sexta-feira, 19 de maio de 2017

DA "TUDOTERAPIA"

No Público refere-se uma experiência piloto em desenvolvimento em Coimbra envolvendo o recurso a cães como abordagem terapêutica a crianças com autismo, cinoterapia. Os resultados, ao que se refere na peça, são animadores.
As notas que em seguida aqui ficam foram escritas em diferentes ocasiões a propósito de um trabalho desenvolvido no Porto com póneis, equitação terapêutica, envolvendo crianças e adultos com deficiência, de um outro trabalho em Miranda do Douro recorrendo a patos e lontras e também dirigido a pessoas com deficiência e ainda de um outro em Montemor-o-Velho mas recorrendo a lâmpadas especiais, fosfénicas, para apoio terapêutico a crianças com dificuldades.
Tenho consciência e assumo que de alguma forma podem ser delicadas mas o muito que que já observei e acompanhei levam-me a insistir.
Em primeiro lugar não tenho a menor dúvida sobre a seriedade, competência ou empenho dos profissionais envolvidos nestas actividades ou outras abordagens que se entendam terapêuticas e destinadas a pessoas portadoras de deficiência física ou mental ou com problemas de outra natureza.
Também não duvido que em muitas circunstâncias as crianças, jovens e adultos que nelas participam registem alterações positivas. Quando pessoas em situação mais vulnerável recebem atenção, estímulos, apoio e envolvimento, por princípio, notar-se-á melhoria na sua condição, independentemente da actividade, dentro do que sejam actividades racionais e aceitáveis com é evidente.
Na verdade, estas notas, embora partam da referência a estes trabalhos relevam, fundamentalmente, de que nos últimos anos e no que respeita aos problemas, de diferentes âmbitos e gravidade, que afectam as crianças e adolescentes, sobretudo mas não só, tem vindo a emergir uma gama sem fim de abordagens "terapêuticas" da mais variada natureza das quais, numa espécie de pensamento mágico, se anunciam ou esperam resultados milagrosos que nem sempre são comprovados com validade científica, embora muita gente possa "atestar" melhoras que, evidentemente, alimentam o recurso a esta gama do que eu chamo a "tudoterapia", ou seja, tudo é terapêutico.
A minha inquietação decorre, essencialmente, do que acontece com os pais, conheço muitas situações, quando se envolvem nestas experiências. As suas fragilidades e impotência face aos problemas que os filhos evidenciam, a vontade inesgotável de tentar ou experimentar o que estiver ao seu alcance para que os problemas se atenuem ou desapareçam, leva-os a investirem imenso nessas abordagens que, na verdade, não são milagrosas e não têm resultados garantidos.
Para além dos custos, da frustração em caso de insucesso, o mais provável na maior parte da "tudoterapia", alguns pais podem ainda sentir-se culpados porque, por exemplo, devido a circunstâncias económicas ou de acessibilidade, não podem providenciar tais "terapêuticas" aos seus filhos.
A "evolução" que por vezes se regista em algumas situações, pode dever-se, por exemplo, a um efeito placebo, a uma maior atenção estímulo proporcionado à criança ou adolescente e não decorrer das propriedades terapêuticas do procedimento, para as quais, como referi, não existe nas mais das vezes, validade científica .
Neste cenário, os técnicos têm um papel fundamental, embora difícil, de contenção das angústia e necessidades dos pais e no sentido de procederema a abordagens sérias e realistas sobre os objectivos, limites e resultados esperados das intervenções disponíveis, ajudando e orientando as famílias nas escolhas e decisões.
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