sábado, 31 de outubro de 2009

O PÂNTANO, D. SEBASTIÃO E O PARADOXO

Três notas emergentes da leitura apressada da imprensa de hoje.
Primeiro o pântano, o passado não nos leva a ter grande esperança excessiva na eficácia do combate à corrupção e na efectiva vontade política de que isso aconteça, lembrem-se da decisão política relativa às propostas do Eng. João Cravinho, no entanto, a Face Oculta, uma das muitas na sociedade portuguesa, tem o mérito de mostrar como a corrupção em Portugal se desenvolve à vara larga, como se diz na minha terra e sem segundas leituras. Se isto vai dar alguma coisa é outra história, faz parte do pântano.
No PSD começa à vista, porque em surdina já há muito que se tinha desencadeado, a contagem de espingardas. Parece que Passos Coelho, um nada que quer ser tudo, estará a assustar as elites que se voltam para o D. Sebastião, perdão para o Professor e conhecido entertainer político que dá pelo nome de Marcelo. O Professor que estará mais virado para salvar a pátria em Belém do que para salvar o PSD na Lapa, embora seja visto como um D. Sebastião, sentir-se-á mais provavelmente como Martim Moniz, isto é entalado. De facto, ter que liderar o saco de gatos em que se transformou o PSD deve ser obra e o Professor não é parvo, já por lá andou. Vamos a ver se resiste ao empurrão para a liderança do PSD.
O I noticia que existem cerca de 110 000 casas novas por vender e desocupadas, algumas há anos, e a degradarem-se a cada dia que passa. Por outro lado, existem milhares de famílias a precisar de uma casa decente. Tal paradoxo, fruto das erradas políticas de habitação e urbanismo que estrangularam o mercado de arrendamento de que se não vislumbra a reanimação, da crise financeira que restringe o acesso ao crédito das classes média e média baixa, as casas de preço mais elevado continuam a vender-se, da crise económica inibidora de investimentos nas famílias e de uma baixa diferenciação na oferta, casas recuperadas, casas pensadas para gente jovem ou sénior, etc., parece de difícil alteração. Creio que se tornaria necessário repensar todo o universo da habitação e as autarquias deveriam ter um papel fundamental nesta alteração, mas até tenho medo de falar nas autarquias, corro o risco de voltar ao pântano.

BOCAS DESENVOLVIDAS

Apesar de não estar particularmente atento e, portanto, não ter registado todo o anúncio, apanhei o essencial que me deixou pasmado. A Chicco, empresa fabricante de artigos para o mundo dos bebés e das crianças, apresentava uma chupeta que promove o desenvolvimento da boca, isso mesmo, o desenvolvimento da boca, seja lá isso o que for.
É evidente que tudo na nossa vida se constitui em alvo de mercado, para tudo consumimos qualquer coisa. Também é verdade que a publicidade é criativa, é manipuladora das nossas motivações, é sedutora indo de encontro aos nossos sonhos, é dissimulada na forma como nos cativa e induz no consumo de qualquer coisa, necessária ou não. E neste quadro a publicidade, os seus meios e discursos são de uma latitude sem limites, quase, não estou, como é óbvio, a falar dos limites legais.
Acho fantástica a ideia de uma chupeta que promove o desenvolvimento da boca, mas ainda não consegui perceber. Tenho que consultar uns amigos pediatras, mas estou a tentar imaginar bocas desenvolvidas, como serão? Como se terão desenvolvido as nossas bocas sem a chupeta Chicco? Bom, daqui uns anos sempre se poderá falar da primeira geração de bocas Chicco. Então, com um mundo de bocas desenvolvidas, estas tornar-se-ão mais valiosas. Acabaram-se as bocas sub-desenvolvidas, foleiras, anémicas, feias. Corram pais, adquiram a chupeta Chicco, cuidem do desenvolvimento das bocas dos vossos filhos, eles vão precisar de bocas desenvolvidas.
Só falta o remake do velho slogan “Palavras para quê, é uma boca Chicco”.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A GENIALIDADE PÓS-MINISTERIAL

Peço desde já desculpa pela prosa deselegante, certamente ignorante e arrogante, que se segue mas a paciência é finita. Hoje revelou-se mais um caso do que chamo a síndrome de Genialidade Pós-ministerial, o afectado foi o Professor Ernâni Lopes, Ministro das Finanças e do Plano no IX Governo Constitucional e catedrático de economia. Vinha a caminho do meu Alentejo e pelo rádio do carro oiço uma notícia registando o lançamento do seu livro “Economia no futuro de Portugal” e são apresentados excertos de uma intervenção do autor arrasando as políticas sectoriais seguidas em Portugal, traçando um quadro negríssimo da situação e pouco animador para o futuro.
Devo confessar que ando um pouco baralhado, por educação e cultura habituei-me a considerar que os especialistas de uma determinada área sabem sobre essa área. A imprevista crise económica, a falência dos modelos que têm vindo a ser seguidos em termos económico-financeiros abalaram a minha confiança nos especialistas em economia e finanças mas também não sei em quem confiar. Será que é de confiar o futuro da economia aos economistas?
Voltando a apresentação do livro, o repórter de serviço enuncia o que o Senhor Professor prescreve como necessário para o futuro. É extraordinário esta síndrome de Genialidade Pós-Ministerial, uma pessoa foi ministro de uma determinada área, deu o seu contributo para a situação que atravessamos, a história não se apaga, deixa as funções ministeriais e então sabe sempre, sem sombra de dúvida, o que deve ser feito. Reparem na quantidade de ex-ministros afectados por este quadro clínico.
Em síntese e de acordo com a notícia, o Professor Ernâni Lopes defende a necessidade golbal de aumento do PIB e mais particularmentes de aumentar a produtividade, reduzir o défice, aumentar as exportações, foi dito assim. Devo dizer que fiquei espantado com a análise, o seu carácter inovador e inesperado.
Talvez a notícia não tenha sido bem construída e como não li o livro o Professor tenha mais do que isto a sugerir. Mas lá que me irrita, irrita.

A MORTE VENDE, O PUDOR E A ÉTICA NÃO

Ontem no Telejornal das 20h a RTP1, como todas as outras estações seguramente, dedicou um tempo significativo à tragédia da morte de uma criança atingida pelo vírus da gripe A. Até aqui nada de estranho, a tragédia é notícia. O que me deixou profundamente incomodado e perplexo foram alguns dos conteúdos apresentados. A jornalista entendeu por bem entrevistar crianças de 10 anos colegas do Adriano, a criança que faleceu, sobre a gripe A, sobre o Adriano e sobre as decisões dos respectivos pais sobre a sua vinda, ou não, para a escola o que resultou numa cena inconcebível. Mas cabe na cabeça de alguém, entrevistar crianças de 10 anos sobre a morte de um colega e sobre como lidar com a gripe A na mesma altura?
A jornalista resolve também registar as opiniões dos pais presentes que de forma mais desinformada e histérica uns, mais ponderados outros, peroravam sobre se a escola deveria estar aberta ou fechada com discursos de impressão e não de informação. A jornalista poderia perceber que neste tipo de situações, mais ruído e confusão só aumentam a ansiedade e angústia e não se promove informação e serenidade. Parece natural que oiça pais, a direcção da escola e, obviamente, os especialistas mas o objectivo é informar e serenar não amplificar a angústia e falta de informação.
Sabe-se que a morte vende mas o pudor, a ética e a inteligência deveriam estabelecer alguns limites.

O MIÚDO QUE GOSTAVA DO CASTIGO

Um dia destes a professora Paula entrou na biblioteca para apanhar uns livros com que preparar as aulas e encontrou o Professor Velho, o que já não dá aulas, está na biblioteca e fala com os livros.
Olá Paula, tudo bem contigo?
Tudo bem Velho, de volta da preparação das aulas. Dizem que a gente trabalha pouco mas nem sabem o que a gente faz.
Sempre assim foi. Mas como é óbvio também acham que a escola é fundamental para os miúdos e somo nós que fazemos a escola, ou seja, dizem mal de nós e entregam-nos os filhos, ou não gostam dos filhos ou, no fundo, sabem que não somos maus, só uns pouquinhos que também nos fazem mal a nós.
Tens razão Velho. Já que te encontro pergunto-te o que achas desta situação. Julgo que sabes, decidimos que aos alunos que se portarem mal damos um castigo, ficam mais tempo na escola acompanhados de um professor. No outro dia fiquei com o Filipe, tu conheces o Filipe, porque se portou mal e foi castigado. Passados alguns dias, ao intervalo, perguntou-me se podia ir para o castigo. Eu não respondi, achei que ele estava a gozar e fiquei a pensar sem entender muito bem. Que achas Velho?
Que sabes da vida do Filipe?
É complicada, a mãe nunca está em casa e o pai só lhe liga quando lhe bate. Os irmãos, são mais velhos, não se dão muito com ele e passa o tempo só.
Que fizeste com ele no castigo?
Fez o TPC, como não era muita coisa e eu tinha algum tempo ficámos de conversa um bom bocado.
E não estás a perceber porque é que ele te pergunta se pode ir para o castigo?
Claro Velho, conversar, como é que não percebi logo.
Sabes o que é mais curioso e estranho nesta situação? É dar-se como castigo a um miúdo algo de que ele precisa para ser gente.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A NORMALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA

O bullying em contexto escolar é tão antigo quanto a instituição escolar, sendo certo, no entanto, que a designação é recente e o estudo do fenómeno também. Actualmente, é também mais objecto de referências fora dos contextos educativos pois o volume e a gravidade de algumas situações, bem como a divulgação dos estudos e alguma mediatização verificada, colocaram este problema na agenda.
Em mais um estudo constata-se que os adolescentes tendem encarar a violência entre si como normal. Creio que é inquietante mas não pode ser surpreendente. A escola, desde sempre, espelha as realidades sociais e o quadro de valores prevalecente nos contextos que serve. A sociedade da informação e os sistemas de valores actuais banalizaram a violência, não são os adolescentes que a banalizaram. A violência é objecto de jogos de vídeo e computadores, é passatempo de claques e grupos, entra a qualquer hora pelas nossas casas dentro. Estarão eventualmente recordados de que num estudo recente entre jovens namorados alunos do ensino superior se constatou, ao que parece com surpresa, um nível altíssimo de violência na relação.
Por outro lado, a escola, por ser o espaço onde os adolescentes passam a maior parte do seu tempo é, naturalmente, o espaço onde emergem e se tornam visíveis os problemas e inquietações que os alunos carregam. No entanto, não é possível considerar-se que a escola é mágica e omnipotente pelo que tudo resolverá. Tudo pode envolver a escola, mas nem tudo é da exclusiva responsabilidade da escola.
Apesar disso, creio que na escola, para além de muitíssimos outros aspectos, a violência entre jovens é um fenómeno complexo, existem duas questões que me parecem essenciais e contributivas para lidar com a situação. Em primeiro lugar é importante criar nos alunos vitimizados a convicção de que se podem queixar e denunciar as situações. Os directores de turma, figura central nas escolas mas com um papel muitas vezes negligenciado, teriam aqui um trabalho fundamental, podem definir-se canais e dispositivos de apoio que garantam a protecção da vítima pois o medo de represálias é o principal motivo da não apresentação da queixa e ainda detectar junto dos seus alunos sinais que indiciem vitimização. Em segundo lugar, é preciso contrariar no limite do possível a ideia de impunidade, de que não acontece nada ao agressor. As escolas podem assumir atitudes, discursos e montar dispositivos que, visivelmente, dêem aos alunos um sinal de que não existe tolerância para determinados comportamentos.
A violência e o bullying entre adolescentes em contextos escolares não serão, provavelmente, eliminados, mas poderão, acredito, ser minimizados, mas não só pela actuação da escola.

