No Público surge um trabalho
interessante sobre a escola e a forma como os adolescentes a vêm e como
gostariam que ela fosse.
Parece-me importante ouvir os
alunos sobre a escola e a percepção que dela têm e que mudanças lhes parecem
razoáveis.
A este propósito, a escola que
queremos, considerando que hoje passam 42 anos daquele Abril deixem-me falar da
escola que tínhamos e que creio que muita gente esquece, quem a conheceu, ou
desconhece, os mais novos.
A escola do meu tempo era o tempo dos anos cinquenta e sessenta.
Não me esqueço, antes pelo
contrário, que a nossa educação, a escola, como tudo o resto, tem atravessado um
período complicado e com problemas muito sérios, mas só a falta de memória ou o
desconhecimento podem sustentar algo que sempre me incomoda ouvir, “antigamente
era melhor”. Vejamos, pois, um pouco da escola do meu tempo, conversa de velho,
já se vê.
A escola que havia lá para trás
no tempo não era grande, nem pequena, era triste. A maioria das pessoas que por
lá andavam era, naturalmente, triste.
As pessoas que mandavam na escola
estabeleciam o que toda a gente tinha de aprender, fazer, dizer e pensar. Quem
pensasse, dissesse ou fizesse diferente podia até sofrer algum castigo, mesmo
os professores, não eram só os alunos. Não se podia inventar histórias, as
pessoas contavam só histórias já inventadas. Às vezes, os miúdos e os
professores, às escondidas, inventavam histórias novas.
Eu andei nesta escola lá para
trás no tempo.
E na escola do meu tempo nem
todos lá entravam e muitos dos que o conseguiam saíam ao fim de pouco tempo,
ficando com a segunda ou terceira classe, como então se chamava. Chegava.
E na escola do meu tempo não
cabiam crianças com necessidades especiais. Precisavam de assistência, não de
educação.
E na escola do meu tempo os
rapazes estavam separados das raparigas.
E na escola do meu tempo havia um
só livro e toda a gente aprendia apenas o que aquele livro trazia.
E na escola do meu tempo
levavam-se muitas reguadas, basicamente por dois motivos, por tudo e por nada.
E na escola do meu tempo
ensinavam-nos a ser pequeninos, acríticos e a não discutir, o que quer que
fosse.
E na escola do meu tempo eu era
“obrigado” a ter catequese, religiosa e política.
E na escola do meu tempo
aprendia-se que os homens trabalham fora de casa e as mulheres cuidam do lar e
dos filhos.
E na escola do meu tempo não
aprender não era um problema, quem não “tinha jeito para a escola, ia para o
campo”.
E na escola do meu tempo não se
falava do lado de fora de Portugal. Do lado de dentro só se falava do Portugal
cinzento e pequenino. Na escola do meu tempo eu era avisado em casa para não
falar de certas coisas na escola, era perigoso.
Quem mandava no país achava que
muita escola não fazia bem às pessoas, só a algumas. Ao meu pai perguntaram
porque me tinha posto a estudar depois da quarta classe, não era frequente
naquele meio, para ser serralheiro como ele não precisava de estudar mais.
Sim, eu sei, não precisam de me
dizer que a escola deste tempo tem muitas coisas de que não gostamos e até
algumas parecidas com a escola do meu tempo, a incapacidade de gerar mobilidade
social mais significativa ou fazê-la chegar, de facto, a todos e com qualidade,
por exemplo. Mas o caminho é melhorar a escola deste tempo não é, não pode ser,
querer a escola do meu tempo.
Eu andei naquela escola lá para
trás no tempo.
Por isso, quando falam da escola
hoje, penso, nunca mais voltarei a andar naquela escola.
E não quero que os meus netos e
os outros miúdos andem numa escola como aquela, a minha escola, lá para trás no
tempo.
2 comentários:
De velho para "velho", tem razão, meu velho!
Sigo o que que escreve e concordo com (quase) tudo.
È bom não esquecer, por vezes, como diria o outro "há muita fraca memória".
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