Por diversas vezes aqui tenho defendido a imprescindível necessidade de qualificação dos portugueses. Continuamos com níveis de formação superior bastante inferiores à média europeia. Tenho, sempre que surge a oportunidade, procurado demonstrar que ideia vendida e passada como verdadeira de que temos licenciados a mais e condenados ao desemprego é falsa. Antes pelo contrário, precisamos de mais gente qualificada e o desemprego entre os mais qualificados é resultado de uma sociedade pouco desenvolvida, de uma classe empresarial com um dos mais baixos níveis de qualificação na União Europeia.
Dito isto, deveria congratular-me com o aumento significativo, hoje noticiado, das pessoas inscritas em curso de mestrado e doutoramento no ano que agora findou e por comparação a 1995/1996. O Público fala de um aumento de 578% nos inscritos em mestrado e de 274% nos inscritos em programas de doutoramento.
É completamente falacioso usar assim os números. O processo de Bolonha, um iniciativa mais ligada a questões económicas que a questões curriculares e de mobilidade, transformou a maioria das licenciaturas existentes em mestrados, ou seja, os cinco anos de formação anterior dando acesso ao grau de licenciatura foram divididos em dois ciclos. O primeiro com 3 anos confere grau de licenciatura e o segundo com dois anos confere o grau de mestrado. Assim, um licenciado antes da implantação do Processo de Bolonha faria cinco anos para se licenciar e mais dois, no mínimo, para se mestrar. Actualmente, os alunos inscritos nos 2º ciclos entram na estatística como frequentadores, que o são, de programas de mestrado, mas não é sério nem adequado referir um aumento de 600% em comparação com 1995/1996. Parece-me bem mais significativo e importante o aumento do número de inscritos em programas de doutoramento.
Estas habilidades estatísticas são apenas um, e nem sequer muito importante, dos efeitos colaterais do bolonhês processo que sofremos, repito, que sofremos.
3 comentários:
Com relação a qualificação, deveriam sim os portugueses cobrarem a qualificação de língua portuguesa com um certificado de qualidade para a produção textual de livros em países da língua escrita. Oras, qualquer um pode assinar e ser escritor?
Caro Zé, concordando que o aumento é mais artifical do que real, discordo da visao que tem do processo de Bolonha.
Na realidade deveria falar que a aplicaçao no caso português foi mais comercial, mas permite de facto uma mobilidade a nível europeu real, nao só a nível dos estudos, como também na procura de emprego.
Mais, poder-se-ia ainda ir mais longe ao afirmar que os gabinetes de "futuro" (empregabilidade e mobilidade) das universidades portuguesas escondem de quem as frequenta muitas das alternativas. É sobejamente conhecido o Programa Erasmus, mas graças ao "mouth-to-mouth" de alunos e alguns docentes envolvidos.
Retornando ao caso português, andou-se vários anos a discutir nomes para depois se fazerem coisas atabalhoadas e à pressa, daí se poder dizer que hoje se é licenciado em três anos e mestre em cinco.
Na realidade, nao é isso que se passa! Se atentarmos aos documentos (conferência de Bolonha e de Bergen, a título de exemplo) verificamos que as competências inerentes ao primeiro e segundo ciclo de Bolonha, correspondem ao que em Portugal se chamava de Bacharelato e Licenciatura respectivamente. Neste aspecto é que começa a apropriaçao comercial por parte das Universidades, afinal foram logo prometidas propinas de mestre para os anos de mestrado. Ver por exemplo as propinas que se cobram na Faculdade de Farmácia de Lisboa por aqueles dois anitos...
Quanto às qualificaçoes, nos cursos com que estou familiarizado, houve um decréscimo acentuado. A tentativa de aproveitamento dos futuros mestres como mao de obra mais-que-escrava (aos escravos nao lhes era pedido para pagarem para trabalhar e por entre maos tratos sempre se lhes atirava uma codeazita para comerem) fez reduzir drasticamente a qualificaçao de quem sai. Seja mestre ou bacharel (em bom português: a designaçao que desapareceu foi a de licenciado e nao a de bacharel).
Caro R.B. NorTØr,
Numa nota telegráfrica, entendo que a questão central no Processo de Bolonha remete para a questão do financiamento público do ensino superior nos diferentes países (nítida, sobretudo, como nota, na introdução de propinas nos 2º ciclos). Os aspectos positivos que refere, empregabilidade (decorrentes das "proximidades curriculares", mobilidade dos estudantes, que me parecem importantes, poderiam ser conseguidas sem o que foi feito ao abrigo do Processo de Bolonha.
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