AS FACES OCULTAS

Durante muito tempo a referência à face oculta remetia para o mistério poético que se esconderia no lado não visível da lua.
Sinais dos tempos, a face oculta deslocou-se para a terra e, naturalmente, também para a nossa. Temos vindo a transformar-nos num país de faces ocultas.
Ocultam-se os dados reais sobre problemas e dificuldades, pobreza e desemprego por exemplo, de modo a criar uma ilusória realidade mais simpática.
É conhecido o nível altíssimo, embora oculto, de corrupção e fraude em vários patamares e áreas de funcionamento da nossa sociedade. Temos bons exemplos no âmbito autárquico e no mundo económico com a operação em curso, envolvendo altos quadros empresariais e o que se passou recentemente na banca.
Temos uma face oculta na justiça, hoje o I noticia que reputados penalistas arrasam a condenação de Isaltino Morais, pensei que afinal o homem estaria inocente mas não, os reputados penalistas, certamente pagos à altura da sua reputação, apenas tentam provar que os crimes já prescreveram e que se registaram erros processuais. Do meu ponto de vista, estas frequentes práticas mostram uma das faces ocultas da justiça, a manhosice acessível a quem tem dinheiro para a pagar.
Não têm faltado também faces ocultas na nossa vida política, o domínio dos aparelhos e a compra das consciências e dos apoios. Como entender que a mesma pessoa, Santos Silva, possa ocupar quatro pastas ministeriais? Certamente não será por competência técnica, ninguém sabe tanto de áreas tão próximas como defesa e educação. Na mesma linha, só na face oculta da vida política se perceberá como um incompetente Secretário de Estado na Educação, Valter Lemos, área de onde até provinha profissionalmente, transite para Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional.
Urge a reconstrução de uma ideia de cidadania que combata, denunciando e resistindo, as faces ocultas deste mundo, o nosso.

O PRINCÍPIO DE AVOGADRO

É um título um pouco estranho neste blogue mas faz parte de uma história pessoal que não resisto a partilhar convosco, cerca de quarenta anos depois da sua ocorrência.
Não é assim coisa de que me orgulhe mas a minha carreira de estudante foi mais iluminada pelo mau comportamento do que pelo excelência dos resultados escolares. Em certo ano, lá pelo sexto ou sétimo do liceu, ao deambular pelo livros de físico-química, a ganhar balanço e vontade para estudar, dou de caras no fim do livro com uma nota curricular do físico italiano Avogadro que incluía um selo italiano comemorativo que continha o enunciado do seu princípio, matéria que fazia parte do programa. Vislumbrei naquele selo uma janela de oportunidade, como agora se diria, e dei-me ao trabalho de, com uma lupa, ler e fixar o Princípio de Avogadro em italiano.
Como a sorte protege os audazes, a oportunidade surgiu e em grande. Na aula de Física a Setôra Trincão, como ainda hoje me sinto embaraçado do meu comportamento nestas aulas, chamou-me ao quadro, as famosas chamadas orais. E estou a ver ainda a cena ao pormenor. Eu junto ao quadro e a Setôra a levantar-se da secretária enquanto me perguntava, adivinhem … isso mesmo, o Princípio de Avogadro, sem a menor convicção no meu conhecimento, como era hábito.
E eu com uma segurança e um domínio total da adrenalina surpreendo o mundo com o Princípio de Avogadro expresso num perfeito (quase) italiano. A Setôra nem chegou a acabar de se levantar, sentou-se com uma cara de espanto que ainda retenho e a turma reconheceu a minha actuação com um estrondoso aplauso, o primeiro e último que recebi por desempenho escolar em rapaz.
Donde se prova e recordo-o de vez em quando, que até um indisciplinado aluno é capaz de aprender. De tal maneira que ainda hoje sei o Princípio de Avogadro, “Volumi eguali di gas nelle stesse condizione di pressione e di temperatura contengono lo stesso numero de molecule”.
Desculpe Setôra Trincão, lá onde quer que esteja.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

VELHOS SÃO OS TRAPOS

Manda a agenda das consciências que hoje pensemos na Terceira Idade. Com a simpática e generosa ideia de aliviar a sensação de chegar a velho, é frequente utilizar a expressão “velhos são os trapos” não as pessoas. Era interessante que assim fosse mas não, as pessoas ficam velhas, matéria a que sou cada vez mais sensível vá lá saber-se porquê, e por vezes não é fácil. Pode ser bonito ser velho mas para muitos velhos, seniores, idosos, gente de terceira idade, o que quiserem, a velhice pode ser um pesadelo. Pensões e reformas baixíssimas que produzem situações de fome ainda ontem denunciadas pela DECO, abandono e isolamento pelas família ou por ausência de família, maus-tratos e exploração no interior das famílias ou em “lares”, um eufemismo para instituições, algumas, em que as pessoas estão emprateleiradas e entregues à espera do nada, cuidados de saúde inacessíveis e demorados, são apenas alguns dos problemas que podem esperar a terceira idade, os velhos como eu prefiro. Mas este quadro não tem que ser uma fatalidade, depende da comunidade e das políticas que não seja esta a realidade que espera muitos de nós.
Mas como nem tudo tem que ser negro, gostava de vos recordar um texto, "O Brinquedo preferido”, uma história com velho dentro que em tempos deixei aqui no Atenta Inquietude.

De há uns tempos para cá apareceu uma moda naquela terra que “impede”as pessoas de falarem em brincar nas escolas da terra, é proibido brincar nas escolas. A moda foi fabricada por uma gente ignorante de miúdos, obcecada com trabalho e produtividade, mesmo infantil, uns infelizes neo-liberais. Mas ainda existem uns professores, muitos, naquela terra que não se deixam enganar, sabem ler os miúdos e percebem que eles aprendem porque também brincam e brincam porque também aprendem. Aliás, brincar e aprender são as coisas mais sérias que os miúdos fazem, sorte a deles, a de alguns.
Um dia, um desses professores lembrou-se, que sacrilégio, de dizer aos seus alunos para trazerem para a escola o seu brinquedo preferido. A Maria trouxe uma boneca. O João apareceu com a playstation nova. A Sara vinha vaidosa com umas bonecas que o pai tinha trazido do estrangeiro. A Irina trazia o Noddy. O Carlos vinha com uns olhos quase tão grandes como a bola de futebol que trazia debaixo do braço. O David, sempre pronto para as lutas, trazia uns bonecos lutadores de wrestling. A Joana não ligava a ninguém com o seu mp3 cheio das músicas de que gosta. Enfim, por um dia, toda gente veio para a escola com um brinquedo, o seu preferido. O último a chegar foi o Manel.
Feliz e sorridente entrou na sala de aula com o avô pela mão.

A URGÊNCIA DE UM MODELO

Como seria de esperar face ao passado recente a avaliação de professores será o primeiro grande teste a um governo de minoria que precisa de entendimentos parlamentares. Claro que a questão da avaliação não pode ser desligada do Estatuto de Carreira, sobretudo no que toca à disparatada divisão entre titulares e outros. Neste quadro os actores envolvidos, partidos, governo, sindicatos, etc., ocupam os respectivos lugares na grelha de partida procurando a melhor posição possível no sentido de capitalizarem os resultados sejam eles quais forem, “é a política estúpido”. Sendo evidente o mau resultado da política seguida torna-se portanto necessária a alteração.
O que me parece de sublinhar é imprescindível e urgente necessidade de um entendimento breve nesta matéria. O prolongamento da discussão mantendo-a envolvida nos interesses político-partidários, conjugado com o que já se passou até aqui, tem como consequência dois aspectos que merecem atenção.
Em primeiro lugar e mais evidente, o arrastar do clima de crispação e diferentes entendimentos por parte de escolas e professores e a ausência de uma forma consistente de avaliar os docentes que se constitui como uma ferramenta indispensável à qualidade do sistema educativo.
Em segundo lugar e raramente abordado é o impacto que este clima tem na opinião pública que, fruto do passado recente e independentemente das responsabilidades, toca a todos, construiu uma imagem pouco favorável à classe docente. Ora se existe dimensão imprescindível é a confiança e imagem positiva da população dirigida a quem educa os s seus filhos, a quem é responsável pela construção do futuro.
Não é possível prolongar por muito mais tempo esta situação. Recordo-me da mítica expressão, própria do meu Alentejo, patente na Barragem do Alqueva, “Construam o modelo porra”.

A HISTÓRIA DO CROMO

Era uma vez um homem chamado Cromo. Nome estranho este, parecia indiciador de um destino que o homem quis cumprir. Desde pequeno, logo na escola tentou destacar-se em alguma actividade sem resultados significativos. Aliás saiu cedo da escola e sem grande brilho. Os colegas achavam que o Cromo tinha algum jeito para o futebol a que se dedicava de alma e coração com aqueles sonhos que povoam a cabeça de todos os miúdos, jogar num estádio cheio e aparecer na capa de um jornal desportivo.
Com os sonhos na mochila foi percorrendo os vários escalões na equipa lá da sua terra.
Um dia teve sorte, até os Cromos precisam de sorte que, como sabem, é um bem escasso e um olheiro, uma daquelas pessoas que ao serviço de clubes maiores andam a observar jogadores, reparou nele. Entre parêntesis, devo dizer que acho olheiro um nome bonito, alguém que olha para querer ver. Como ia dizendo, o Cromo recebeu um convite para ir fazer uns treinos num clube daqueles que disputam o campeonato mais importante.
Na noite anterior ao primeiro treino o Cromo nem dormiu, chegou nervoso como nunca se tinha sentido, mas com a ajuda dos companheiros a coisa correu bem e assinou um contrato de profissional.
Ficou algum tempo nesse clube com uma carreira modesta, sem brilho particular e sem ser capa de jornal. O Cromo era um daqueles jogadores discretos diluídos na equipa. Acabou por sair e terminar onde tinha começado, no clube da sua terra.
Apesar de tudo o Cromo cumpriu o seu destino. Ocupa um lugar na página 16 de uma caderneta de cromos que o seu filho tem sempre aberta e que passa o tempo a mostrar aos amigos com um brilho enorme nuns olhos grandes, “Este Cromo é o meu pai”.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

NÃO É VERDADE, NÃO EXISTE FOME EM PORTUGAL

Parece estranho, fome em Portugal, deve ser engano, nós jogamos no clube dos ricos, estamos na União Europeia e na OCDE. Fazemos montes de auto-estradas e rotundas em tudo quanto é cruzamento. Temos estádios de futebol às moscas e a custarem milhares de euros mensais em manutenção. Queremos um TGV para andar mais depressa cá dentro e para a Europa. Não podemos perder o comboio do progresso, Temos telemóveis a dar com um pau. Temos níveis de desperdício que são impensáveis. Claro que também temos pobres. Na verdade todos os países têm pobres, até teremos mais que os 18% oficiais como bem lembrava quem conhece o mundo, o Dr. Fernando Nobre, da AMI. Mas aos pobres já estamos habituados, aliás se assim não fosse o país tentaria atenuar o fosso que existe entre os afortunados e os descamisados. Bom, mas fome é algo para que não estamos preparados. Isso é coisa lá mais para os países africanos, coitados que sofrem tanto e que quando vemos aquelas misérias nos telejornais à hora do jantar até ficamos embaraçados. A culpa é dos governos desses países que não ligam ao povo e às suas necessidades.
Não, deve haver engano, a DECO deve ter-se equivocado, não pode ser. Afirmam que existem velhos sem dinheiro para comprar alimentos. Enganaram-se. Em Portugal não existem pessoas a passar fome. Portugal é um país decente, de gente boa e preocupada com o seu semelhante. Ainda por cima os mais velhos, gente que passou uma vida a trabalhar e agora como prémio teriam a fome.
Não, não é verdade, não há fome em Portugal. Digo eu para ver se logo consigo dormir.

