sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

DOS TEMPOS "LIVRES" DOS MIÚDOS SEM TEMPOS LIVRES

Um texto de Pedro Strecht na Visão, “Hiperactividade e défice de atenção: um novo paradigma”, para além da pertinência da questão, contém uma afirmação que julgo de particular relevância nos processos educativos em vários contextos, escolar e familiar.
Os tempos de recreio e de espaços verdadeiramente “livres” diminuíram e são considerados vulgarmente “desnecessários”, o que é um erro dramático para toda uma geração.
Muitas vezes me tenho referido aqui e nos espaços de intervenção profissional a esta questão, a última foi já esta semana em mais uma estimulante conversa com pais de crianças em creche e jardim-de-infância em que a importância de brincar de forma autónoma e sem um “programa” de actividades é uma ferramenta útil ao desenvolvimento das crianças. Ainda umas notas a este propósito.
Recupero uma pequena história real. Uma mãe mostrava-se muito aborrecida com o Atelier de Tempos Livres em que o filho, gaiato de uns 10 anos, passa boa parte das férias, porque os técnicos responsáveis "dão poucas actividades às crianças e depois elas põem-se a brincar umas com as outras".
É inquietante perceber alguma visão que, de mansinho, se foi instalando também em muitos pais.
De facto, os discursos e as orientações que se aceitam com "certas" vão criando, também nos pais, a ideia de que os tempos não são de brincar.
Os tempos são de trabalhar, muito, em nome da competitividade e da produtividade, condição para a felicidade, dizem. Vai sendo roubado aos miúdos o tempo e o espaço que nós tínhamos e empregam-nos horas sem fim nas fábricas de pessoas, escolas, chamam-lhes. Aí os miúdos trabalham a sério, a tempo inteiro, dizem, pois só assim serão grandes a sério, dizem também.
Às vezes, alguns miúdos ainda brincam de forma escondida, é que brincar passou a uma actividade quase clandestina que só pais ou professores “românticos”, “facilitistas”, “eduqueses” ou “incompetentes” acham importante.
Mesmo quando os miúdos vão para umas coisas a que chamam “tempos livres”, a verdade é que muitas circunstâncias de livres têm pouco e frequentemente se confunde brincar com entreter e outras vezes acontece a continuação do trabalho que se faz na fábrica de pessoas, a escola. Quando assim não é, felizmente existem muitos espaços em que não é assim, alguns pais reagem como a mãe da história.
Também são encaixados em dezenas de actividades fantásticas, com nomes fantásticos, que promovem competências fantásticas e fazem um bem fantástico a tudo e mais alguma coisa.
Era bom escutar os miúdos e, desculpem a insistência, se lhes perguntarem vão ficar a saber que brincar é a actividade mais séria que realizam, em que põem tudo o que são, sendo ainda a base de tudo o que virão a ser.

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