Como assinalei em texto de há
dias registo com agrado a trajectória de Alexandre Homem Cristo, um dos falcões
do Observador, nos seus discursos sobre educação.
Depois de um “ensaio” sobre
questões curriculares em que exprime uma visão globalmente positiva do conjunto
de alterações que em matéria de currículo o ME propõe ensaiar no próximo ano
lectivo e que serão inspiradas na visão e modelo finlandês agora analisa a
questão do número de professores e desmonta o argumento que tem servido de base
à promoção da “grande marcha de professores para fora do sistema”, o abaixamento do número de alunos.
Como muitos de nós fomos
afirmando ao longo dos anos o número de professores empurrados para fora do sistema
não podia ser fundamentado pela baixa do número de alunos, esteve longe de ser
proporcional. De facto, de acordo com o Relatório “Perfil do Docente” divulgado
em 2016 pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência a fonte
também citada por Alexandre Homem Cristo, o número de alunos no básico e
secundário baixou 6.2%, isto significa menos 92 423 entre 2004 e 2015.
Quanto aos professores, no mesmo
período abandonaram 42165, 25% dos que estavam em 2004/2005. A saída
verificou-se em todos os patamares de ensino mas com maior significado no 3º
ciclo e no secundário (40% dos que saíram) quando nos últimos anos a população
escolar no secundário até subiu devido ao alargamento da escolaridade
obrigatória. Considerando os grupos de docência as assimetrias foram
significativas
No ensino público registaram-se
98% dos abandonos, as escolas públicas tiveram quatro vezes mais saídas que os
estabelecimentos privados.
Dito de outra maneira temos menos
1 professor por cada 2.1 alunos a menos. Aliás, considerando a redução de
postos de trabalho na administração entre 21011 e 2013 o MEC contribuiu com 68%
dos empregos extintos.
O menor número de alunos não
serve pois de justificação para a enorme sangria que deixou uma classe desvalorizada e envelhecida como salienta Alexandre Homem Cristo sublinhando a
necessidade a prazo de alguns milhares de professores devido ao envelhecimento
brutal da classe que motivará a saída.
Também registo que face a um outro
argumento que servia de base às políticas que sofremos, em Portugal nos últimos
anos, o rácio entre professores e alunos estava na média europeia, Alexandre
homem Cristo afirma “Mas cuidado com as
conclusões definitivas: se, por um lado, estes dados exibem o racional da
diminuição do número de professores, por outro lado a comparação de rácios
alunos/professor pode ser enganadora. De facto, a organização dos vários
sistemas educativos europeus varia (dimensão das escolas, horários lectivos dos
professores, funções dos professores) e isso tem uma forte influência na
leitura dos dados. Na prática, um determinado rácio pode ser adequado para um
contexto nacional e não ser para outro. Sempre afirmámos isto mas saúdo a
conversão do opinador.
Um dia destes Alexandre Homem
Cristo estará transformado num “facilitista” “eduquês” negando veementemente
tudo o que escreveu durante o consulado de Nuno Crato.
No entanto, gosto de o ver a
viajar por estas ideias meu caro, mudar é um sinal de inteligência.
Na verdade, a maioria dos
professores que saíram foi empurrada para fora por um conjunto de dimensões
ligadas às políticas educativas dos últimos anos, com José Sócrates e a
devastação provocada por Passos Coelho a partir de 2011 com o fundamentalismo
austeritário, cerca de 75% do total de
professores que saíram fizeram-no neste período.
A justificação mil vezes repetida
esperando que se tornasse verdade assentava na diminuição do número de alunos. Como
já tenho referido, parece claro que a questão do número de professores
necessário ao funcionamento do sistema é uma matéria bastante complexa que, por
isso mesmo, exige serenidade, seriedade, rigor e competência na sua análise e
gestão, tudo o que tem faltado nesta matéria.
Para além da questão da demografia
escolar que, aliás, a tutela tem tratado de forma incompetente e demagógica,
importa não esquecer que existem muitos professores deslocados de funções
docentes, boa parte em funções técnicas e administrativas que em muitos casos
seriam dispensáveis pois fazem parte de estruturas do Ministério pesadas,
burocráticas e ineficazes.
Por outro lado, os modelos de
organização e funcionamento das escolas, com uma série infindável de estruturas
intermédias e com uma carga insuportável de burocratização, retiram muitas
horas docentes ao trabalho dos professores que estão nas escolas.
É neste quadro que deve ser
ponderada a interpretação do rácio entre o número de professores e o número de
alunos.
No entanto e do meu ponto de
vista, a saída dos professores, que nos venderam como estando “em excesso” de
professores no sistema deve ser também analisado à luz de medidas das políticas
educativas iniciadas ainda no tempo de José Sócrates e fortemente aprofundadas
por Passos Coelho. Vejamos alguns exemplos.
Em primeiro lugar, as alterações
no número de professores necessário decorre do aumento do número de alunos por
turma que, conjugado com a constituição de mega-agrupamentos e agrupamentos
ligada ao encerramento de milhares leva que em muitas escolas as turmas
funcionem com o número máximo de alunos permitido e, evidentemente, com as
implicações negativas que daí decorrem.
As mudanças curriculares com a
eliminação das áreas não curriculares que, carecendo de alterações registe-se,
também produzem um desejado e significativo “corte” no número de professores, a
que acrescem outras alterações no mesmo sentido.
Por outro lado, verificámos uma
forte desvalorização salarial, o aumento da idade da reforma, o congelamento da
progressão na carreira variáveis que contribuíram seriamente para o desencanto
e partida de milhares de professores.
Acresce a tudo isto o clima e a
instabilidade vividas nas escolas, a pressão constante para resultados e
burocracia, a falta de apoios, etc.
Temos a tempestade perfeita. A
saída destes milhares de professores sairão, gostava de me enganar, muito mais
caras do que aquilo que o ME poupará na diminuição do número de docentes.
Conhecendo os territórios
educativos do nosso país, julgo que faria sentido que os recursos que já
estavam no sistema, pelo menos esses e incluindo os contratados com muitos anos
de experiência, fossem aproveitados em trabalho de parceria pedagógica, que se
permitisse a existência em escolas mais problemáticas de menos alunos por turma
ou ainda que se utilizassem em dispositivos de apoio a alunos em dificuldades.
Os estudos e as boas práticas
mostram que a presença de dois professores na sala de aula são um excelente
contributo para o sucesso na aprendizagem e para a minimização de problemas de
comportamento bem como se conhece o efeito do apoio precoce às dificuldades dos
alunos. Agora andam a promover-se medidas que sempre lembram a velha imagem da
manta.
Sendo justamente estes os dois
problemas que mais afectam os nossos alunos, talvez o investimento resultante
da presença de dois docentes ou de mais apoios aos alunos, compense os custos
posteriores com o insucesso, as medidas remediativas ou, no fim da linha, a
exclusão, com todas as consequências conhecidas.
É só fazer contas. As contas
certas, claro.
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