CONFLITOS

Um interessante estudo da consultora Convirgente conclui que em Portugal as empresas perderão cerca de mil milhões de euros por ano devido a conflitos resultantes das relações interpessoais. Alguns empresários julgam que os números pecarão por defeito.
Os portugueses gastarão cerca de 1,58 h por semana a ouvir desabafos dos colegas, a discutir e a servir de mediadores em conflitos. Os conflitos resultam sobretudo de “choque de personalidades” e de “choque de valores”. O “desperdício” de tempo em conflito não é tão elevado como noutros países e os portugueses também abandonam menos as empresas por este motivo verificando-se também menos despedimentos que em outras paragens.
Parece assim claro que, neste aspecto, os nossos brandos costumes ainda prevalecem, o paradigma de que “gostamos de nos dar bem com toda a gente” ainda pesa. Por outro lado, no âmbito da sociedade portuguesa parece evidente a emergência de uma dimensão de conflitualidade e crispação em parte resultante da actuação das próprias lideranças em vários sectores da nossa sociedade, políticos, empresariais ou desportivos, por exemplo. Se atentarmos no que foram as últimas campanhas eleitorais isto parece evidente. Um outro interessante exemplo do nível de crispação, a que um dia destes aqui voltarei, é a natureza dos comentários on-line nos diferentes órgãos de comunicação que ao abrigo, ou não, do anonimato, são de um nível tão baixo, agressivo e insultuoso que até embaraça uma alma que tem pouco de impressionável como a minha.
Como também a peça refere e é sabido nas ciências sociais, o conflito interpessoal não é necessariamente negativo e com maus efeitos. Mais uma vez depende da maturidade e em muitos aspectos da qualidade das lideranças, em todas as instituições e em todos os patamares ou dimensões.

A HISTÓRIA DO RAPAZ IMPERTINENTE

O Manel é um rapaz muito impertinente, diz coisas que as pessoas acham muito desagradáveis e antipáticas.
Então Manel, já sabes o que queres ser quando fores grande?
Já, quero ser uma pessoa que não faça aos miúdos perguntas chatas que não servem para nada.
Sabes Manel, não podemos ser assim, temos que ser amigos uns dos outros.
Não. Sei que preciso de ter amigos e quero ter amigos, mas não quero ser amigo de toda a gente, há gente má.
Olha Manel, não te podes esquecer, é preciso aprender as coisas todas da escola para ficares um homem bom.
Não me parece. Há homens bons que não aprenderam as coisas todas da escola, o avô António, por exemplo, e há homens que aprenderam as coisas todas da escola e não prestam.
Não sejas mal-educado, temos que gostar das pessoas da nossa família.
Não é assim, nós gostamos das pessoas que gostam de nós e são boas para a gente e há pessoas da nossa família que não são boas para nós, nem gostam da gente.
Manel, se estudares como deve ser e te portares sempre bem vais ser como o tio Francisco.
Mas eu não quero ser como o tio Francisco, só quero ser como eu.
E é sempre assim o Manel, não há volta a dar. É mesmo impertinente.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

OS ESPAÇOS DE LIBERDADE ONDE SE FECHAM OS MIÚDOS

Quando se abordam os estilos educativos actuais, é frequente afirmar-se, do meu ponto de vista com alguma ligeireza e erro de apreciação, que os pais tendem a desinteressar-se e negligenciar a educação dos seus filhos entregando à escola essa função. Como sempre digo, existem pais negligentes, mas existe, sobretudo, um estilo de vida e padrões de valores que condicionam fortemente o exercício da parentalidade. Em consequência disso aparecem iniciativas como a “Escola a tempo inteiro” que indo ao encontro de um problema social sério, a guarda dos filhos, promove a presença dos miúdos na escola por vezes até às 12 horas diárias o que, apesar de algumas excelentes experiências neste âmbito, levanta um sério risco de intoxicação escolar para muitas crianças.
Por outro lado, também sinais dos tempos, tem vindo a emergir um mercado de oferta para crianças, logo de bebés, e pais que se propõe ocupar o já pouco tempo em que estão juntos. Esta oferta não pára de crescer e é de uma diversificação que me deixa perplexo. Temos as oficinas, os ateliers, os playcenters, os workshops, os espaços lúdicos, etc. destinados à música, do jazz à clássica, à dança ou à literatura, contos e histórias, às actividades expressivas, plásticas ou artísticas, a designação também varia, em toda a sua gama e diversidade. Temos a filosofia para crianças destinada eventualmente aos mais reflexivos. Temos as actividades desportivas, várias modalidades, e de ar livre em diferentes versões e natureza, quintas pedagógicas, contacto com animais e espaços de aventura, por exemplo. Enfim, uma oferta em desenvolvimento e para todas as bolsas.
É claro que a realização de todas, mesmo todas, estas actividades são imprescindíveis aos miúdos pois promovem níveis fantásticos de desenvolvimento intelectual e da linguagem, desenvolvimento motor, maturidade emocional, criatividade, interacção social, autonomia e certamente mais alguns aspectos de que agora não me lembro.
Os pais, alguns pais, seduzidos pela sofisticação desta oferta e com a culpa que carregam, deixam-se fechar com os seus filhos ou deixam que os seus filhos sejam fechados dentro destes “espaços de liberdade”, comprando, assim, mais um serviço educativo.
Não esqueço que em todos estas iniciativas alguma coisa pode acontecer de interessante para as crianças e para os pais e também não duvido da seriedade dos responsáveis, mas continuo convencido que a melhor utilização que pais e filhos podem dar ao (pouco) tempo livre que têm em conjunto, é … claro, conversar e brincar livremente em conjunto.

A MUDANÇA

Mudar de opinião ou constatar que uma decisão tomada pode ser errada é uma prova de inteligência e maturidade. Mesmo quando as opiniões e decisões parecem bem fundamentadas, podemos sempre admitir que não terão sido a melhor escolha. Insistir teimosamente em algo que se verifica errado é um comportamento de fraqueza e algo de insustentável. Esta introdução deriva do comportamento político da equipa do ME, fundamentalmente a propósito do Estatuto da Carreira Docente, divisão dos docentes em dois grupos, e o famoso modelo de avaliação. As duas peças enfermavam de erros estruturais insustentáveis e desencadearam o maior e mais consensual movimento de protesto entre os professores das últimas décadas. É verdade que tudo isto se contaminou com a luta político-partidária e que mesmo a actuação e discursos dos representantes dos professores foram, frequentemente e do meu ponto de vista, também parte do problema. No entanto, escudados numa incompetente e teimosa arrogância decorrente da maioria absoluta, a PEC – Política Educativa em Curso foi fazendo o seu caminho.
Hoje, dia em que o novo governo toma posse, alguma imprensa refere que o líder da bancada parlamentar do PS, Francisco Assis, entende como prioridade a mudança do sistema de avaliação dos docentes, que augura fácil o consenso pois todos os partidos têm uma posição contra o actual e alguns já elaboraram propostas legislativas.
Ainda bem que se procura mudar o que não está bem, prova de inteligência, mas porque não aconteceu esta mudança logo que se percebeu a incorrecção do modelo proposto? Porque se envolveu o governo com o apoio do grupo parlamentar, que agora muda de opinião, em sucessivas (simplex)ificações que não melhoraram coisa nenhuma? Não era já claro que aquele modelo de avaliação não fazia sentido? É, portanto, legítimo colocar a questão se caso a maioria absoluta se mantivesse, o grupo parlamentar também promoveria a mudança.
O resultado foi o clima instalado nas escolas, a crispação entre professores e administração e uma opinião pública dividida e com a confiança abalada no sistema educativo.
Não são efeitos tangíveis mas são certamente efeitos negativos.

AS LITROSAS DOS ADOLESCENTES

De acordo com um Relatório elaborado pelo Instituto da Droga e da Toxicodependência, a apresentar na Comissão Permanente de Saúde da AR logo que constituída, está a verificar-se um decréscimo do consumo de droga por parte dos jovens portugueses embora se verifique o aumento do consumo de álcool. Este padrão de comportamentos no consumo tem vindo a ser evidenciado por diferentes estudos sobre os hábitos dos adolescentes e jovens portugueses.
Neste quadro merece reflexão um trabalho este Domingo apresentado pelo DN sobre o consumo de álcool por parte de adolescentes.
Uma primeira nota é o facto de os adolescentes, vários afirmaram-no na peça jornalística, comprarem cerveja e outras bebidas, as litrosas, no comércio mais habitual, lojas de conveniência ou pequenos estabelecimentos de bairro, a um preço bem mais acessível que nos estabelecimentos que frequentam na noite e recorrendo à “toma” simples ou com misturas ao longo da noite, comprida aliás. Esta venda processa-se com a maior das facilidades e sem qualquer controlo da idade dos compradores. Vários adolescentes ouvidos referiram a ausência de regulação dos pais sobre os gastos, sobre os consumos ou sobre as horas de entrada em casa, que muitas vezes tem que ser discreta e directa ao quarto devido ao “mau estado” do protagonista.
Como é evidente, já muitas vezes aqui o tenho referido com base na minha experiência de contacto com pais de adolescentes, não estamos a falar de pais negligentes. Pode haver alguma negligência mas, na maioria dos casos, trata-se de pais, que sabem o que se passa, “apenas fingem” não perceber desejando que o tempo “cure” porque se sentem tremendamente assustados, sem saber muito bem o que fazer e como lidar com a questão. De fora parece fácil produzir discursos sobre soluções, mas para os pais que estão “por dentro” a situação é muitas vezes sentida como maior que eles.
É preciso que a comunidade esteja atenta a estes adolescentes de 13 ou 14 anos que, ilegalmente” compram as litrosas e aos seus pais que estão tão perdidos quanto eles.

domingo, 25 de outubro de 2009

O MUNDO ANDA ESTRANHO

Como sempre digo, os tempos andam estranhos. No meio da polémica despoletada por umas disparatadas afirmações de José Saramago, homem com um umbigo maior do que a obra, não se pode ser bom a fazer tudo, e com a comunidade católica a responder ao que não me parece merecer grande resposta, aparece algo que dificilmente imaginaria, o Sr. Padre de Covas do Barroso, em Boticas, homem já septuagenário, foi detido juntamente com outros elementos por posse de arsenal bélico e ilegal constituído por várias armas, muitas munições e explosivos.
Deve tratar-se de um equívoco, ou será que também o Sr. Padre tem a mesma leitura do Antigo Testamento que José Saramago e as armas são apenas ferramentas de trabalho? Eu acredito que muito provavelmente, e a confirmar-se a posse das armas por parte do Sr. Padre, deve ter sido algum pecador que se esqueceu dos instrumentos do pecado na acto da confissão.
Mas lá que o mundo anda estranho, anda.

sábado, 24 de outubro de 2009

PARA QUANDO AS BOAS NOVAS?

Uma das expressões mais bonitas, das muitas que a língua portuguesa possui é “boas novas”. De facto, acho, não me perguntem porquê, bonito a ideia de designar por novas as notícias que chegam e, mais interessante ainda, quando se trata de notícias positivas, as boas novas.
Lamentavelmente, nos últimos tempos, as novas não são boas e algumas das novas até parecem bem velhas.
Os trágicos números do desemprego continuam a subir apesar de algumas novas sobre indicadores de atenuação da situação de crise. Esta situação evidencia a vulnerabilidade das pessoas e necessidade de políticas sociais eficazes e urgentes.
Parece também cada vez mais claro que os modelos de desenvolvimento económico e o sistema de valores na economia e no mundo do trabalho carecem de reforma, retomo a referência à interessante intervenção de Fernando Nobre no Congresso Nacional de Economistas.
No entanto, os discursos e as novas entre nós, não parecem indiciar a reflexão sobre os novos e necessários caminhos, assentam sobretudo em enunciar paliativos de conjuntura e em medidas sociais necessárias, mas avulsas e com pouco impacto estrutural.
Para quando as boas novas?

