Este final de tarde tem estado
destinado à avaliação de trabalhos académicos. Trata-se de um trabalho com
enorme latitude de sentimento, ora nos faz sentir satisfeitos com o que lemos e
com quem o escreveu, ora nos faz ficar inquietos e pensar no que temos de fazer
melhor.
No entanto, a avaliação e a
aprendizagem fizeram-me recordar uma história pessoal quase cinquenta anos
depois da sua ocorrência e que não resisto a partilhar desejando alguma
benevolência em eventuais julgamentos.
Não é assim coisa de que me
orgulhe mas a minha carreira de estudante até final do secundário foi mais
iluminada pelo mau comportamento do que pela excelência dos resultados
escolares. A certa altura e num dos menos frequentes contactos com os manuais
do seria desejável, lá pelo sexto ou sétimo do liceu, ao deambular pelo livros
de físico-química, a ganhar balanço e vontade para estudar, dou de caras no fim
do livro com uma nota curricular do físico italiano Avogadro que incluía um
selo italiano comemorativo que continha o enunciado do seu princípio, matéria
que fazia parte do programa. Vislumbrei naquele selo uma janela de
oportunidade, como agora se diria. Com a ajuda de uma lupa dei-me ao trabalho
de ler e fixar o Princípio de Avogadro em italiano. Tal e qual.
Como a sorte protege os audazes,
a oportunidade surgiu e em grande. Na aula de Física a Setôra Trincão, como
ainda hoje me sinto embaraçado do meu comportamento nestas aulas, chamou-me ao
quadro, as famosas chamadas orais. Estou a ver ainda a cena ao pormenor. Eu
junto ao quadro e a Setôra a levantar-se da secretária enquanto me perguntava,
adivinhem … isso mesmo, o Princípio de Avogadro, sem a menor convicção no meu
conhecimento, como era hábito.
E eu com uma segurança e um
domínio total da adrenalina surpreendo o mundo com o Princípio de Avogadro
expresso num perfeito (quase) italiano. A Setôra nem chegou a acabar de se
levantar, sentou-se com uma cara de espanto que ainda retenho e a turma reconheceu
a minha actuação com um estrondoso aplauso, o primeiro e último que recebi por
desempenho escolar em rapaz.
Donde se retira, recordo-o de vez
em quando, que até um aluno indisciplinado é capaz de aprender e contrariar o destino. De tal maneira
que ainda hoje acho que sei o Princípio de Avogadro, “Volumi uguali di gas nelle stesse
condizione di pressione e di temperatura contengono lo stesso numero de
molecule”. E estou a avaliar trabalhos dos meus alunos e alunas.
Desculpe Setôra Trincão, lá onde
quer que esteja.
São estranhos e diversificados os caminhos da aprendizagem.
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