quarta-feira, 17 de agosto de 2016

TERRORISMO SALARIAL

Uma crónica de Bernardo Mascarenhas de Lemos no P3 do Público, “O terrorismo salarial em Portugal”, chama a atenção para uma realidade que faz parte da vida de muitos jovens, o abuso por parte dos empregadores da figura de “estágio” que acaba por não ser remunerado nem convertido em emprego.
Recordo que em Março o Secretário de Estado do Emprego afirmava em entrevista ao Público, “Não faz sentido diabolizar os estágios profissionais.”
Estamos de acordo, os estágios profissionais podem ser uma interessante e positiva porta de entrada no mercado de trabalho.
O que não pode acontecer, e acontece, é que sejam usados por alguns empregadores como acesso a mão-de-obra gratuita.
O que não pode acontecer, e acontece, é que muitos jovens sejam tentados pela miragem de um contrato de trabalho no fim do estágio profissional e o que os espera é uma mão cheia de nada.
Num cenário com desequilíbrios fortíssimos entre oferta e procura em diferentes sectores, a natureza da legislação laboral favorável à precariedade e insensibilidade social e ética de quem decide ou emprega, promovem a proletarização do mercado de trabalho mesmo em áreas especializadas e com gente altamente qualificada ou mesmo o recurso a uma forma de exploração selvagem com uma maquilhagem de "estágio" sem qualquer remuneração a não ser a esperança de vir a merecer um emprego pelo qual se luta abdicando até da dignidade.
É justamente a luta pela sobrevivência que deixa muita gente, sobretudo jovens sem subsídio de desemprego e à entrada no mundo do trabalho, sem margem negocial, altamente fragilizadas e vulneráveis, que entre o nada e a migalha "escolhem” a "migalha", ou mesmo uma remota hipótese de um emprego no fim de período de um indigno trabalho gratuito. Como é evidente esta dramática situação vai de mansinho alargando e numa espécie de tsunami vai esmagando novos grupos sociais e famílias.
É um desastre. Grave e dramático é que as pessoas são "obrigadas" a aceitar. Os mercados sabem disso, as pessoas são activos descartáveis.
Torna-se, pois, imprescindível uma regulação efectiva do mercado de trabalho, uma política de emprego e legislativa que combata a precariedade.
Uma política de emprego que promova, de facto, emprego, e não formas criativas de mascarar estatísticas.
O acesso a um emprego com um mínimo de estabilidade é uma peça imprescindível à construção de um projecto de vida. Há gente a viver vidas precárias sem qualquer expectativa de deixar de as ter.
É essa, também, a responsabilidades das políticas. Criarem, no que lhes compete, as condições para que os cidadãos possam construir projectos de vida viáveis e positivos.

Como muitas vezes afirmo e muitos estudos sugerem, o inverno demográfico que atravessamos com uma preocupante baixa natalidade está fortemente associada à dificuldade de muitos jovens construírem e sustentarem projectos de vida em que caibam os filhos.

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