OS FILHOS DOS HOMENS QUE NUNCA FORAM MENINOS

(Foto de vitor tripologos)

Os filhos dos homens que nunca foram meninos tiveram filhos que também foram homens sem ter sido meninos e tiveram filhos que também foram homens sem ter sido meninos e tiveram filhos que nunca foram meninos e ...

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

OBRIGADO MEU CARO FERNANDO NOBRE

Não tendo intenção de vos perturbar o fim-de-semana, que se adivinha solarengo, retomo o tema da pobreza.
De acordo com Fernando Nobre, presidente da AMI e uma figura de referência, das poucas que ainda vamos tendo, a pobreza estruturada em Portugal rondará os 40%, bem mais que os oficiais 18%. Esta afirmação foi proferida no III Congresso Nacional de Economistas. De acordo com o relato no I, Fernando Nobre questionou e desafiou a assistência a procurar viver com 350 ou 450€ mensais. A peça não refere se algum dos economistas presentes aceitou o desafio. Fernando Nobre manifestou ainda a sua perplexidade sobre o facto de os empresários estarem contra o aumento do salário mínimo, sabendo-se do seu baixo valor e das dificuldades de sobrevivência com tal montante.
Fernando Nobre questionou ainda as políticas de muitos empresários e gestores que assumem patamares salariais e mordomias insultuosas, ao mesmo tempo que reduzem postos de trabalho. Fernando Nobre abordou ainda a imperiosa necessidade económica e ética de reduzir o fosso social e promover uma mais justa distribuição da riqueza. Um país com pobres não vai ser nunca um país rico, mas um país com gente rica, por vezes até à obscenidade. Fernando Nobre falou ainda de injustiça, solidariedade, sensibilidade e empenho.
Fernando Nobre é um visionário, falar disto no Congresso Nacional dos Economistas. Ainda assim, obrigado meu caro Fernando Nobre.

OS MIÚDOS DE HOJE

Manel, deixa-me acabar a conversa com a Tia Joana.
Mas eu não posso falar porquê?
Porque eu te estou a dizer para estares calado. Não mexas nesse livro.
Mas não posso mexer no livro porquê?
Porque podes estragá-lo.
Mas eu não o estrago, posso ver?
Não Manel, já te disse que não
Como ia dizendo Joana … Manel não estejas a falar para a senhora.
Mãe, porque é que eu não posso falar para a senhora?
Para não a incomodares.
Mas ela não está incomodada.
Olha, enquanto esperas faz este jogo.
Eu tenho que fazer esse jogo porquê?
Para estares entretido e não fazeres asneiras.
E porque é que aquilo que eu estava fazer é asneira?
Manel, pára com as perguntas.
Mas não posso fazer perguntas porquê?
Cala-te um bocadinho Manel. Estás a ver Joana, como são os miúdos de hoje, não se calam nem por nada, sempre com perguntas, dão-nos cabo da paciência. Mas como te ia dizendo, o problema é que ninguém diz nada, as pessoas ouvem, calam-se e não refilam, depois admiram-se de as coisas estarem como estão.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

AS TAREIAS QUE FAZEM OS HOMENS

Em tempos difíceis no que à educação diz respeito, seja a educação escolar, seja a educação familiar, uma das recorrentes discussões respeita aos valores. É também neste âmbito, os valores, que se enquadra a escolha por parte das famílias, quando têm hipótese de escolha, do estabelecimento de ensino para os seus filhos e optam por instituições de natureza religiosa ou com um enquadramento militar, caso do agora mediatizado Colégio Militar.
As instituições desta natureza, com um universo dos valores restrito e rígido e em regime de internato, portanto, com um ambiente mais concentracionário, são, sabe-se desde sempre, propícias a incidentes entre alunos, até porque quase sempre coabitam deferentes níveis etários, sendo ainda prática habitual a atribuição de funções de “mando” a alunos mais velhos. Neste quadro, não surpreendem os relatos agora mediatizados de maus-tratos de alunos mais velhos a miudagem mais pequena.
O que continua a surpreender-me nos tempos que correm, não deveria mas ainda me surpreendo, é o discurso branqueador sobre os valores da instituição, a desvalorização de milhentas situações, umas conhecidas outras que os miúdos envolvidos por medo não relatam, e, por parte de alguns pais e responsáveis o entendimento de que estes incidentes são próprios de uma educação correcta de gente bem formada legitimando abusos inaceitáveis.
Nas minhas conversas com pais sobre os “tratos” aos filhos, alguns dizem-me “agradeço ao meu pai as tareias que me deu, fizeram de mim um homem”, devolvo sempre uma pergunta para a qual nunca tive uma resposta clara e afirmativa “mas tem a certeza de que se não levasse as tareias não seria um homem?”

SÓ SE APRENDE A LER, LENDO

Um estudo coordenado pelo Professor José Morais e divulgado na III Conferência do Plano Nacional de Leitura, mostra algo de que a comunidade educativa tem consciência, baixas competências da população escolar mais nova em matéria de literacia. Estas baixas competências estarão na base das posteriores dificuldades escolares e dos resultados escolares, designadamente em Português e Matemática, aprendemos e pensamos em tudo utilizando o correcto domínio da Língua.
O estudo avança ainda com uma hipótese explicativa desta situação, o insuficiente tempo de leitura que constatou nas escolas onde se realizou. Mais uma constatação que de há muito se evidencia. De facto, independentemente das questões relacionadas com as metodologias dos professores, das suas opções e competências na didáctica da Língua portuguesa, certamente passíveis de melhorar através de formação consistente, a grande questão parece simples de enunciar, as crianças, de uma forma geral, lêem pouco. Podemos aduzir uma série de razões para que isto aconteça, questões que decorrem da concorrência da actividade de leitura com outras actividades percebidas aos olhos dos miúdos como mais apelativas, poucos hábitos de leitura no ambiente familiar, uma equívoco instalado há alguns anos nas concepções sobre práticas pedagógicas que levou muitos professores a recorrerem pouco à actividade de leitura individual na sala de aula por parecer “conservador” ou “pouco activo”, etc.
Mas mais do que as razões, e todas contribuirão para a situação que temos, é importante, diria imprescindível, que nos convencêssemos todos, professores, pais e outros actores, que só se aprende a ler, lendo, só se aprende a escrever, escrevendo, só se aprende a andar, andando, só se aprende a falar, falando, etc., etc.
O resto é acessório, com Magalhães, sem Magalhães, com os manuais, sem os manuais, insisto, só se aprende a ler, lendo.

O VELHO QUE COLECCIONAVA SONHOS

Era uma vez um Velho que se dedicava a uma estranha colecção, coleccionava sonhos. Só mesmo os velhos, acho eu, têm o tempo necessário para coleccionar, não o tempo medido no relógio, mas o tempo medido na alma. Pois este Velho tinha já uma boa colecção de sonhos. Era uma colecção muito interessante porque quase não existem repetições, mesmo quando os sonhos são sobre o mesmo tema, cada pessoa sonha à sua maneira e, por isso, nunca o Velho Coleccionador encontrou dois sonhos rigorosamente iguais.
Pedindo às pessoas que conhecia, que pediam às pessoas que conheciam, os sonhos já sonhados e de que não precisassem, o Velho Coleccionador aproveitava-os para a sua colecção extensa e variada.
A primeira operação era ver o estado em que vinha cada sonho e cuidar dele, se necessário. Havia sonhos que, de tanto sonhados pelo sonhador, vinham mais gastos, faltavam bocadinhos, por exemplo. O Velho Coleccionador tentava então encontrar bocadinhos de sonho que os pudessem completar e restaurar. Ficavam como novos alguns desses sonhos, prontos a serem sonhados como se fosse a primeira vez. Alguns chegavam-lhe à mão incompletos, sonhos que se interromperam ao ser sonhados, porque atemorizaram o sonhador que acordou, encontrou muitos casos destes.
A segunda operação era arrumá-los. O Velho Coleccionador tinha os sonhos arrumados em dois grandes armários, um para sonhos bons e outro para sonhos maus. Este armário, o dos sonhos maus, estava sempre fechado à chave, o Velho Coleccionador tinha medo que os netos que adoravam a colecção de sonhos, mexessem nos sonhos maus sozinhos e se assustassem. Dentro de cada armário os sonhos estavam ainda arrumados pelos temas, uma quantidade de temas diferentes.
Às vezes, o Velho Coleccionador, quando lhe aparecia alguém aborrecido com a vida emprestava alguns dos sonhos bons e mais bonitos que tinha na colecção. Ele próprio, o Velho Coleccionador adormecia todas as noites com um sonho desses à cabeceira. Era um Velho tranquilo, como só os velhos que sonham sonhos bons podem ser.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A PRIMEIRA PROVA

Uma nota inicial para reafirmar a insustentabilidade do modelo de avaliação dos professores proposto pelo ME bem como as sucessivas simplex(ificações) que transformaram um instrumento incompetente em coisa nenhuma. Uma segunda nota para reafirmar que a criação, no âmbito do Estatuto, da divisão dos professores em titulares e outros, terá sido, do meu ponto de vista, e em termos de administração educativa, a mais insustentável e incorrecta medida de que me lembro.
Dito isto, julgo também que um dos maiores problemas que afecta a educação em Portugal deriva do total envolvimento da questão educativa, não no universo da política, mas no universo da luta político-partidária que em Portugal é de uma baixíssima qualidade ética e com pouco atenção aos verdadeiros problemas dos cidadãos, ou seja, inscreve-se mais na lógica dos interesses partidários de ocasião.
Neste quadro e como começa a perceber-se, a educação, leia-se a avaliação de professores e o estatuto, vão constituir-se como a primeira grande prova parlamentar colocada ao governo que aí vem.
As opiniões que se começam a ouvir, muitas delas, não são particularmente animadoras, parecem apenas apontar para o recurso à aritmética parlamentar para a “suspensão” imediata e acrescenta-se, nem sempre, depois logo se vê o que se faz.
Eu sei que a suspensão imediata também se liga aos calendários da avaliação, mas este tipo de discursos contribui, do meu ponto de vista, para alimentar uma opinião pública que, fruto do discurso do ME e de alguns discursos dos representantes dos professores, se mostra pouco simpática para com a classe docente com efeitos obviamente negativos. Creio que seria mais interessante que, simultaneamente ao pedido de suspensão, se procedesse a uma apresentação clara e sustentada de propostas de avaliação, estou mesmo a falar de avaliação, e de revisão do estatuto.
No entanto, vamos a ver como corre esta primeira prova nacional.

OS PILHA GALINHAS

Uma entidade por mim desconhecida, o Barómetro Nacional da Quebra Desconhecida no Retalho, nome esclarecedor, divulga hoje que nas lojas, sobretudo em super e hiper-mercados, se verificam roubos por clientes e funcionários num valor anual aproximado de 177 milhões de euros, número que tem vindo a subir. Os roubos, vamos chamar-lhe quebra desconhecida, incidem sobre pequenos equipamentos de electrónica, perfumaria, roupa e, sublinhe-se, um designado auto-consumo, o cidadão come ou bebe o produto dentro da loja.
Quando me começava a habituar ao roubo a sério, aos muitos milhões, protagonizado por gente séria, administradores e gestores, por exemplo, emerge de novo um país de pilha galinhas, o pequeno roubo. É certo que a mesma entidade refere a progressiva sofisticação dos meios utilizados pelos empreendedores pilha galinhas. Onde é que já vai um arcaico frasco de perfume escondido nas meias, expediente muito usado no meu tempo de pilha galinhas adolescente.
O mesmo relatório refere a necessidade de afinar os dispositivos de vigilância para combater a Quebra Desconhecida. É mais ou menos a mesma preocupação que o cidadão comum sente ao ver como milhões, muitos milhões, voam da banca, de empresas em falências fraudulentas, em comissões mal explicadas, em inconsequentes derrapagens financeiras nas obras públicas sendo ainda que tudo isto se passa na maior das impunidades.
Apesar dos dados do Barómetro Nacional da Quebra Desconhecida no Retalho já não somos um país de pilha galinhas. Que me desculpem o desabafo, mas prefiro os pilha galinhas.

