quarta-feira, 24 de maio de 2017

DOS MANUAIS ESTRAGADOS E PUNIÇÃO DOS PAIS

Ao que leio no JN o ME atribui a responsabilidade aos Directores de escolas e agrupamentos pela punição dos pais cujos filhos tendo recebido manuais escolares por “empréstimo” os apresentem deteriorados.
Não encontrei orientações sobre as “punições” a aplicar pelo que estas notas se situam ao nível do princípio.
Em primeiro lugar e como muitas vezes tenho dito os manuais deveriam ser gratuitos em nome do princípio constitucionalmente da gratuitidade da escolaridade obrigatória.
Em segundo lugar, o “empréstimo” de manuais que se verificará, previsivelmente, para alunos mais carenciados não faz sentido sobretudo para alunos mais novos.
Quanto à “punição” dos pais retomo algumas notas quando esta questão também foi colocada a propósito dos comportamentos dos filhos aventando-se a hipótese de aplicação de coimas ou o corte de eventuais subsídios sociais.
Entendo, como seria de esperar, a importância da responsabilização dos pais em matéria de educação dos filhos, seja no cuidar dos materiais ou nos comportamentos a adoptar, nenhuma dúvida sobre isto. A minha questão é se esta responsabilização e aumento da qualidade da educação parental se promove com “punições” ainda que não saibamos a sua natureza. Alguns pontos.
1 - A maioria dos pais não gosta que os seus filhos sejam "maus", se portem mal ou estraguem materiais ou equipamentos. A maioria não sabe como fazê-los "melhores". Estes precisam de apoio não de multas ou punições. Ponto.
2 - Uma minoria, muito pequena, de pais de miúdos "maus" são pais maus não estão interessados ou preocupados em ser bons, nem se preocupam com os filhos, são "negligentes". Nestes casos, o problema é, no limite, retirar a guarda dos filhos, a multa não mexe seguramente com a negligência destes pais. Ponto.
3 - Um miúdo "mau" levanta problemas numa escola, qualquer escola, onde existem umas dezenas largas de especialistas em educação que sentem a maior dificuldade em "resolver" os problemas criados por esse miúdo "mau", não conseguindo, com frequência, resultados positivos. Será que alguém que conheça estes cenários acredita que os pais serão capazes de os resolver, por si, mesmo se lhes cobrarem uma multa, retirarem parte do abono de família ou de qualquer outra prestação social? Não acredito. Ponto.
Escolas organizadas, com cultura institucional sólida traduzida na adequação e consistência dos seus projectos educativos e com lideranças eficazes são mais organizadoras dos comportamentos de quem nelas habita, como qualquer outra organização. Também por isto se questiona incompetente constituição de mega-agrupamentos.
Por outro lado, as experiências conhecidas mostram a importância de estruturas de mediação entre a escola e a família o que implica a existência de recursos humanos qualificados e disponíveis. Veja-se o trabalho dos GAAFs apoiados pelo IAC, experiências no âmbito da intervenção da Associação EPIS ou iniciativas que algumas escolas conseguem desenvolver e que permitam apoiar os pais dos miúdos maus que querem ter miúdos bons e identificar as situações para as quais, a comprovada negligência dos pais exigirá outras medidas que envolvam, eficazmente e em tempo oportuno as CPCJ. Esta mediação não é compatível com o plano de tutoria em desenvolvimento pelo ME com 4h semanais de um professor tutor para um grupo de 10 alunos.
Um caminho de autonomia, com a alteração desejável dos modelos de organização e funcionamento das escolas e na gestão curricular, deveria permitir que as escolas, algumas escolas, mais problemáticas tivessem menos alunos por turma, mais assistentes operacionais com formação em mediação e gestão de conflitos ou ainda que se utilizassem, existindo, professores em dispositivos de apoio a alunos em dificuldades.
Por outro lado, os estudos e as boas práticas mostram que tal como programas de tutoria, também a presença simultânea de dois professores é um excelente contributo para o sucesso na aprendizagem e para a minimização de problemas de comportamento bem como se conhece o efeito do apoio precoce às dificuldades dos alunos também na prevenção da indisciplina.
Julgo que é neste sentido que temos de caminhar.

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