sábado, 18 de março de 2017

A MAÇÃ É BOA, TEM BICHO

No Público tropecei com a referência à Cooperativa Fruta Feia que tem como “core business”, também já sei dizer estas coisas, comercializar fruta e leguminosas que tendo qualidade apresentam algumas imperfeições que as impede de entrar no mercado normal da distribuição. O nível de desperdício e perdas para os produtores é brutal pelo que é uma iniciativa importante.
Num tempo em que burocracia, europeia e portuguesa, e os mercados normalizam tudo o que podem e em que como nunca "os olhos também comem", uma quantidade brutal de produtos não corresponde a normas de aspecto e calibragem mas mantêm a intacta a qualidade.
Algumas notas sublinhando desde logo que é positiva e um bom sinal a adesão que este aproveitamento está a merecer por parte de muitos consumidores, para além do benefício para os produtores.
A Organização para a Alimentação e a Agricultura, da ONU, estima que 1,3 mil milhões de toneladas de alimentos, um terço do que é produzido, são desperdiçadas com um custo de anual de 570 mil milhões de euros para a economia global, permitiriam alimentar 925 milhões de pessoas que passam fome todos os dias. Vivemos num mundo estranho.
Recordo que no Ciclo de Conferências realizado pela Gulbenkian em 2013, foi apresentado um trabalho “Do Campo ao Garfo – Desperdício Alimentar em Portugal" que avaliava em um milhão de toneladas o desperdício de alimentos entre a produção e o consumo, o que parece verdadeiramente significativo num tempo de pobreza e dificuldades, nacionais e internacionais.
Creio que muitas vezes achamos que desperdício é coisa de gente rica, os pobres não desperdiçam o que, obviamente, não corresponde à realidade como os estudos evidenciam. O desperdício é um subproduto dos modelos de desenvolvimento e dos sistemas de valores que deveria merecer uma fortíssima atenção estabelecendo como objectivo reduzir em 50% o desperdício até 2025. Na verdade, de acordo com esse relatório a União Europeia que tem 79 milhões de pessoas a viver abaixo do limiar de pobreza, 15,8% da população, e desperdiça anualmente cerca de metade do que consome em alimentos. Este desperdício corresponde a 89 mil milhões de toneladas, um assombro.
Voltando aos produtos com mau aspecto, um trabalho há tempos divulgado avaliava em 30% os produtos que reunirão a qualidade exigida mas que os consumidores devido ao seu aspecto não adquirem pelo que a distribuição também não os compra aos produtores.
Na verdade, seja pelas estapafúrdias exigências, entretanto aligeiradas, das normas europeias, seja pela "esquisitice" dos consumidores, muita fruta e hortícolas de boa qualidade são desaproveitados e criminosamente desperdiçados.
A este propósito, lembrei-me de uma história passada no Meu Alentejo. Estávamos numas lérias quando um companheiro do grupo afirmou que só comia fruta que tinha bicho, "é a que presta".
Perante a nossa estranheza explicou, "essa fruta que se vê aí grande e a brilhar e sem bicho não presta, Então nem o bicho lhe pega e vou eu comê-la? Isso é que era bom, se a fruta não é boa para o bicho, é boa para mim?"  
Sendo certo que os olhos também comem, o embrulho nem sempre corresponde ao conteúdo.

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