O MIÚDO CHATO QUE QUER PALAVRAS NOVAS

Pai, preciso de comprar palavras novas. Quando é que podes ir comigo comprá-las?
Comprar palavras? E onde é que se compram palavras?
Nos sítios onde se fazem os livros, lá deve haver muitas.
E para que queres tu comprar palavras novas?
Para fazer histórias, eu não gosto muito de escrever e como comprando as palavras elas já vêem escritas, é mais fácil fazer histórias.
Mas Francisco, tu já tens muitas histórias e tens muitas palavras.
Sim, mas as histórias que tenho já as conheço. As palavras que tenho não são novas, assim não consigo fazer histórias novas.
Mas porque tens tu que fazer histórias novas? Existem muitas histórias que se calhar não conheces e são bonitas.
Sim pai, mas se for eu a fazer as histórias, eu é que escolho os nomes, quem é que entra nelas, onde é que se passam, o que é que acontece, como é que acabam e essas coisas todas.
Francisco, estou a ver que gostavas de ser escritor.
Não pai, não quero ser escritor já te disse que não gosto de escrever só quero fazer histórias novas e preciso de palavras novas. Pai, tu nunca fizeste histórias novas?
Agora que perguntas … acho que não, nunca fiz histórias novas com palavras que não tinha.
Pois é, é por isso que não percebes. E então? Quando é que podemos ir comprar as palavras novas?

terça-feira, 20 de outubro de 2009

COM QUALIDADE, ESTAMOS NO BOM CAMINHO

Depois de décadas política educativa assente no equívoco de um sistema de ensino unificado, decorrente da convicção de que todos os alunos fariam exactamente o mesmo percurso escolar e acabariam no ensino superior universitário, verificou-se o óbvio, índices devastadores de abandono e insucesso. Nessa altura inicia-se então uma oferta profissionalizante que, por mau marketing político e em resultado do quadro de insucesso e abandono é entendida pela comunidade como uma via de segunda, ou seja, encaminha-se para as vias profissionalizantes “quem não tem jeito ou falha na escola”. Com este entendimento, durante algum tempo, a escolha era pouco significativa e a oferta pouco consistente e avulsa.
Finalmente, parece que se entra no caminho mais ajustado, diversificação de percursos educativos através do alargamento da oferta educativa, designadamente a partir do 3º ciclo, e que se deseja assente em dois princípios importantes. Em primeiro lugar que surja na generalidade dos estabelecimentos de ensino e seja tratada e entendida em pé de igualdade com a formação mais escolar e, em segundo lugar, que se desenham modelos de organização dessa formação com padrões de qualidade e com a possibilidade de reentrada em processos de formação mais académica.
De qualquer forma, é de registar este aumento da oferta de formação condutora à aquisição de competências profissionais. É urgente e imprescindível a qualificação da nossa comunidade.

CONFIAR NA SORTE

Um estudo hoje divulgado na imprensa refere um aumento do número de jogadores dependentes, designadamente entre os jovens. O perfil da pessoa viciada em jogo está em mudança evidenciando-se o abaixamento na idade e aumento significativo do recurso a jogos on-line.
Esta situação representa, provavelmente, um sinal dos tempos. Por um lado, as possibilidades abertas pelas novas tecnologias que se traduzem em comodidade, joga-se a partir de casa, a qualquer hora e, por outro lado, a tentativa que muitos de nós fazemos de através dos jogos aspirar aos ganhos económicos.
É também conhecido que somos dos que mais nos envolvemos nos jogos tradicionais, do tipo totobola, lotaria ou euromilhões. Uma das expressões mais utilizadas em Portugal deve ser justamente, “nunca mais me sai o euromilhões”.
Para além do aspecto lúdico dos jogos mais atractivos, o póquer, por exemplo, e da adrenalina das apostas, este aumento dos comportamentos de dependência do jogo, sobretudo, entre gente mais nova, é um dado importante e que merece atenção pelas consequências complicadas que pode assumir, quer em termos pessoais, quer em termos familiares.

A HISTÓRIA DO ESPERADOR

Era uma vez um homem que se chamava Esperador. O nome era um bocado estranho mas estava apropriado para quem sempre viveu à espera de alguma coisa.
O Esperador desde muito pequeno que tinha um comportamento pouco preocupado e não se esforçava muito para conseguir o que quer que fosse, na escola, em casa ou mesmo nas brincadeiras. Ficava sempre à espera, a ver o que acontecia e só quando não podia deixar de ser, lá se mobilizava no mínimo e fazia a vida andar. O Esperador esperava que tudo lhe acontecesse e, com muita sorte, diziam as pessoas que o conheciam, lá foi percorrendo a estrada que lhe aparecia.
O Esperador parecia um tipo de sorte, sempre naquela atitude de quem estava à espera, não se agitava e, mais cedo ou mais tarde alguma coisa surgia e o Esperador dava um passo em frente. Foi assim que conseguiu arranjar uma família e um trabalho, caídos do céu, comentavam as pessoas que acrescentavam, comparando, que tanta gente se esforçava sem resultado e ao Esperador tudo corria razoavelmente bem.
No entanto, um dia o Esperador partiu. Esperou, esperou, mas o futuro não compareceu ao encontro que ele esperava, como sempre.
Estranhamente o comentário mais ouvido foi “coitado, não estava à espera desta”.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

OS INDEPENDENTES

Como será evidente, qualquer cidadão gosta de se afirmar como independente, querendo com isto dizer, que é capaz de ter uma visão ou perspectiva pessoal sobre qualquer matéria. È importante para nós sentirmos e acreditarmos nessa capacidade, nesse estatuto de independência. Sabemos também que esta, continuemos a chamar-lhe independência, em bom rigor dificilmente existirá, a nossa perspectiva sobre o que está à nossa volta depende sempre da gestão dos interesses envolvidos, por mais subjectivos ou irrelevantes do ponto de vista colectivo que possam ser esses interesses. Por exemplo, dificilmente eu serei “independente” a olhar para um jogo de futebol em que participe o meu clube do qual aliás, nem sequer sou sócio, embora durma perfeitamente tranquilo quando perde.
Sabemos também que a partidocracia instalada em Portugal tornou os partidos donos da democracia e inibe a participação cívica de cidadãos fora dos aparelhos partidários.
Neste quadro, entende-se mal que cidadãos militantes partidários que por qualquer razão vêem romper-se a sua ligação com o partido, assumam, com toda a legitimidade, vida política afirmando-se agora “independentes” mas mantendo o vínculo formal ao partido, situação que tem acontecido em diferentes partidos. Mais uma vez não me parece um bom serviço prestado à democracia. A decisão de concorrer a umas eleições fora do aparelho do partido em que se militava deveria ser acompanhada pela desvinculação formal do partido podendo, assim, reclamar o estatuto de “independente” que, como disse acima, tenho dificuldade de entender, sobretudo em política. No entanto como sabeis, os políticos também são uns fingidores, até fingem de independentes.
De qualquer forma, um militante partidário concorrer a eleições contra o seu partido é, no mínimo, estranho e de difícil enquadramento em ética política.

PRODUZIDO EM PORTUGAL

Mais uma vez e graças aos efeitos perversos de uma Política Agrícola Comum com contornos de difícil entendimento, a minimização de um problema, neste caso o do leite e a baixa dos preços, dependerá da “generosidade” dos subsídios decididos pela burocracia de Bruxelas.
Como cidadão minimamente atento tenho a ideia de que no caso do leite temos preços pagos aos agricultores mais baixos dos que se praticavam há anos e um aumento significativo dos custos de produção que desequilibram a gestão das explorações designadamente, das de menor dimensão que têm vindo a ser extintas com custos sociais significativos, aumento de desemprego numa população dificilmente recuperável em termos de formação e inserção profissional.
Como em várias outras matérias e não sendo especialista, os especialistas “produziram” os problemas gravíssimos que atravessamos, creio que seria sensato tentar ajustar os padrões de consumo. Atravessamos um tempo de liberalismo mais “neo” e mais “ultra” do que alguns nos querem fazer crer, com uma fortíssima pressão globalizante em todas as áreas, que procura “normalizar” e “calibrar” tudo e, já agora e se possível, todos. Considerando que deixar tudo entregue à regulação do mercado é um erro trágico como estamos assistir, creio que faz sentido direccionar o nosso consumo para aquilo que produzimos, muitas vezes, em condições vantajosas em termos de qualidade e preço. Haverá certamente quem entenda como proteccionismo este tipo de iniciativa. Não a entendo assim, pois o proteccionismo esconde-se em quadros normativos muitas vezes injustos e discriminatórios. Nesta situação, procura-se sensibilizar o cidadão para, num acto de soberania de decisão, escolher consumir preferencialmente aquilo que produzimos. Ao que parece importamos leite tendo uma produção que nos tornaria auto-suficientes além de que a importação aumenta o desequilíbrio da balança económica. Sempre que posso, recuso comer laranjas com ar engraxado e de estufa enquanto os produtores algarvios deitam foram laranja de excelente qualidade e sabor mas “descalibrada”, seja lá isso o que for e leite, só mesmo de uma vaca portuguesa, com certeza.

A SAÚDE MENTAL NO DISCURSO POLÍTICO

Ainda uma pequena reflexão a propósito do aumento do consumo de psicofármacos. Só para recordarmos a dimensão desse aumento, 36,6 % em cinco anos, dados do Alto Comissariado da Saúde relativos a 2007 dizem-nos que, em média, se verificou um consumo diário de 152,1 fármacos daquele tipo por cada mil habitantes, enquanto a média da UE para 2006 foi de 42,3 o que é, de facto, uma diferença significativa.
Para além de explicações como a excessiva facilidade com que são prescritos por clínicos não psiquiatras, da tendência para a auto-medicação que facilita o uso do “remédio” do amigo porque “faz bem”, existe algo que também me parece contribuir para este excessivo consumo.
De há uns tempos para cá entrou no léxico comum da cena política uma terminologia vinda da área da saúde mental com efeitos que ainda não foram avaliados. Alguns exemplos. É muito frequente a referência a estados de depressão, o país está deprimido, os mercados estão deprimidos, algumas regiões portuguesas são consideradas deprimidas, etc. Diz-se com todo o à vontade que certos comportamentos políticos podem ser suicidas, seja de pessoas ou de partidos. Inventaram um quadro de claustrofobia democrática, seja lá isso o que for. Não há opinador, amador ou profissional, que não se refira a autismo ou a autista para adjectivar discursos e comportamentos políticos. Aliás, deve recordar-se que a Assembleia da República aprovou uma moção no sentido de se não utilizar tal terminologia nos debates parlamentares. Multiplicam-se as referências a pessoas que assumem compulsivamente estratégias de vitimização. Abundam as análises que sublinham a grave baixa auto-estima dos portugueses. A comunidade atribui o estatuto de inimputável ao Dr. Alberto João o que o deixa “à solta”. É também de referir que nos últimos tempos muitos analistas diagnosticaram uma dupla personalidade ao Primeiro-ministro, o que explicaria, dizem, uma mudança de comportamento a partir das eleições europeias. Neste contexto e considerando ainda a situação grave que o país tem vindo a atravessar, não é de estranhar que os portugueses depositem nos psicofármacos a esperança de dias melhores.

