Como resposta a um artigo que David Justino assinando como Vice-presidente do PSD colocou no Público,Domingos Fernandes tem hoje
também no Público um texto que justifica leitura “As políticas educativas não são neutras: a propósito de um texto de David Justino”.
Na verdade, acho sempre
tremendamente interessante a discussão em torno das questões ideológicas
designadamente no universo da educação. Como questiona Domingos Fernandes “há
políticas públicas de educação neutras, asséticas, sem quaisquer visões acerca
da vida social, da educação e das escolas?”. Não, é evidente que não existem.
Aliás, é minha convicção que o académico David Justino talvez não escrevesse o
que o vice-presidente do PSD, David Justino escreveu.
Já me aconteceu ao defender, por
exemplo, os princípios de educação inclusiva ser “acusado” de produzir um
discurso ideológico. Muito provavelmente os meus interlocutores esperariam que
me procurasse “defender” através da evidência científica. No entanto a minha
resposta foi qualquer coisa como “ainda bem que perceberam, o meu discurso foi
claro, corresponde a uma visão de sociedade e, de educação e de escola. Agora
vamos à evidência científica que a sustenta". Creio que ficámos na mesma, cada
qual com a sua visão ideológica.
Acontece ainda que, com
frequência se confunde ideologia com partidarismo. Como já afirmei, tenho uma
visão ideológica o mundo que me rodeia mas não consigo encaixar-me numa visão
partidária o que, naturalmente, será uma limitação da minha parte.
A verdade é que já cansa a forma habilidosa
como muitas questões são abordadas em função da “ideologia”.
Boa parte das pessoas que
contestam uma visão ideológica entende que o que defendem não tem carga
ideológica, é asséptico, sendo que as ideias contrárias, essas sim, são
sustentadas pela ideologia e devem ser combatidas.
Por vezes gostam de afirmar que
são pragmáticos e apenas consideram a realidade, o que defendem não tem nada a
ver com ideologia, mesmo quando, por exemplo, empunham um bandeira cheia de
equívocos a que chamam “liberdade de educação”.
Consideremos de forma breve
alguns aspectos.
Quem desmantela o Estado Social é
pragmático quem o defende com equilíbrio e sem desperdício é por ideologia.
Quem desinveste na educação e na
escola públicas, investe no ensino privado é por pragmatismo. Quem defende a
educação e escola pública e a necessária existência de ensino privado regulado
mas não financiado indevidamente pelo Estado é por ideologia.
Quem defende uma escola
selectiva, competitiva e não inclusiva é por pragmatismo. Quem defende equidade
e inclusão como objectivos civilizacionais é por ideologia.
Quem defende o empobrecimento
“custe o que custar” é por pragmatismo. Quem entende que pobreza e exclusão não
fomentam desenvolvimento é por ideologia.
Quem defende os apoios sem fim
dos contribuintes ao sistema bancário fragilizado por administrações
incompetentes ou delinquentes é por pragmatismo. Quem entende que não pode ser
sempre o cidadão a pagar uma factura de que não é responsável é por ideologia.
Quem alimenta e se alimenta de um
sistema de justiça fraco com os fortes e forte com os fracos é por pragmatismo.
Quem entende que assim não deve ser é por ideologia.
Quem entende que tudo ou quase
deve ser privatizado é por pragmatismo. Quem defende a presença do Estado em
sectores essenciais para o bem-estar das populações é por ideologia.
Quem …
Na área que melhor conheço, a
educação, tantas vezes me confronto com este modelo. Tantos interlocutores me
dizem com a maior tranquilidade que quando os estudos ou a experiência não vão
ao encontro das suas ideias, certas e pragmáticas, os estudos são mal feios e
contaminados pela ideologia ou que a experiência não serve de argumento. Quando
discordo, o meu discurso é ideológico e o do interlocutor é correcto, asséptico
do ponto de vista ideológico, obviamente, suportado com a evidência científica
que ao meu é negado porque os estudos … são ideológicos. Sim, como disse, o que
penso tem uma carga ideológica, é assim que entendo o mundo.
Na verdade, não acredito em
visões de sociedade sem arquitectura ideológica. Isso não existe, só por
desonestidade intelectual se pode afirmar tal.
Há décadas que não tenho qualquer
espécie de filiação partidária, não me orgulho nem me queixo, é assim que
penso. Mas tenho posições que são de natureza ideológica sobre o que me rodeia
e o que respeita à vida da gente. Não as entendo como únicas, imutáveis ou
exclusivas, aliás, gosto mais de discutir e aprender com alguém que também
assim se posiciona, sem manha, sem a falsidade do “não tenho ideologia” como se
isso fosse uma fonte de autoridade.
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