, companheiros ou adultos.
Um exemplo, para clarificar. Um
adolescente não habituado a tomar decisões, a fazer escolhas, mais dificilmente
dirá não a uma oferta de um qualquer produto ou um a convite de um colega para
um comportamento menos desejável. É mais difícil dizer não do que dizer sim aos
companheiros da mesma idade. Num sala de aula é bem mais provável que um
adolescente tenha um comportamento adequado porque "decida" que é
assim que deve ser, do que por "medo" das consequências.
Só miúdos autónomos, autodeterminados,
informados e orientados sobre os riscos e as escolhas serão mais capazes de
dizer não ao que se espera que digam não e escolher de forma ajustada o que
fazer ou pensar em diferentes situações do seu quotidiano. Este entendimento
sublinha a importância de em todo processo de educação, logo de muito pequeno,
em casa e na escola, se estimular a autonomia dos miúdos.
Creio que este entendimento está
pouco presente em muito do que fazemos em matéria de educação familiar ou escolar
e para todos os miúdos.
Todos beneficiariam, miúdos e
adultos.
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