domingo, 18 de outubro de 2009

O MAL-ESTAR DE CRIANÇAS E JOVENS

O DN de hoje refere o aumento significativo que se tem vindo a verificar no consumo de anti-depressivos. Não é um dado novo e as explicações dos especialistas citados remetem para diferentes causas referindo, por exemplo, o aumento de quadros depressivos em crianças e jovens e o facto de a prescrição ter aumentado por clínicos não especialistas de psiquiatria que, apoiados na nova geração de ansiolíticos, a usarão de forma abusiva. Uma nota sobre a incidência de quadros depressivos entre os mais novos.
O aumento dos casos de depressão em crianças e jovens, que os indicadores conhecidos sustentam, vem evidenciar algo que recorrentemente aqui afirmo e que muitos discursos e opiniões contrariam, a vida de crianças e jovens não é tão fácil como muitos pensam e exprimem. Essa dificuldade transparece nos múltiplos sinais de mal-estar entre a população mais nova. Este mal-estar pode traduzir-se de diferentes formas, comportamentos mais instáveis, falta de rendimento escolar ou, também, o desenvolvimento de quadros depressivos. Muitas crianças e jovens, mesmo inseridos em ambientes familiares sem aparentes dificuldades, vivenciam situações de isolamento, falta de confiança e desconforto que nem sempre a escola consegue identificar, remetendo as consequências escolares desse mal-estar para a “simples” preguiça e falta de empenho. Do meu ponto de vista, é essencial estar atento a esses sinais de desconforto e evitar discursos de desvalorização ou atitudes negligentes assentes em equívocos como, “é da idade, passa com o tempo” ou pior, “enquanto está só, não está a fazer asneiras com os outros”. Quanto mais cedo se perceberem e se desencadearem formas de apoio, mais saudável será a vida dos mais novos.
O grande problema é que não somos uma comunidade atenta, a retórica da preocupação não chega.

sábado, 17 de outubro de 2009

A ESCOLA MÁGICA, OMNIPOTENTE

Os discursos sobre a educação e sobre a escola produzidos quer pelos actores deste universo, quer pelos opinantes profissionais ou amadores, referem sistematicamente um conjunto de problemas, desafios como muitas vezes lhes chamam, com que a educação, enquanto sistema, ou seja as escolas, se confrontam.
A título de exemplo, nos últimos dois dias, recordo-me das preocupações da escola com a alimentação dos alunos, com a questão da pobreza, 18 % da população, e os seus efeitos na educação, das dificuldades sentidas na escola por alunos que precisavam de óculos e não tinham acesso a consultas de oftalmologia e num encontro sobre bullying refere-se que a questão afectará 42% da população, entre vítimas e agressores. Os intervenientes são consensuais sobre a “falta de preparação” da escola, leia-se professores, mas não só, para lidarem com o fenómeno.
Em muito pouco tempo, passámos de uma escola mais direccionada para a instrução para uma escola que “deve” responder a todos os problemas que afectam os alunos. De facto, aumentando até ao inaceitável a presença dos miúdos na escola, os problemas que os afectam são transportados para a escola, mas será que devemos esperar que a escola seja responsável e capaz de gerir todos os problemas que os miúdos carregam na mochila?
Não creio, pelos menos com o modelo de escola e de organização da acção educativa que temos. Como pode ser a escola a gerir a pobreza e a fome que afectam as famílias de origem dos meninos que batem à porta da escola? Numa sociedade violenta e desrespeitadora, das elites ao cidadão comum, como resolve a escola os problemas de bullying que afectam quase metade da população que serve?
Será que a escola é uma realidade mágica e omnipotente que tudo resolve? Qual deve ser a formação dos professores para, além de lidarem com os saberes, lidar com tudo o resto que afecta os alunos? E que outros profissionais devem estar na escola? Todos os que de alguma forma intervêm em problemas de crianças e jovens? Acho difícil, aliás, parece-me errado admitindo que isso seria possível.
Creio que o caminho passa por uma redefinição do sentido de comunidade educativa, na qual, mesmo fora da escola, devem existir recursos e dispositivos eficazes, sejam sociais, na área da saúde ou em qualquer outra que, em rede, possam a pedido da escola intervir a tempo e eficazmente.
Enquanto o discurso for no sentido de responsabilizar a escola por tudo e a própria escola assumir essa responsabilidade, por exemplo reclamando recursos para tal, a mudança, do meu ponto de vista, ficará mais difícil.

O HOMEM CHAMADO PROFESSOR

Era uma vez um homem que tinha um trabalho muito engraçado e bonito mas não era fácil.
Ajudava os miúdos a descobrir uma casa chamada escola e a gostarem de estar nessa casa.
Mostrava aos miúdos as coisas tantas que havia para aprender e ajudava-os a não ter medo de aprender. Ele explicava como se aprendia.
Sabia espreitar para os olhos dos miúdos e percebia quando estavam tristes. Nessas alturas falava com eles baixinho ou sentava-se quieto ao lado deles só para que eles não estivessem sós, os outros percebiam que era altura de ir brincar ou fazerem tarefas sem a ajuda dele.
De vez em quando zangava-se com os miúdos. Ele sabia que os miúdos precisam dessas zangas.
Falava muito com os miúdos, inventavam histórias a meias, e discutiam as coisas da vida daquela casa, a escola.
Mostrava aos miúdos o mundo que estava dentro dos livros e os que se podiam construir com as letras.
Explicava aos miúdos como os números serviam para organizar a vida de todos os dias.
Até conseguia que os miúdos percebessem que quando trabalhavam bem em conjunto, cada um ia mais longe.
Um dia o homem ficou velho e teve que sair daquela casa. Nesse dia, toda a gente que ao longo do tempo lá tinha entrado, se lembrou bem do seu nome. Chamava-se Professor.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

A GEOGRAFIA DOS EXCESSOS

O Público apresentou ontem um trabalho sobre a geografia da fome em que, sem surpresa, se evidenciava uma situação catastrófica em termos mundiais. Hoje, reafirmam-se números já conhecidos apontando para 18 % da população portuguesa em situação de pobreza. As instituições de apoio social referem um aumento significativo dos pedidos de ajuda, designadamente, alimentar. Apesar dos tímidos sinais de melhoria a nível global, a vida das pessoas continua em condições muito complicadas que não permitem a esperança na rapidez da mudança. A agenda das consciências assinala hoje o Dia mundial da Alimentação o que constitui, naturalmente, pretexto para sublinhar o drama da fome.
Curiosamente, a propósito do Dia da Alimentação ficamos a saber, através de um estudo realizado sob a égide da OMS, que 32% das crianças portuguesas estarão em excesso de peso, estando 13.9 % em situação de obesidade o que configura um sério problema de saúde pública.
Este quadro paradoxal e de excessos, a fome e a pobreza por um lado e o excesso alimentar, por outro, levanta uma questão que, do meu ponto de vista, nem sempre é suficientemente ponderada, a questão da pobreza não pode ser gerida e resolvida, ou minimizada, sem se considerar a questão da riqueza. A recente crise económica colocou a nu muitos dos excessos nascidos do interior dos modelos económicos que têm sido seguidos. Ouvem-se algumas referências e intenções, por exemplo da UE, de prevenir os excessos, provavelmente não passarão de intenções que logo que a poeira assente, ou seja, as economias recuperem, se esfumarão esquecidas.
Voltaremos com a habitual tranquilidade à geografia dos excessos, a coabitação da fome com os excessos e desperdício alimentares, das obscenas e delinquentes remunerações com a insuficiência de apoios sociais e com o desemprego, da mansão inacreditavelmente luxuosa com os sem abrigo, etc. Nada de estranho, portanto, o mundo é assim, diremos.

GOSTO DA PROFESSORA

A Senhora Ministra da Educação foi inaugurar um centro escolar em Cabeceiras de Basto. Como é de bom-tom em visitas de “trabalho” a Senhora Ministra visitou as salas, novas e bem equipadas e deu dois dedos de conversa com os meninos. Numa sala do pré-escolar perguntou a um menino, o “mais espevitado da classe”, no relato do Público, “E o que é que gostas mais nesta escola nova?”. O espevitado rapaz respondeu “Da professora” o que parece ter surpreendido a Senhora Ministra que sendo especialista em crianças espevitadas explicou que “os alunos naturalizam as condições envolventes e acabam por dar mais importância à figura do adulto”. A sério, foi que a Senhora Ministra disse.
Mas não, as crianças, mesmo as espevitadas, não “naturalizam” (!!!!), seja lá isto o que for, as condições envolventes acabando por dar mais importância à figura do adulto. As crianças pequenas sabem, sentem, como todas as outras e como todos nós, que sendo os meios e os recursos importantes o que conta mesmo são as pessoas. Dito de outra forma, nenhuma superlativa e ultra equipada estrutura educativa educa uma criança, são as pessoas, pais e professores que o fazem, melhor ou pior. Este trabalho correrá, seguramente, melhor se as condições em que decorre forem de qualidade, mas não são de todo as condições que educam as crianças.
Mas até ao fim a Senhora Ministra parece não perceber o que é um professor.
Felizmente, eu sei, nós sabemos, sem surpresa, que a esmagadora maioria dos miúdos, sobretudo os mais pequenos, se lhes perguntarem o que gostam na escola incluirão os seus professores nessa escolha, esta sim natural. Aliás, como na apreciação da sua vida afirmarão gostar dos pais. A surpresa surge quando em crianças pequenas, professores ou pais não fazem parte do que gostam mais o que também sabemos que acontece, com alguns pais e com alguns professores que, é claro, não deveriam ser nem uma, coisa nem outra.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O RISCO DE INSUCESSO ESCOLAR

Um notável trabalho desenvolvido pela EPIS, Empresários pela Inclusão Social, que inquiriu 20 000 alunos do 7º e 8º anos, conclui que um em cada três está em risco sério de insucesso escolar. Merece muita atenção este trabalho divulgado no I.
Estes números assustadores vêm confirmar que o militante optimismo estatístico do ME não tem, infelizmente, bases sustentáveis e que, portanto, continuaremos confrontados com um fortíssimo problema ao nível do sucesso educativo, ou seja, do futuro.
O trabalho da EPIS sobre os riscos do insucesso e as suas causas, para além de identificar aquilo que neste âmbito é de esperar, questões económicas, disfunções familiares, por exemplo, vem mostrar uma dimensão que é muitas vezes desvalorizada na opinião publicada sobre esta matéria e que algumas pessoas, entre as quais me incluo, sistematicamente apontam como de urgente atenção e ponderação, isto é, a forma como os miúdos se percebem a si próprios e às suas capacidades. Esta percepção de si, que genericamente se refere como auto-estima, tem um poderosíssimo efeito na definição da relação mais ou menos positiva que os alunos estabelecem com a escola, com a aprendizagem e na criação de confiança para construir um projecto de vida. De acordo com o estudo, “cerca de 80% dos alunos diz que o problema não está nos professores e as maiores dificuldades prendem-se com questões de auto-estima”. Não cabe aqui uma abordagem às potenciais ameaças à auto-estima sentidas por estes alunos, mas são de natureza variada. Nesta perspectiva, é fundamental o desenvolvimento de dispositivos de apoio que mais do que centrados em actividades de natureza exclusivamente académica, se direccionem para a pessoa e não só para o aluno. É neste sentido que o projecto da EPIS, ao recorrer à figura de um mediador entre o aluno e o contexto educativo, está a caminhar, a avaliação divulgada mostra isso mesmo, no bom sentido.
Finalmente, ainda uma referência ao que o trabalho também sublinha e que faz parte do meu discurso habitual sobre estas questões. A educação, mesmo a educação escolar, não é um problema exclusivo de pais e professores, o excelente trabalho da EPIS prova-o. Como dizem os africanos, “para fazer uma casa bastam quatro homens, para educar uma criança é preciso uma aldeia”.

