Segundo o DN, o ME adiantou em
reunião com estruturas sindicais que a de há muito anunciada reforma do enquadramento
da designada educação especial será operada no ano lectivo
2018/2019.
Terá ainda adiantado que a
proposta elaborada pelo Grupo de Trabalho criado para o efeito e cujos
trabalhos aqui fui comentando será divulgada em breve e objecto de debate público
para aprovar ainda este ano. Afirmou ainda que durante o próximo ano será
realizada formação de professores no sentido da mudança de que se desconhecem
pormenores.
De há muito que entendo a
necessidade e a urgência de operar mudanças nesta área. O enquadramento
legislativo, designadamente alguns dos aspectos do DL 3/2008, como tive
oportunidade também de partilhar com o Grupo de Trabalho respondendo a um
convite simpático para colaboração.
A título de exemplo, alguns
desses aspectos a carecerem de alteração.
. Aligeirar a presença de
conteúdos “doutrinários” nos instrumentos legislativos. Os normativos dever ser
“enxutos”, reguladores de medidas, recursos e procedimentos e estar, tanto
quanto possível a salvo de “interpretações de doutrina”, os tão habituais, “cá
para mim quer dizer …)
. A resposta educativa à
diversidade (educação inclusiva) não cabe num normativo específico e, por isso,
importa pensar a coerência legislativa e não esquecer matérias como currículo,
organização e gestão de recursos, autonomia e organização das escolas,
avaliação escolar, etc.
. Uma das maiores fragilidades do
nosso sistema educativo é, do meu ponto de vista, a sua desregulação. Como
tantas vezes afirmo, em matéria de trabalho com alunos com NEE e não só,
convivem práticas e respostas de extraordinária qualidade com situações
inaceitáveis. Parece-me imprescindível que se definam formas e dispositivos de
regulação que não têm a ver com avaliação ou inspecção, são funções diferentes,
mas com apoios e recursos verdadeiramente reguladoras do trabalho de
professores e escolas. Existem muitíssimos profissionais nas escolas altamente
competentes e experientes que podem integrar, por concurso por exemplo, estes
dispositivos de regulação.
. Recursos técnicos e docentes
suficientes e qualificados.
Em termos um pouco mais
específicos entendo que o caminho passará:
. Por uma sólida e real autonomia
das escolas como forma de melhorar a sua resposta a especificidades de
contexto, incluindo as características dos alunos e dos recursos disponíveis
. Por repensar a existência
“conceitos” como “necessidades permanentes”, “elegibilidade” e uma infinidade
de “instrumentos” como diferentes Planos (PEIs, PITs, CEIs, etc.). Talvez
esteja errado, mas parece-me mais eficaz e económico que quando necessário
tenhamos um Plano Educativo no qual consta o que é ajustado para UM determinado
aluno, seja ao nível das aprendizagens, da transição para a vida activa ou dos
conteúdos curriculares, é o seu Plano Educativo, ponto. Aliás, até tenho
dificuldade em perceber alguns destes “conceitos” que, desculpem as boas
práticas existentes, muitas vezes funcionam com ferramentas de exclusão.
. Repensar o modelo de Unidades
de Ensino Estruturado, de Unidades de Apoio Especializado para a Educação de
Alunos com Multideficiência ou Escolas de referência para alunos cegos ou com
baixa visão. O espaço não permite desenvolver a justificação mas já aqui a
tenho referido.
. Repensar o modelo de avaliação
centrado na CIF. Trata-se de um instrumento de classificação, útil e competente
para outros objectivos que não a avaliação em educação.
. Reforçar a competência das
escolas e dos professores na decisão sobre medidas de natureza educativa
incrementando também um real envolvimento e participação das famílias.
. Repensar o modelo de apoios
especializados prestados por entidades exteriores à escola. Sendo de natureza
educativa, a sua gestão será da responsabilidade das escolas. Sendo de outra
natureza devem ser integrados no Plano Educativo do aluno e desenvolvidos em
moldes diferentes do actual modelo que gera situações de ineficiência.
. Na mesma linha devem ser
repensados os modelos de parceria com outras entidades também no que respeita,
por exemplo, à preparação e transição para a vida activa em que, mais uma vez,
a responsabilidade de decisão é das escolas, inalienável dentro da escolaridade
obrigatória.
. Simplificar tanto quanto
possível as “medidas de apoio”. Em termos muitos simples temos alunos que
precisam de algum tipo de apoio para percorrer de forma bem-sucedida um
trajecto semelhante ao de todos os seus colegas, os alunos para os quais seja
necessário algum ajustamento curricular que não comprometam o acesso às
competências globais do ciclo de estudos e os alunos para os quais seja
adequado uma adaptação mais significativa dos conteúdos curriculares.
Como já afirmei a propósito de
outras alterações promovidas pela actual equipa do ME e dada a complexidade
implicações das mudanças o quer que venha a ser realizado deve acontecer com
uma enorme prudência, reflexão aprofundada e com a participação o mais
abrangente possível dos diversos actores e entidades envolvidos.
Sabemos que depressa e bem não há
quem. Objectivos globalmente positivos podem ser comprometidos por más
metodologias, calendários de mudança inadequados ou a não antecipação das condições
e requisitos necessários aos processos de mudança.
De facto, importa que as mudanças
ou experimentação em educação não se realizassem de forma apressada, sem um
consenso tão sólido quanto possível sobre conteúdos e calendário e a
consideração prévia das condições e requisitos que sustentem as mudanças em
execução e que, reafirmo, me parecem necessárias e num sentido positivo.
Como muitas vezes refiro, é tão
importante "fazer as coisas certas como fazer certas coisas". Se bem
repararmos nem sempre isto se verifica, mesmo na nossa acção individual. Em
políticas públicas é ainda mais necessário e temos tido exemplos negativos.
O que me preocupa não é tanto o
facto de apenas se iniciar o processo em 2018/2019, o que me inquieta é o
sentido da mudança.
Como diz o Velho Marrafa, deixem
lá ver.
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