O Instituto de Segurança Social lançou dois manuais, “Manual da Audição daCriança” e o “Manual de Audição Técnica Especializada”, que
pretendem constituir uma ferramenta de apoio aos técnicos envolvidos em
processos conflituosos de separação parental em que estão crianças e não raras vezes em processo de
sofrimento significativo, tal como, aliás, os adultos.
É verdade, felizmente, que existem múltiplos casos de reconstrução
bem-sucedida de famílias após situações de divórcio em que adultos e crianças
encontraram forma de viverem situações de bem-estar depois de quebrar relações
anteriores.
Seria esta a situação desejável em caso de separação. No
entanto, existem muitas circunstâncias em que os processos de separação
são de grande tensão e conflito nos quais crianças e adultos entram em
processos de sofrimento que os materiais agora divulgados podem ajudar a
minimizar.
Os riscos que a separação dos pais podem implicar para os
filhos são alvo de recorrentes abordagens na imprensa e no âmbito da minha
experiência são também objecto de frequentes pedidos de ajuda, orientação ou
apenas inquietação.
Uma pequena nota para referir que para além da separação
definitiva, alguns estudos referem um aumento de situações em que, dados os
custos económicos da separação e da reconstrução de vidas individuais, os
casais decidem que, apesar de separados, continuam a coabitar o mesmo espaço ou
que nem sequer assumem a separação, criando uma situação de "casados por
fora" e "descasados por dentro".
Esta situação, quando existem filhos, poderá também induzir
algumas ansiedades e inquietações nos pais sobre a forma de lidar com um
contexto em que aparentemente existe uma família, quando na verdade já são duas
com uma ou mais crianças entre elas.
Este cenário, "casados por fora e descasados por
dentro" pode ainda acontecer os casais que com o alibi da protecção dos
filhos mascaram uma relação que já não existe mas que se sentem incapazes de
dar fim. Muitos destes casais acabam por se separar quando têm os filhos já
adultos o que lhes parece mais tranquilo.
Na verdade, as crianças e adolescentes também percebem,
sentem, muito bem quando as coisas se alteram, quando têm pais “casados por
fora” e “descasados por dentro”.
Na maioria das situações as coisas correm bem e é sempre
preferível uma boa separação a uma má família. Por outro lado a convivência de
um grupo de pessoas que não se separa e já não é uma família pode conter alguns
riscos de insegurança e instabilidade para os mais novos tal como nas
separações efectivas e, consoante as idades, assumir efeitos ou riscos
diferentes.
Importa ainda considerar que existem separações familiares extremamente
conflituosas durante as quais, com progressiva frequência, emerge a utilização
dos filhos como “arma” durante os processos, por vezes longos, de regulação
familiar.
Neste quadro, podem emergir nos adultos, ou num deles,
situações de sofrimento, dor e/ou raiva, que “exigem” reparação e ajuda. Muitos
pais lidam sós com estes sentimentos pelo que os filhos surgem frequentemente
como “tudo o que ficou” e o que “não posso e tenho medo de também perder”.
Poderemos assistir então a comportamentos de diabolização da figura do outro
progenitor, manipulação das crianças tentando comprá-las (o seu afecto), ou,
mais pesado, a utilização dos filhos como forma de agredir o outro.
Nestes cenários mais graves podem emergir quadros do chamado
Síndrome de Alienação Parental que, apesar de alguma prudência requerida na sua
análise, nem a utilização como conceito é consensual em termos clínicos e
jurídicos, são susceptíveis de causar graves transtornos nas crianças, daí,
naturalmente, a necessidade de suporte e ajuda.
É obviamente imprescindível proteger o bem-estar das
crianças mas não devemos esquecer que, em muitos casos, existem também adultos
em enorme sofrimento e que a sua eventual condenação, sem mais, não será
seguramente a melhor forma de os ajudar. Ajudando-os, os miúdos serão ajudados.
Quero ainda sublinhar que, por princípio, prefiro uma boa separação a uma má
família.
Assim sendo, importa estar atento e a experiência diz-me
serem frequentes as situações de separação em que os adultos sentem insegurança
e ansiedade e até exprimem a necessidade de ajuda. Acresce que as questões relativas à
família, às novas famílias, são ainda objecto de discursos muito contaminados
pelos sistemas de valores éticos, morais, religiosos e culturais.
O volume de opiniões sobre estas situações é extenso,
oscilando entre considerações de natureza moral e/ou ética e um entendimento
científico sobre a forma como as famílias e sobretudo as crianças e jovens
lidam ou devem lidar com as circunstâncias. Por mim, creio “apenas” que o(s)
ambiente(s) familiar(es) deve ser suficientemente saudável para que a criança
se organize também saudavelmente e faça o seu caminho sem uma excessiva
preocupação geradora de ansiedade e insegurança em todos os envolvidos, miúdos
e crescidos.
No entanto, como sempre afirmo, há que estar atento e
perceber os sinais que sobretudo as crianças mostram e, na verdade, com alguma
frequência, os pais estão tão centrados no seu próprio processo que podem
negligenciar não intencionalmente a atenção aos miúdos e à forma como estes
vivem a situação. Pode ser necessário alguma forma de apoio externo mas sempre
encarado de uma forma que se deseja serena e não culpabilizante.
É também por aqui que os materiais agora divulgados podem
ser uma ferramenta útil.
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