Uma crónica de Bernardo
Mascarenhas de Lemos no P3 do Público, “O terrorismo salarial em Portugal”,
chama a atenção para uma realidade que faz parte da vida de muitos jovens, o
abuso por parte dos empregadores da figura de “estágio” que acaba por não ser
remunerado nem convertido em emprego.
Recordo que em Março o Secretário
de Estado do Emprego afirmava em entrevista ao Público, “Não faz sentido diabolizar os estágios profissionais.”
Estamos de acordo, os estágios
profissionais podem ser uma interessante e positiva porta de entrada no mercado
de trabalho.
O que não pode acontecer, e
acontece, é que sejam usados por alguns empregadores como acesso a mão-de-obra
gratuita.
O que não pode acontecer, e
acontece, é que muitos jovens sejam tentados pela miragem de um contrato de
trabalho no fim do estágio profissional e o que os espera é uma mão cheia de
nada.
Num cenário com desequilíbrios
fortíssimos entre oferta e procura em diferentes sectores, a natureza da
legislação laboral favorável à precariedade e insensibilidade social e ética de
quem decide ou emprega, promovem a proletarização do mercado de trabalho mesmo
em áreas especializadas e com gente altamente qualificada ou mesmo o recurso a
uma forma de exploração selvagem com uma maquilhagem de "estágio" sem
qualquer remuneração a não ser a esperança de vir a merecer um emprego pelo
qual se luta abdicando até da dignidade.
É justamente a luta pela
sobrevivência que deixa muita gente, sobretudo jovens sem subsídio de
desemprego e à entrada no mundo do trabalho, sem margem negocial, altamente
fragilizadas e vulneráveis, que entre o nada e a migalha "escolhem” a
"migalha", ou mesmo uma remota hipótese de um emprego no fim de
período de um indigno trabalho gratuito. Como é evidente esta dramática situação
vai de mansinho alargando e numa espécie de tsunami
vai esmagando novos grupos sociais e famílias.
É um desastre. Grave e dramático
é que as pessoas são "obrigadas" a aceitar. Os mercados sabem disso,
as pessoas são activos descartáveis.
Torna-se, pois, imprescindível
uma regulação efectiva do mercado de trabalho, uma política de emprego e
legislativa que combata a precariedade.
Uma política de emprego que
promova, de facto, emprego, e não formas criativas de mascarar estatísticas.
O acesso a um emprego com um
mínimo de estabilidade é uma peça imprescindível à construção de um projecto de
vida. Há gente a viver vidas precárias sem qualquer expectativa de deixar de as
ter.
É essa, também, a
responsabilidades das políticas. Criarem, no que lhes compete, as condições para
que os cidadãos possam construir projectos de vida viáveis e positivos.
Como muitas vezes afirmo e muitos
estudos sugerem, o inverno demográfico que atravessamos com uma preocupante
baixa natalidade está fortemente associada à dificuldade de muitos jovens
construírem e sustentarem projectos de vida em que caibam os filhos.
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