quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

ENSINO PÚBLICO E ENSINO PRIVADO, RUÍDO E EQUÍVOCOS

Devido às mudanças anunciadas no modelo e pressupostos dos acordos entre o ME e os estabelecimentos de ensino privado, com um calendário inadequado e incompetente pois já o ano lectivo tinha começado, as águas andam turbulentas aumentando a sempre presente crispação no mundo da educação o que, naturalmente, contamina a qualidade do trabalho a desenvolver por professores, alunos e pais. A semana tem sido marcada pelas manifestações e alguns exemplos de particular mau gosto na forma de manifestar e com muitos equívocos nos discursos produzidos, quer por parte dos representantes do dos estabelecimentos quer por parte do ME.
Como muitas vezes aqui tenho referido a existência de um subsistema educativo de ensino privado é absolutamente necessário para, por um lado permitir alguma liberdade escolha, ainda que condicionada, por parte das famílias e, por outro lado, como forma de pressão sobre a qualidade do ensino público. Também já tenho referido que a chamada liberdade de educação, a escolha livre por parte dos pais dos estabelecimentos, públicos ou privados em que querem os seus filhos educados é demagógica e ineficaz. Para ultrapassar as dificuldades económicas do acesso a escolas privadas, alguns defendem a utilização, por exemplo, do cheque educação. Todos sabemos que muitos colégios não receberão nunca alguns alunos independentemente de os pais terem no fim de cada mês um cheque do ME para pagarem a mensalidade. Conhecem-se, também, estabelecimentos de ensino privado de onde alunos com algum insucesso e ou problemas do comportamento são "convidados" a sair para que se não comprometa a imagem e o estatuto da escola. Não adianta tapar o sol com uma peneira, é uma prática comum e hipocritamente "esquecida" quando se fala de "liberdade" de escolha e "direito" à educação.
Uma outra realidade, a que neste momento está a levantar mais questões, é a situação em que, não existindo resposta pública numa determinada área, o ME financie, através de contratos de associação o funcionamento de estabelecimentos privados para que assegurem o direito à educação de todos os alunos naquela área. No entanto, esta medida que se entende e justifica é, com frequência e com conhecimento de toda a gente envolvida, utilizada como financiamento encapotado do sistema privado, esta situação é reconhecida, repito. Conhecem-se muitas situações de escolas privadas que recebem verbas de contratos de associação quando na zona em que operam existem escolas públicas, o Público abordou esta questão há algumas semanas. Seria importante que de forma séria se percebesse que quando se fala de ensino privado e existência ou não de opções, a situação fosse bem clara no sentido de evitar os equívocos que só causam ruído e não contribuem para a serenidade necessária ao universo educativo.
Insisto de há muito, que a melhor forma de proteger a liberdade de educação, é uma fortíssima cultura de qualidade e exigência na escola pública e uma acção social escolar eficaz e oportuna. Assim teremos mais facilmente boas escolas, públicas ou privadas.

9 comentários:

Anónimo disse...

Estou totalmente de acordo com o artigo que demonstra bom senso. Mas chamo a atgenção para os aspectos de "lobby" que esta questão envolve. Quando põem crianças a construir caixões para ir para a rua protestar, demonstram bem a sua falta de principios.NO entanto haverá algumas escolas com boas intenções, provavelmente são aquelas que já assinaram as alterações ao Acordo com o MNE.

Zé Morgado disse...

Sem dúvida, os interesses económicos e políticos são fortíssimos

Anónimo disse...

Tendo em conta que o "cheque-escola" é uma realidade funcional em diversos países que abordam a questão educacional de uma perspectiva liberal não entendo muito bem o fatalismo com que se encara sempre o funcionamento da prática X ou Y em Portugal, como se o nosso país fosse inevitavelmente um caso especial onde tudo dá para o torto e que por isso se vive uma postura derrotista de "isso cá não vale a pena, e como sei prever o futuro até sei o que aconteceria".

De facto o nosso sistema educacional, baseado em lógicas de governação conservadoras, que continuam a fazer separações com bases em estratos sociais e elitismos tem vindo a demonstrar ser muito mais eficaz, não hajam duvidas. E se não tem sido eficaz, sempre poderemos desejar umas palavras vãs de optimismo e solução vazia para o paradigma educacional e dizer, sem especificar como nem muito bem porque, que este precisa de "qualidade", "exigência" e que o sistema social educacional, que relembro, não é de um sistema social mas de um sistema conservador, deve ser "eficaz".

Zé Morgado disse...

