terça-feira, 16 de maio de 2017

OUVIR OS ALUNOS

Ao que se lê no Público, Andreas Schleicher, o director do Departamento de Educação e Competências da OCDE, citou o exemplo do ME de ouvir os alunos sobre o universo das políticas educativas numa iniciativa a que chama “A voz dos alunos”. Se bem se recordam o ME organizou em Novembro em Leiria um encontro que reuniu alunos do ensino básico e secundário sobre temáticas como “O que aprendemos? Como aprendemos melhor? O que distingue os professores que constituem referências para nós? O que retemos do que aprendemos? Como utilizamos o que aprendemos? O que (não) mudaríamos na escola?”. Hoje realiza-se novo encontro.
De acordo com os relatos, os alunos apresentaram questões como aulas mais práticas, mais debates, mais trabalho colaborativo, mas saídas da escola, diversificação das opções de escolha das disciplinas no secundário, mais actividades ligadas às expressões, mais conteúdos ligados à cidadania, maior ligação com a prática, promoção do espírito crítico, turmas mais pequenas, professores motivados e que não desistam dos alunos.
Não tenho um entendimento idealizado ou romântico do “diálogo” e do “ouvir os alunos” mas creio que importará, de facto, ouvir os alunos, todos os alunos, com real interesse no seu olhar e ideias sobre a sua vida escolar.
Achei, portanto, uma iniciativa positiva.
A propósito de ouvir os alunos, recordo que há algum tempo participei num conjunto de conversas com alunos do 2º e 3º ciclo em que se discutia o que era essa coisa de ser um bom professor.
A maioria dos alunos envolvia-se activamente e a continuidade das referências levou à identificação de uma resposta que se poderia sintetizar na ideia de que "bom professor é o que fala com a gente e explica bem".
Este entendimento lembrou-me, cito-o aqui frequentemente, o Mestre João dos Santos quando afirmava que alguém tinha sido seu professor "porque foi seu amigo".
De facto, o sucesso dos processos de ensinar e aprender assenta em dois eixos fundamentais, a qualidade do ensinar e a relação entre quem ensina e quem aprende. Do meu ponto de vista, a grande maioria dos professores estará equipada sobre o ensinar. A grande questão é que a nossa escola, de uma forma geral, não facilita a relação. Esta dificuldade decorre, fundamentalmente, da organização dos tempos lectivos, da natureza e extensão dos conteúdos curriculares das diferentes e muitas disciplinas, da crescente pressão para resultados tangíveis, o número crescente de alunos por turmas e do número de turmas leccionado por muitos professores, de um ensino demasiado assente no manual, etc. para além, naturalmente, das concepções de alguns professores.
Os professores, muitos professores, sentem-se "escravos" do programa que tem de ser dado e do pouco tempo disponível para construção da relação que na verdade se torna muito difícil.
Muitas vezes digo que os professores "falam" para o programa, para o explicar, e os alunos "falam" para o programa para o aprender. Não falam entre si sendo que, além disso, existe um grupo significativo de alunos que, por diversas razões como dificuldades ou desmotivação ou associadas a variáveis de contexto, não conseguem "falar" com o programa. Para estes, os professores vêem-se obrigados a falar, sobretudo para controlar os seus (maus) comportamentos.
Também por estas razões, continuo a entender como necessária uma mudança mais significativa na organização dos tempos da escola e dos conteúdos curriculares que tornassem mais fácil podermos ouvir os alunos dizer, "a gente tem bons professores porque explicam bem e falam com a gente".
Esta ideia não tem nada de romântico nem de utópico, assenta em algo de muito simples, a educação constrói-se com a relação que se alimenta com a comunicação.

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