sábado, 7 de agosto de 2010

IMPUNIDADE, NADA DE NOVO

Com a violência doméstica tragicamente na agenda, o Público apresenta hoje um trabalho importante sobre a questão. Em 1ª página e, presumo, explorando o efeito surpresa, afirma-se que “SÓ” 59 pessoas cumprem pena de prisão em Portugal por violência doméstica. Para termos de comparação sabemos que em 2009 foram efectuadas 30543 participações.
Considerando as várias abordagens apresentadas, parece assumir-se que resulta uma espécie de fatalidade face à tolerância do crime de violência doméstica, à dificuldade de prova, ao sistema de valores e situação de dependência emocional e económica de muitas das vítimas, à atitude conservadora de alguns juízes, etc. É ainda curiosa a referência à dificuldade de proceder à retirada do agressor do ambiente doméstico, procedendo-se à saída da vítima numa espécie de dupla violência que, aliás, também se verifica em situações de maus tratos a crianças, em que o agressor fica em casa e a criança é “expulsa”.
O quadro é dramático mas não surpreende. Um dos mais devastadores efeitos da situação da nossa justiça é a instalação de um sentimento de impunidade generalizado com consequências incalculáveis.
Este sentimento de impunidade está instalado em todas as áreas da criminalidade, não é só a violência doméstica. Atente-se em quantos casos de corrupção acabam em condenações a prisão efectiva. Atente-se no tempo e nos expedientes que os processos sofrem, acabando muitas vezes em prescrições ou em penas ridículas. Atente-se nos efeitos de algumas alterações do código penal que permitem que um indivíduo comprovadamente autor de um crime susceptível de pena de prisão, possa ser imediatamente solto e aguardar, se aguardar, o julgamento que demorará um tempo infindo enquanto se mantém em actividade.
Atente-se no comportamento despudorado de muitas das nossas lideranças políticas e partidárias com comportamentos de compadrio, tráfico de influências, distribuição de lugares pelas clientelas, etc.
De facto, lamentavelmente não percebo qual a estranheza do número residual de detidos por violência doméstica, nada de novo.

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