Seria interessante informar em que países e em que condições é utilizado o cheque-educação. Uma delas é que as escolas estão IMPOSSIBILITADAS de RECUSAR alunos. Seria curioso saber se os colégios mais "exclusivos, os "bons", estarão interessados em prescindir do direito de escolher os seus alunos

Anónimo disse...

Em que países? O caso mais flagrante é certamente o modelo Americano e de Honk Kong (embora o modelo de cheques educacionais de Hong Kong tenha variantes que desconheço para poder falar com facilidade) mas não precisamos de atravessar o atlântico para o presenciar. É utilizado na Holanda e na Irlanda e foi parcial e erroneamente implementado na Suécia.

Pegando na expressão que usa e com a qual concordo inteiramente, "a educação é a base e o reflexo da sociedade" (perdoe-me algum erro de transcrição, julgo ser esta a mensagem essencial), é importante pensar neste aspecto: Um aluno, é uma mais valia para um país certo? Social, cívica e economicamente estamos a educar a base humana. Isto não deveria ser assunto de somenos importância, e não basta exigir "qualidade". Todos a queremos. Pais, alunos, funcionários educacionais, quejandos. Assim, como mensurar o produto da escola? Esta "qualidade"? Seguindo o exemplo liberalmente oposto, a América, mas em situação de mensuração similar, Portugal, existe um exame nacional, que permite comparações no tempo...comparação que o exame nacional Português não permite, Infelizmente a tendência é para a descida. Já curiosamente, também na França, o baccalaureat, não tem esta homogeneidade no tempo. O nível dos alunos está então a descer ou o nível do exame a subir? Mas estamos a basear a essência humana nisto. Em termos económicos, já que estamos em tempos de crise, estamos a tributar o futuro a uma qualidade do capital humano duvidosa e desconhecida. É grave.

Os exames nacionais são uma avaliação imperfeita, mas têm o seu uso. Maus alunos poderão tornar-se empreendedores excelentes, mas em média, isso não acontecerá. O mercado de trabalho reconhece esta relação, pois o salário tem frequentemente por base o percurso académico. Ou seja, o capital humano de que falo, é decisivo. Mas o que é responsável? O individuo e as suas capacidades ou o sistema de ensino? Se à saída do secundário os resultados mostram tendência para baixar isso não significa uma uma queda mágica da inteligência dos alunos, mas uma baixa produtividade no sistema educacional. O nível desce porque a escola declina. Existem assim más escolas, mal geridas e com maus professores, sobre os quais poderemos agir mais eficaz e rapidamente no que no tecido dos alunos. Mas porque não o fazemos? Por nostalgia. Bacoca e simples. Idealiza-se o passado, de professor severo e alunos educados à base do castigo verbal e corporal. Para que mexer na escola, nos país, no compromisso dos educadores e Estado se os miúdos não protestam por si só? É mais fácil assim ora pois.
Antigamente era mais fácil recrutar professores, principalmente com baixos salários: a estima social pelo estatuto docente era motivador suficiente, a economia menos competitiva e os licenciados menos solicitados para trabalhar em empresas lucrativas. Agora tudo mudou. Um canudo actualmente permite optar por uma carreira no ensino ou pelo mundo empresarial, e este paga mais e recompensa melhor. Nas escolas, as remunerações são medíocres, e o sistema conservador característico europeu garante uma progressão na carreira por antiguidade, não por mérito. NADA nos garante que os melhores queiram ensinar.

Anónimo disse...

Convém portanto, melhorar a eficácia da "empresa" educativa. Através de incentivos económicos.

É aqui que entra o voucher. O cheque-escola. O que seja. Compreendo, vindo de Milton Friedman provoca muitos arrepios a sociedades Estado-dependentes (ou a funcionários nas elites estatais será o termo mais correcto).
Começa então o alarmismo "O capitalismo está a invadir o serviço publico!".
Não podia ser mais o oposto. O vale-escola é compatível com o serviço publico, não privatiza o ensino, funciona dentro dele.

Vou explicar o que certamente já conhece, mas espero que compreenda melhor assim a minha defesa a este sistema. O Estado, as autarquias (que não têm autonomia para tal, mal do estado conservador outra vez), atribuem a cada família, um vale-escola que pode ser usado em qualquer escola pública, ou privada com que seja celebrado contrato. Espera-se, que os interessados, escolham os melhores estabelecimentos de ensino.