AS PALAVRAS FEIAS

Acho sempre muito interessante a ingenuidade voluntariosa com que muitos pais e outros adultos tentam instruir os miúdos para que não digam asneiras ou “palavras feias” como também lhes chamam. Como sabemos todos, passámos por esta estrada, não adianta, os miúdos aprendem as “palavras feias”, felizmente. Já tenho causado alguns embaraços quando digo coisas como achar que aquelas “palavras feias” não são palavras feias. E também quando digo que é “bom” dizer aquelas “palavras feias”, fazem bem ao nosso discurso e à nossa saúde mental, trata-se só de ajudar os miúdos perceber onde e com quem se podem dizer e os miúdos aprendem isso muito bem. Também digo que muitas vezes, não estando em circunstância de dizer uma “palavra feia”, penso cada uma, o que me permite, garanto-vos, ficar melhor.
Mas na verdade existem palavras feias, agora sem aspas, algumas mesmo muito feias. Maltratar é uma palavra muito feia. Abuso também é uma palavra feia. Desemprego é igualmente uma palavra muito feia. Também acho que sofrimento é uma palavra feia, tal como pobreza, palavra terrivelmente feia. Outra palavra que me parece muito feia é humilhação. Também acho ostentação uma palavra um bocadinho feia. E há muitas mais, podem descobrir.
Mas tal como com as “palavras feias” com aspas, também acho que estas palavras feias, sem aspas, devem ser usadas, muito usadas e é importante que os miúdos ao crescer vão percebendo também estas palavras feias se devem dizer. Pode ser que de tanto as usarmos elas se gastem e desapareçam.
Não me digam que não posso sonhar senão digo uma “palavra feia”.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

FILHOS, PRECISA-SE. URGENTE

Ao que os dados sugerem, vamos manter-nos em crescimento demográfico negativo em 2009. O futuro do país não parece assim muito risonho, encaminhando-se para o estabelecimento de uma reserva onde os portugueses restantes serão objecto de programas de protecção e recuperação enquanto espécie ameaçada.
Parece ser consensual que este comportamento das famílias, o abaixamento significativo ou mesmo a inexistência de filhos, estará associado a questões económicas, a situação de crise é naturalmente desfavorável, mas, sobretudo, à alteração dos estilos de vida e do quadro de valores.
Se as questões económicas podem ser de natureza conjuntural e minimizadas com apoios, (correctos e significativos), já me parece que as questões de valores e estilos de vida são de impacto mais significativo e de mais difícil alteração.
É conhecido, por exemplo, que as mulheres portuguesas são das que mais horas trabalham fora de casa. É conhecido que os modelos actuais de organização dos horários complicam fortemente a vida familiar. É conhecida a falta de respostas de qualidade e acessíveis à generalidade das pessoas para a guarda das crianças nos tempos laborais das famílias. O prolongamento sem fim da estadia dos miúdos na escola não é uma solução com qualidade, apesar de excelentes experiências pontuais e do empenho das pessoas envolvidas. É conhecido e afirmado por sociólogos e antropólogos que as gerações actuais parecem “amadurecer” mais tarde, o que implica alterações nos projectos de vida, que podem traduzir-se em parentalidade tardia ou a não inclusão da parentalidade nesses projectos de vida.
Dada a complexidade das questões envolvidas e a importância de que se reveste o crescimento demográfico negativo, julgo que se deveria abrir um alargado debate sobre estas questões para que não fossem consideradas como uma curiosidade pouco relevante como creio que serão para a maioria dos cidadãos.

PROCESSO CASA PIA, LEMBRAM-SE?

Aparece hoje na imprensa uma referência da Dra. Catalina Pestana à actuação da Juíza responsável pelo processo Casa Pia que ao descobrir factos novos nos materiais recolhidos levará ao eventual prolongamento. Esta referência permitiu recordar que o julgamento se iniciou em 2004 e que não se vislumbra o fim. Deu para ficar incomodado com o impacto negativo que este arrastamento, enredado em teias processuais e expedientes de manhosice jurídica, tem na representação que os portugueses têm do funcionamento da justiça.
Recentemente foi apresentado um livro da autoria de um dos jovens que terá sido vítima de abusos. Estes continuam a aguardar, provavelmente sem esperança, uma reparação formal, em sede de justiça, pelo que sofreram.
É minha convicção que a generalidade das pessoas estará convencida de que o julgamento “não vai dar nada” depois de anos de duração.
É assim que se alimenta uma das mais perigosas percepções sociais instaladas entre nós, a percepção de impunidade, de que não acontece nada, sobretudo a pessoas de mais elevado estatuto social.

OS RICOS MENDIGOS

Pode parecer estranha a formulação, mas uma das questões que me inquieta no que respeita à vida dos mais novos, é a situação de miúdos e adolescentes que, vivendo em situações de aparente conforto e bem-estar, acabam por se transformar em mendigos.
Existem muitos miúdos e adolescentes que têm imensos brinquedos, diria demais, e não têm com quem brincar. Pedem, por isso, companheiros de brincadeira.
Existem miúdos e jovens com muitos brinquedos e com pouco tempo para brincar. Pedem, por isso, tempo para brincar
Existem miúdos e jovens cheios de ferramentas de comunicação mas com poucas pessoas com quem, verdadeiramente, comuniquem. Pedem, por isso, gente com quem falar, mesmo.
Existem muitos miúdos e jovens com pais sem tempo para ser pais. Pedem, por isso, um tempinho para eles. Não tem que ser muito, só tem que ser para eles.
Existem muitos miúdos e jovens que se sentem mal, a aprender e a ser. Pedem, por isso, atenção. Pedir atenção não é o problema, é o sintoma.
Existem muitos miúdos que inventam personagens nas quais se escondem. Pedem, por isso, ajuda para os medos que os inquietam.
Existem muitos miúdos e jovens que são tratados como gente adulta. Pedem, por isso, que as pessoas não se esqueçam de que eles são miúdos e jovens.
A verdade é que, de facto, há mais gente a mendigar do que pensamos.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

RANKINGS, UM PRODUTO SAZONAL

O Outono, entre outras coisas bem mais interessantes, traz-nos a sazonal divulgação das classificações das escolas mais conhecida pela questão dos “rankings”. O Ministério divulga os resultados e dados relativos às escolas, alguma imprensa entretém-se a olhar para esses dados e produzem-se umas classificações “criteriosas”, com “indicadores ponderados”, utilizando “diferentes critérios”, etc. etc. Curiosamente, os estudos publicados concluem invariavelmente pela “supremacia das escolas privadas face às públicas”, que as escolas do litoral apresentam genericamente melhores indicadores que as do interior, como seria de esperar num país assimétrico e litoralizado, sendo ainda que os pólos de Lisboa, Coimbra, Porto e Braga acolhem as escolas que genericamente melhores resultados evidenciam, que as escolas das regiões autónomas mostram globalmente piores indicadores, etc. Parece-me claro que, para quem conhece minimamente o país, em particular o país educativo, estes dados são obviamente previsíveis. Embora entenda que os dados relativos aos resultados dos alunos possam e devam ser tratados e divulgados, a minha questão é “QUAL O CONTRIBUTO SIGNIFICATIVO QUE A ORGANIZAÇÃO E DIVULGAÇÃO DESTES “RANKINGS” OFERECE PARA A MELHORIA DA QUALIDADE DO SISTEMA?”. No meu entendimento a resposta é: “pouco relevante”, porque é possível antecipar os seus resultados sem grande margem de erro e porque não se traduzem em medidas de política educativa. E tanto mais relevante o será quanto menor é a qualidade de vida social, económica e cultural das populações, comprometendo de forma inaceitável princípios de equidade. Rankings? Uma treta liberal.
Sendo um defensor intransigente de uma cultura e prática de exigência, avaliação e qualidade, parece-me bem mais importante o aprofundamento dos mecanismos de autonomia e responsabilização e a constituição obrigatória em todos os agrupamentos ou escolas de Observatórios de Qualidade que integrem também elementos exteriores à escola. Existem capacidade técnica e recursos suficientes. O trabalho realizado por esses Observatórios, este sim, deveria ser divulgado e discutido em cada comunidade e passível de leituras cruzadas com os resultados nacionais.

A MINHA BICICLETA

Hoje tive de passar no que se chama uma grande superfície comercial dedicada ao desporto e ao passar na enorme secção das bicicletas lembrei-me da minha bicicleta de rapaz, senti uma nostalgia que nem imaginam.
Tive a sorte de ter uma bicicleta desde gaiato pequeno, oferta de tios generosos, por isso sempre me habituei a bicicletas até porque foi o veículo de transporte familiar até à adolescência, altura em que o orçamento lá de casa possibilitou a aquisição de uma motorizada para a família e na qual todos nos revíamos embevecidos, continuávamos em duas rodas é certo, mas sempre tinha motor.
Já mais crescido, a economia familiar tinha limites apertados e não chegava para uma bicicleta nova de roda 28 pelo que desenvolvi um empreendedor plano. Recolhia cobre de fios velhos de instalações eléctricas e latão, sobretudo dos casquilhos das lâmpadas, que trocava no ferro-velho do Gato Bravo por peças para a minha bicicleta. O quadro, as rodas, selim, o guiador, os travões, o dispositivo de iluminação com o dínamo na roda e a minha bicicleta foi crescendo, linda, através do que se poderia designar por um modelo pioneiro de “assembling”, com a ajuda sabedora e companheira do meu pai, um conhecedor de bicicletas e, sobretudo, um especialista em gente miúda. Não vos posso dizer a cor da minha bicicleta porque teve várias, era uma bicicleta personalizada.
De vez em quando, conseguia outro guiador, outro selim e a minha amada e invejada bicicleta sofria um “restyling”, até mudanças ganhou. Grandes voltas percorremos nós, quase sempre com o Zé Padiola, íamos à Costa da Caparica e à Fonte da Telha, até voltar para casa, sempre por estradas que há quarenta anos ainda nos permitiam andar de bicicleta sem os riscos actuais.
É certo que eu e ela também testámos o chão, mas éramos solidários e amigos, quando eu caía, ela acompanhava-me sem um queixume ou ponta de revolta.
Divertimo-nos a sério. Que saudades da minha bicicleta.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

AS CORES DO PAÍS

E pronto, podemos respirar de alívio, terminou um longo ciclo eleitoral. Com as europeias, as legislativas e as autárquicas realizadas tão perto, a vida política esteve subordinada à contabilidade eleitoral. Em todos os actos eleitorais, como é habitual em Portugal, todas as forças políticas foram ganhando, claro que umas mais que outras. Os resultados vão sendo torturados até dizerem o que qualquer analista ou político quer ouvir.
Os comentários aos resultados das autárquicas referem as mudanças nas cores do país e a imprensa esmera-se no colorido do tratamento gráfico.
Sendo um optimista moderado gostava de acreditar que as cores do país mudaram mas não estou assim tão convencido. É certo que a não eleição de figuras como Fátima Felgueiras ou Avelino ferreira Torres e a perda das maiorias absolutas de Valentim Loureiro e Isaltino Morais deixam o país menos negro mas pouco.
Por mais cor-de-rosa, laranja, vermelho ou azul que o país possa parecer, a vida de milhões de portugueses continua, e continuará nos próximos tempos, bem escura.
Depois do ciclo eleitoral, chega o novo governo e começa a guerra da governabilidade que não augura tempos tranquilos.
Talvez fosse o tempo de assumir seriamente a preocupação com as pessoas. Talvez muitos dos nossos cidadãos não estejam condenados a uma vida a negro. Talvez possam aceder a alguma cor nas suas vidas, a cor da esperança, por exemplo.

