sábado, 26 de setembro de 2009

AS NOZES E A MEMÓRIA

Este fim-de-semana há festa no meu Alentejo, as Festas da Sra. D’ Aires. Como quase todos os anos acontece é também neste fim-de-semana que colho as nozes. No entanto, não sei bem explicar a razão, as nozes ainda não estão tão abertas como desejável pelo que, a conselho do Mestre Zé Marrafa, vão ficar mais uma semana nas árvores. Como o trabalho não falta, rapidamente se decidiu que então colheríamos alguma azeitona mais grada para pisar, costuma ficar tão boa que nem vos conto, e pela preparação da massa de pimento para temperar a carne. Foi este o programa da tarde e do serão, eu a pisar azeitonas e a minha companheira de estrada a cortar pimentos vermelho às tiras para pôr em sal.
Nem a propósito do texto que coloquei no Atenta Inquietude sobre o medo, as sociedades com medo, gostava de contar uma história que o velho Marrafa me contou à tarde estávamos ainda a falar das nozes. Dizia ele que há uns quarenta ou cinquenta anos trabalhava para um lavrador muito velhaco, naquele tempo havia muitos, sublinhou, que obrigava as moças que trabalhavam na herdade a colher as nozes sempre no dia antes de começar a festa da Sra. D’ Aires, estivessem ou não prontas para colher. Face à minha estranheza explicou que naquele tempo não se usavam luvas e que as mãos ficam tão negras e impregnadas com o óleo do invólucro das nozes que as moças tinham que ir à festa com as mãos num estado lastimoso. É verdade, não sei se já passaram pela experiência, por isso eu uso luvas de trabalho para tal tarefa. Esse mesmo lavrador para castigar os homens obrigava-os a semear cal à mão, alguns acabavam mesmo por ficar com as mãos queimadas.
É por estas e outras que me incomoda, como disse no texto Medo, a banalização da referência a sociedades com medo, à asfixia democrática, ao tempo da “outra senhora” e outros disparates produzida pelos partidos nesta campanha eleitoral, por todos. Parece não haver memória, mas o Velho Marrafa não esqueceu.

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