Para os estabelecimentos de ensino, os vales representarão todos ou uma parte dos recursos orçamentados. Se escola X for escolhida, prospera. Ser for evitada, encolhe ou desaparece. As escolas terão assim incentivo (Que não têm. O "Amor por ensinar" é um disparate nostálgico. Basta entrar numa escola e apanhar um punhado de professores) a concorrerem umas com as outras para atrair alunos. Como? Recrutando os melhores docentes, adoptando as melhores pedagogias, o que pressupõem uma remuneração em função da qualidade. Em teoria o sistema gera um ciclo virtuoso em que as escolas se comportarão em busca do "óptimo".

Agora diz-me que o sistema incentiva ao reagrupar dos filhos segundo etnias, o que já acontece (!) pelo reagrupamento da população em bairros etnicamente homogéneos. Ou diria-me que os país se deixarão enganar e serão incapazes de discernir as melhores escolas, o que além de ser um atestado de incompetência é ignorar que a publicação dos resultados de cada escola é um relativo bom indicador da qualidade do estabelecimento. Então porque opor-se a este sistema? Seja que resposta for, é em ultima análise, por nostalgia.

Dou-lhe ainda o exemplo curioso da Florida. O cheque-escola, apesar de existir, não é utilizado. Só a ameaça que este representa estimulou os directores das escolas a reflectir em termos de produtividade.

Anónimo disse...

Já em Milwaukee temos um exemplo que poderia prever uma situação nacional. Esta comunidade contem uma grande presença hispânica, distribuídos na rede escolar por restrições geográficas: viviam em bairros etnicamente homogéneos, como tal, apenas iam para as escolas nas redondezas, também elas assim etnicamente homogéneas. Ou seja, discriminadas. O cheque teve a capacidade de redistribuir todos os alunos por todas as escolas da cidade. Os encarregados de educação puderam escolher as escolas em função dos resultados. Isto não acontece em Portugal. Vai à linha de sintra e vê a população de etnia africana concentrada na Secundária de Rio-de-Mouro, ou no Cacém. Já na Portela de Sintra temos a sensação de um Portugal de 1940. Talvez disfarçadamente seja isto que agrada aos opositores do cheque-escola. Falam de capitalismo no sistema educacional, mas sabem onde colocam os seus filhos, por isso o que acontece nas outras escolhas e aos outros alunos não lhes interessa. Muito menos aos nostálgicos, que a esses já os seus filhos passaram pelo sistema educacional há muito tempo pelo que podem romantizar o que quiserem. Já não têm que ir para a Amadora. Uffa.

Mas ainda no exemplo dado, houvera uma melhoria que variava entre os 5% e os 10% para o conjunto de alunos de Milwauke, principalmente, na população de origem hispânica (!! E esta?)


A liberdade de escolha, como previu Milton Friedman, levou a ganhos de produtividade para o conjunto do sistema, com um óbvio beneficio em prol dos mais desfavorecidos.



Temos é depois exemplos como os do Chile, que apesar de terem vales-escola, os resultados são medíocres, pois os governos (de esquerda, sem juízo de valor, mas de facto)recusam financiar os vales. Não financiam os vales, como os resultados escolares não são publicados. Impera pois um regime de Estado-dependência. Não só as elites estatalizadas precisam dela, como o próprio estado parasítico a fomenta. Isto prejudica os pobres que ficam nas más escolas. O corporativismo dos docentes públicos reforça a discriminação, a desigualdade social, que o vale poderia reduzir.

Estes são os entraves a esta medida. Quando fala em questões legais onde os privados não poderiam recusar os alunos, é uma questão de somenos, que um simples imperativo económico (para não dizer legal) resolveria. O grave, são os mesmos impeditivos que ocorrem no Chile. Impeditivos de ordem estatal e corporativista.
E sendo Portugal um país conservador (não social como alguns teimam em acreditar), temos ambos os factores bem presentes: Excesso de estado, e corporativismo patrocinado pelo mesmo.

Zé Morgado disse...

Compreendo a sua argumentação, não tenho um discurso fundamentalista (fechado) mas continuo a entender a necessidade de um país como Portugal (ainda?) necessitar de um sistema educativo assente na escola pública, gratuita e universal com exigências de qualidade e rigor que decorram de avaliações sérias e externas e, naturalmente, com consequências. Agradeço a colaboração

Zé Morgado disse...

Esqueci-me de uma pequena nota lateral e irrelevante mas que com frequência é utilizada em argumentação como aliás o fez. Tenha a posição que tenho e o meu filho fez toda formação escolar, do pré-escolar ao superior, nos etabelecimentos PÚBLICOS da minha área de residência, a periferia sub-urbana de Almada
Mas, como disse, isto é irrelevante para o meu entendimento sobre estas questões.