O DN promove hoje verdadeiro
serviço público com duas peças sobre a importância de brincar e do brincar na rua.
Nunca é demais chamar a atenção
para o papel central do brincar na vida dos mais novos.
É que estes tempos, os últimos tempos
que não são de brincar, são de trabalhar, muito, em nome da competitividade e
da produtividade, condição para a felicidade, entendem alguns. Roubaram aos
miúdos o tempo e o espaço que nós tínhamos e empregam-nos horas sem fim nas
fábricas de pessoas, escolas, chamam-lhes. Aí os miúdos trabalham a sério, a
tempo inteiro, dizem, pois só assim serão grandes a sério, dizem também.
Às vezes, alguns miúdos ainda
brincam de forma escondida, é que brincar passou a uma actividade quase
clandestina que só pais ou professores “românticos”, “facilitistas”,
“eduqueses” ou “incompetentes” acham importante.
Muitos outros miúdos vão para
umas coisas a que chamam “tempos livres”, que de livres têm pouco, onde,
frequentemente, se confunde brincar com entreter e, outras vezes, acontece a
continuação do trabalho que se faz na fábrica de pessoas, a escola.
Também são encaixados em dezenas
de actividades fantásticas, com nomes fantásticos, que promovem competências
fantásticas e fazem um bem fantástico a tudo e mais alguma coisa.
O brincar da infância vai-se
encurtando, algum dia os miúdos vão nascer crescidos para já não precisarem de
brincar.
Era bom escutar os miúdos. Se
perguntarem aos miúdos, vão ficar a saber que brincar é a actividade mais séria
que eles fazem, em que põem tudo o que são, sendo ainda a base de tudo o que
virão a ser.
No caso mais particular mas
também essencial do brincar na rua sabemos que as questões da segurança e, sobretudo
dos estilos de vida e a mudança verificada nos valores e nos equipamentos,
brinquedos e actividades dos miúdos, o brincar na rua começa a ser raro.
Embora consciente das questões
como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível alguma
oportunidade de “devolver” aos miúdos o circular e brincar na rua, talvez com a
supervisão de velhos que estão sozinhos as comunidades e as famílias
conseguissem alguns tempos e formas de ter as crianças por algum tempo fora das
paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã.
No imperdível “O MUNDO, o mundo é
a rua da tua infância”, Juan José Millás recorda-nos como a rua, a nossa rua
foi o princípio do nosso mundo e nos marca. Quantas histórias e experiências
muitos de nós carregam vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de
formas diferentes para aquilo que somos e de que gostamos.
Como muitas vezes tenho escrito e
afirmado, o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a
autonomia, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala
Almada Negreiros. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente,
os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de
desenvolvimento e promoção dessa autonomia.
Curiosamente, se olharmos às
nossas condições climatéricas, Portugal é um dos países com valores mais baixos
no tempo dedicado a actividades de ar livre, situação com implicações menos
positivas na qualidade de vida, nas suas várias dimensões, de miúdos e
crescidos.
Talvez, devagarinho e com os
riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por
pouco tempo e não todos os dias. Eles iriam gostar e far-lhes-ia bem.
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