CADERNO DE ENCARGOS

João, são horas de te deitares. Já sabes.
Fizeste os trabalhos de casa?
Estudaste para o teste de história?
Já tens a mochila arrumada?
Não te esqueças da roupa para Educação Física.
Toma atenção nas aulas, não estejas de conversa e distraído.
Porta-te como deve ser.
Não gastes o dinheiro em porcarias no bar, come coisas de jeito.
Toma cuidado com a roupa, não a estragues nem sujes.
Não te esqueças de material na escola que está tudo muito caro.
Não andes com aquele Tiago que se só faz asneiras e depois tu vais atrás dele.
Tens o passe do autocarro? Toma cuidado, não o percas.
Pergunta à directora de turma se posso ir lá falar com ela.
Está ali o papel assinado para ires à visita de estudo, não te esqueças dele e pergunta a que horas deves estar na escola.
Vê lá se não passas o tempo a brincar, sem trabalho não se vai a lado nenhum. Vê lá o que aconteceu ao Rui do 3º andar, já chumbou três vezes.
Não leves o relógio para a escola, podem roubar-to.
No caminho da escola não fales com gente que não conheces.
Olha que não quero receber outro recado da Professora de Inglês porque lhe respondeste torto.
Vê como a tua prima Carolina é arrumada e se porta sempre bem.

Agora João, dorme descansado, amanhã é dia de escola.

domingo, 11 de outubro de 2009

A LIGAÇÃO ESCOLA-MEIO OU A DESLOCALIZAÇÃO EDUCATIVA

Uma das questões que frequentemente emerge nos discursos sobre a escola é a dificuldade de se estabelecerem relações eficazes entre a escola e o meio onde está inserida. Esta relação, quando boa, é geralmente entendida como promotora de motivação entre os alunos pela proximidade entre a cultura extra-escolar e a cultura escolar, bem como facilitadora do envolvimento de toda a comunidade na vida educativa o que contraria uma escola fechada e é uma condição de qualidade e eficácia no trabalho educativo. A PEC – Política Educativa em Curso tem assumido, nesta matéria, medidas contraditórias. Por um lado, fecha os alunos em escolas durante horas e horas por dia, fomentando sérios riscos de intoxicação que tarde ou cedo vão começar a surgir. Por outro lado, leva a escola para dentro de equipamentos da comunidade, estádios, quartéis e igrejas, por exemplo, ainda que de forma transitória pois, tão depressa quanto acabe a “requalificação do parque escolar”, os alunos voltarão a ser trancados nas escolas.
Mas é necessário ir mais longe nesta abertura, numa espécie de deslocalização educativa. É preciso que a escola trabalhe em espaços públicos como bibliotecas, associações desportivas, recreativas ou culturais. É preciso desguetizar a escola que vê os muros e as redes que as cercam tornar-se cada vez mais altos, sem que se perceba se é para evitar que alguns fujam ou para evitar que alguns entrem.
No fundo a escola é como o Natal, é quando, e onde, um aluno e um professor quiserem.

APELO DE CIDADÃO ELEITOR

Lamento, mas nem o trágico incidente em Ermelo, Mondim de Basto, me leva a suspender o veemente apelo que aqui apresento dirigido à classe política portuguesa, de todos os quadrantes e em todos os patamares.
Assim, apelo vivamente aos senhores integrantes da classe política que em dia de eleições evitem produzir comentários como “queria felicitar o povo português pela forma tranquila como está a decorrer, ou decorreu, o acto eleitoral”, “quero registar a normalidade que o povo português evidencia no cumprimento do seu dever cívico”, “os cidadãos mais uma vez mostram a sua maturidade democrática” ou ainda “o acto eleitoral está a decorrer com toda a normalidade em todo o território”. Considero afirmações desta natureza um insulto à esmagadora maioria dos cidadãos eleitores em Portugal. Que diabo pensam de nós, para se surpreenderem com a “normalidade” do nosso comportamento”. Então não é de esperar que participar num acto eleitoral seja algo de normal e tranquilo?
Lembro-me aqueles pais e professores que ao falarem de miúdos comentam de imediato “e até se portam bem”, como se o comportamento adequado seja uma surpresa e a excepção. Como se dizia no PREC, “repudio veementemente tais afirmações”.
Já agora, nós, os cidadãos que votamos, ou não, com normalidade democrática, gostávamos de poder comentar as campanhas dos políticos dizendo que tudo decorreu com a elevação, sentido ético e de esclarecimento normais. Mas não, existem sempre os insultos, a demagogia, a trafulhice nas ideias e nas promessas, a falta de esclarecimento e debate sério, etc.
A actividade política das lideranças é que não decorre com a normalidade e tranquilidade democráticas. Não tratem os cidadãos como gente incapaz e de quem sempre se espera o pior.

sábado, 10 de outubro de 2009

EPPUR SI MUOVE

É verdade, no entanto ela move-se. Ao que a história ou a lenda rezam, no séc. XVII Galileu Galilei reagiu com esta mítica afirmação à sua condenação no Tribunal do Santo Ofício pela defesa do modelo heliocêntrico, a Terra move-se em volta do Sol.
Do meu ponto de vista, a reconhecida perda da influência da Igreja Católica, sobretudo nos países mais desenvolvidos, deve-se ao seu imobilismo, à forma conservadora como não reage às óbvias mudanças sociais, políticas, económicas e culturais sustentando um progressivo afastamento da vida das pessoas.
No entanto, ela move-se. Aqui no meu Alentejo, soube que as Irmãs Carmelitas do Convento de Sta. Teresa em Coimbra que vivem em clausura, criaram uma conta de correio electrónico. Acho um passo muito significativo, introduzir o correio electrónico num regime de clausura conventual. É certo que, ao que ouvi, se pretende “apenas” facilitar a comunicação de eventuais milagres atribuíveis à Irmã Lúcia. Mas é um começo.
Depois pode acontecer alguma mudança no discurso sobre a anti-concepção, o casamento, o celibato dos padres, a abertura do sacerdócio às mulheres, a ostentação visível em parte da hierarquia da igreja, etc.
Eppur si muove.

(Foto de Fidalgo Pedrosa)

A minha fé assenta nas pessoas. Algumas pessoas abalam a minha fé.
A fé dos miúdos poisa nos crescidos. Alguns crescidos matam a fé dos miúdos.
A fé dos velhos está nos novos. Alguns novos traem a fé dos velhos.
É na falta da fé que crescem os deuses. Todos.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

OS JUÍZES QUE MALTRATAM MENORES

Ontem escrevi uma nota sobre a capacidade que cultivo de ainda me surpreender, por diferentes razões e em diferentes circunstâncias, boas e más. Esta é uma daquelas situações que ainda me surpreende, não devia, mas não consigo evitar. Há seis meses atrás, uma criança com oito anos, a Maria, foi retirada à família por ser objecto de maus-tratos, mendigava pela rua com a avó, andava suja e mal alimentada, não frequentava a escola, por exemplo. A família é composta por uma mãe com problemas sérios de saúde mental, é psicótica, e pela avó que tem debilidade mental, comportamento instável e agressiva. Sabemos que a institucionalização é um recurso e que se prolonga muitas vezes por tempo excessivo, mas torna-se necessário proteger as crianças de famílias disfuncionais e maltratantes.
Agora, com base num recurso da avó, o Tribunal da Relação de Lisboa decide entregar de novo a Maria à família concedendo uma “nova oportunidade” sem que se reconheçam alterações no contexto familiar. Se passados seis meses a coisa não correr bem então a Maria leva novo empurrão para outro qualquer canto.
Muitas vezes aqui me referi às “delinquentes” decisões de alguns juízes que apenas devem reconhecer “o supremo interesse da criança” como figura jurídica e não como princípio fundador inalienável das decisões que envolvam o bem-estar de crianças e jovens.
São conhecidas muitíssimas situações em que as consequências destas criminosas e inaceitáveis decisões foram trágicas, quer em Portugal, quer fora. O que será preciso acontecer de novo para que se reflicta seriamente na actuação de muitos juízes em matérias que envolvam menores?

HISTÓRIA DO RESIGNADO

Era uma vez um homem chamado Resignado, nome curioso não vos parece? Pois o Resignado desde pequeno foi educado e ensinado a ser o que se espera de um Resignado, ou seja, resignado.
Os pais sempre decidiram tudo o que lhe dizia respeito, quando era pequeno, mas também já mais crescido, mesmo em adulto. Diziam-lhe o que devia fazer, o que devia escolher, o que devia usar, como devia falar, com quem devia brincar, falar ou namorar, por onde devia andar, enfim, decidiam tudo o que podiam na vida dele, do Resignado.
Na escola, durante todo o tempo, comportou-se sempre conforme lhe era pedido, concordasse ou não, esforçou-se por aprender tudo o que lhe ensinavam, mesmo do que não percebia a utilidade. O Resignado não sendo um aluno muito popular entre os colegas, era estimado pelos professores, sobretudo pelos que gostam de alunos resignados.
A sua vida adulta decorreu da mesma forma, acomodou-se num emprego de que não gostava, casou-se com uma mulher que não amava, nem aprendeu a gostar, mas que os pais lhe indicaram como a mulher para a sua vida. O Resignado teve os dois filhos que a mulher lhe pediu, mas com quem sempre lidou mal por serem, dizia, muito rebeldes.
Partiu cedo o Resignado. Primeiro começou a sofrer de uma doença chamada tristeza, algum tempo depois o Resignado tomou a primeira grande decisão da sua vida. A última.

Nota – Tenho a companhia de Dead Can Dance, Into the Labyrinth. Ilustra de forma bonita a tristeza da vida do Resignado.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

OS ISALTINOS DO MEU DESCONTENTAMENTO

Contexto – Jornal televisivo
Cena – Peça sobre as eleições autárquicas
Script – Cena 1 - Enquanto em off uma voz divulga os resultados de uma sondagem sobre as eleições para a Câmara de Oeiras em que Isaltino Morais é dado como perto da maioria absoluta, as imagens mostram o próprio Isaltino Morais a sair de um edifício, creio que a Câmara, avançando com ar decidido, dentro de uma gabardina, entre vários figurantes enquanto tira umas baforadas de um visível charuto.
Cena 2 – Isaltino Morais, olha desafiante na direcção da câmara que o filma e num gesto assertivo e eficaz atira o charuto para o chão, mais precisamente para o canteiro de flores que compunha o cenário.
Nota 1 - Este personagem, Isaltino Morais, foi condenado em tribunal por fraude fiscal, abuso de poder, corrupção passiva para acto ilícito e branqueamento de capitais no âmbito das suas funções como presidente da autarquia.
Nota 2 – Os cidadãos de Oeiras consideram seriamente a hipótese de o eleger de novo.

Comentário - Pobre Portugal, estás entregue aos Isaltinos.

PERPLEXIDADES

Gosto de acreditar que ainda mantenho a capacidade de me surpreender, não simpatizo com aqueles discursos do tipo “já nada me surpreende”. No entanto, o ficar surpreendido tem três direcções, surpreendido pela positiva, por exemplo, pela beleza que surge inesperada de uma qualquer fonte, surpreendido pela negativa, o sofrimento por vezes causado a gente vulnerável ainda me surpreende ou, finalmente, surpreendido pela perplexidade, advinda, por exemplo, de algo sem explicação aparente e imediata, pelo menos para mim.
O JN de hoje apresenta um trabalho que me surpreende pela perplexidade. Em Portugal realiza-se um número cerca de 25% superior de operações às cataratas quando comparado com países com as mesmas características e para o mesmo quadro clínico. Não entendo. Sempre nos habituámos a ouvir as referências às extensas listas de espera para este acto cirúrgico que estão, aliás, na base das frequentes e polémicas deslocações a Cuba suportadas por muitas autarquias. Por outro lado, a decisão de operar é, obviamente, tomada por especialistas nos quais temos que confiar. Como explicar então esta discrepância? Opera-se sem necessidade em Portugal? Isto mexe com a confiança nos especialistas e não é muito animador. Estarão os outros países a operar de menos e, portanto, a descuidar dos seus cidadãos? É grave se assim for. Qual será então a verdadeira razão? Os esclarecimentos na peça do jornal não me parecem claros. Não acredito que seja por questões económicas, ou seja, a obtenção de rendimentos através de actos médicos desnecessários.
No entanto, como disse de início, ainda sou capaz de me surpreender.