terça-feira, 9 de janeiro de 2018

EDUCAÇÃO E AUTONOMIA

O Público de hoje traz um trabalho interessante sobre a mobilidade urbana das crianças. Se pudessem escolher oito em cada dez crianças entre os seis e os 11 anos inquiridas num estudo da UTAD e a frequentar um agrupamento escolar no norte do país iriam a pé para escola.
Tal como outros estudos têm evidenciado predominam os que se deslocam em transporte motorizado familiar e apenas 24% se deslocam a pé ou de bicicleta.
Quando inquiridos sobre eventual desconforto nas deslocações a pé para a escola referem a questão do trânsito excessivo, passeios e passadeiras e sé depois questões de insegurança ou orientação, medo de se perderem.
Apesar das limitações do estudo inibindo a generalização dos dados sabemos que a globalmente predomina a utilização dos meios motorizados familiares ou públicos no acesso à escola.
É também claro que a para além das questões logísticas ou de acessibilidade importa considerar variáveis relativas aos contextos e à autonomia das crianças. Aliás, as crianças ouvidas neste estudo expressam o desejo dessa autonomia. Algumas notas repesacadas.
Questões desta natureza, a autonomia de crianças e adolescentes são-me frequentemente colocadas por pais ou educadores, a idade em que se pode começar a sair à noite, a ir sozinho para escola, matéria sobre a qual colaborei num trabalho do DN, brincar na rua, etc.
Na verdade, não entendo que existam respostas definitivas para questões desta natureza, sendo certo que a segurança e bem-estar das crianças devem ser uma prioridade absoluta.
A decisão de pais e educadores a inquietações ou dúvidas desta natureza, recordo que no que diz respeito ao ficar só em casa muitas famílias confrontam-se com sérias dificuldades para assegurar a guarda dos filhos durante os prolongados horários laborais, deve ter subjacente uma outra matéria de natureza mais vasta e importante, a autonomia das crianças e a forma como a promovemos ... ou não.
De há muito e sempre que penso ou falo de educação me lembro de um texto de Almada Negreiros em que se afirma "... queria que me ajudassem para que fosse eu o dono de mim, para que os que me vissem dissessem: Que bem que aquele soube cuidar de si". Este enunciado ilustra, do meu ponto de vista, a essência da educação, seja familiar ou escolar, em qualquer idade.
De facto, o que se pretende num processo educativo será a construção de gente que sabe tomar conta de si própria da forma adequada à idade e à função que em cada momento se desempenha. Este entendimento traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das crianças e jovens para que "saibam tomar conta de si próprios", no fundo, a velha ideia de, "ensinar a pescar, em vez de dar o peixe".
Parece-me fundamental que adoptemos comportamentos que favoreçam esta autonomia dos miúdos e dos jovens. No entanto, é minha convicção que por razões que se prendem com os estilos de vida, com os valores culturais e sociais actuais, com as alterações das sociedades, questões de segurança, por exemplo, estamos a educar os nossos miúdos de uma forma que não me parece, em termos genéricos, promotora da sua autonomia. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente), os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia. É neste contexto que devem ser colocadas, trabalhadas e decidas as dúvidas sobre o que criança ou adolescente pode ou não fazer só.
Por outro lado, os miúdos são permanentemente bombardeados com saberes e actividades que serão obviamente importantes para o seu desenvolvimento e para o seu futuro mas, ao mesmo tempo, são miúdos, pouco autónomos, pouco envolvidos nas decisões que lhes dizem respeito cumprindo agendas que lhes não dão margem de decisão sobre o quê e o porquê do que fazemos ou não fazemos. Acabam por se tornar menos capazes de decidir sobre o que lhes diz respeito, dependem da "decisão de quem está à sua volta, companheiros ou adultos.
Um exemplo, para clarificar. Um adolescente não habituado a tomar decisões, a fazer escolhas, mais dificilmente dirá não a uma oferta de um qualquer produto ou um a convite de um colega para um comportamento menos desejável. É mais difícil dizer não do que dizer sim aos companheiros da mesma idade. Num sala de aula é bem mais provável que um adolescente tenha um comportamento adequado porque "decida" que é assim que deve ser, do que por "medo" das consequências.
Só miúdos autónomos, autodeterminados, informados e orientados sobre os riscos e as escolhas serão mais capazes de dizer não ao que se espera que digam não e escolher de forma ajustada o que fazer ou pensar em diferentes situações do seu quotidiano. Este entendimento sublinha a importância de em todo processo de educação, logo de muito pequeno, em casa e na escola, se estimular a autonomia dos miúdos.
Creio que este entendimento está pouco presente em muito do que fazemos em matéria de educação familiar ou escolar e para todos os miúdos.
Todos beneficiariam, miúdos e adultos.

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