Só há pouco tive oportunidade de
ler a entrevista do Secretário de Estado da Educação na Visão de ontem de que
deixo a ligação agradecendo ao Paulo Guinote. As ideias e entendimentos expressos
por João Costa vão na sua formulação ao encontro ao que entendo de há muito serem
os caminhos desejáveis para a educação.
Os enunciados encontram de uma
forma sustentação em muito do que se sabe sobre os processos de educativos, sobre
os processos de ensino e aprendizagem, conforme a evidência produzida em
diferentes campos científicos apesar da diabolização de que têm sido alvo.
Encontram também sustentação no campo da experiência, das boas práticas
nacionais e internacionais que são conhecidas.
Devo dizer que não são novas,
aliás, a constante referência à necessidade de inovar em educação ou na escola,
fazer “novo”, incomoda-me. Estou cansado de ver recursos xpto, altamente “inovadores”
serem usados com opções pedagógicas e didácticas velhas. Qualquer bom professor
sabe que fazer diferente, e tantas vezes é preciso fazer diferente, não
significa fazer novo.
Apesar disto, é natural que
algumas das ideias, estou a falar dos enunciados, do Secretário de Estado,
possam ser objecto de discordância. É compreensível no plano científico, é compreensível
no plano ideológico, sim, a educação é tanto matéria de ciência como de
ideologia, é compreensível no plano da conflitualidade de interesses legítima,
diga-se, existente neste universo, é ainda compreensível no plano da
partidocracia que não é exactamente coincidente com o plano da ideologia e é
ainda compreensível à luz do “contrismo” uma espécie de doença infantil do
umbiguismo, estou contra porque estou contra tudo o que não seja eu a dizer. Neste quadro, embora defenda processos altamente participados e partilhados, não acredito em consensos, parece-me mais lúcido pensar em entendimentos que gerem políticas.
No entanto e apesar da concordância
genérica com os postulados, a entrevista de João Costa deixa-me algumas dúvidas
e inquietações.
Um processo de mudança num
universo tão complexo como o da educação é ele próprio complexo e
multidimensionado. Se assim não for entendido corremos o risco de produzir
ajustamentos parcelares, incoerentes e desarticulados, que apesar da bondade
potencial de cada mudança perdem impacto, geram ruídos e dificuldades e … nada
muda significativamente. Ao longo das últimas décadas temos tido inúmeros
exemplos desta forma de promover políticas educativas que agitam mas não produzem
apesar, registe-se, do bom trabalho de alunos e professores
Neste contexto e sendo breve,
mantenho algumas dúvidas que já se colocaram face ao Perfil do Aluno do Séc.
XXI que me parece um trabalho estruturante e um rumo positivo mas que ainda não
é clara a estrada que vamos percorrer.
Tudo isto será desenvolvido com
que calendário e metodologia global de mudança?
Tudo isto será desenvolvido com
que estabilidade e perspectiva de consistência no tempo?
Tudo isto será desenvolvido com
que organização curricular, conteúdos e cargas horárias, por disciplina e
globais?
Tudo isto será desenvolvido com
que quadro real de autonomia e de organização e gestão/direcção de escolas e
agrupamentos? Recordo que o Parlamento está hoje a discutir o modelo de
autonomia e gestão de escolas e agrupamentos.
Tudo isto será desenvolvido com
que dimensão das turmas e das escolas ou agrupamentos? Eu sei que nem todas são
excessivamente grandes mas algumas são e alguns agrupamentos estão para além do
aceitável no número de alunos.
Tudo isto será desenvolvido com
que ajustamento em práticas, capacidade e recursos de promover diferenciação
para acomodar a diversidade dos alunos de acordo com princípios de educação inclusiva e promover um menor peso dos manuais no
trabalho de alunos e professores?
Tudo isto será desenvolvido com
que dispositivos de apoio ao trabalho de alunos e professores, incluindo a
presença de técnicos competentes e suficientes?
Tudo isto será desenvolvido com
que modelos e dispositivos de avaliação de alunos, professores e escolas?
Com que impacto na formação
inicial e contínua e na organização da carreira dos professores, designadamente
do espartilhado modelo dos grupos disciplinares?
Um conjunto de enunciados
positivos é importante mas pode não ser suficiente para sustentar alguma
mudança significativa.
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