quarta-feira, 31 de agosto de 2016

AS FÉRIAS DO MEU AMIGO CAJÓ

Hoje cruzei-me com o meu amigo Cajó, já vos tenho falado dele. É mecânico e tem um Punto kitado que é a menina dos seus olhos.
Tinha vindo de uns dias de férias que foram "5 estrelas" e de volta das "mines" recordou-as.
Como sempre, passa uns dias na tenda que a sogra, a D. Gorete, tem alugada o ano inteiro no parque de campismo da Costa da Caparica. É uma tenda grande com dois quartos e um avançado onde está o assador e a mesinha da televisão. As tendas estão um bocado em cima umas das outras, tanto que a D. Júlia, da tenda ao lado, vê a novela da tarde no aparelho da sogra do Cajó sentada no avançado da sua tenda. É tudo gente fixe, está-se bem.
O Cajó carregou o Punto à maneira, até lhe pôs umas barras que tinha lá na oficina para levar as cadeiras de plástico para a família e os colchões enrolados. Segundo ele, teve sorte com o tempo que fez na semaninha que passou na Costa.
De manhã, depois da bica, ia com a Odete e os miúdos até à praia, mas pouco tempo, que o Cajó não é menino de estar a torrar ao sol. Entretinha-se com as vistas que a praia por acaso até é muito bem frequentada, se estava maré para isso apanhava umas cadelinhas e lá pelo meio-dia deixava a Odete e os miúdos e vinha adiantar o almoço. No assador tratava das sardinhas que o sogro, o Sr. Abel, tinha ido buscar à praça. O Cajó fazia questão de as assar, ele é que tem o toque que elas precisam. Bom, era um cheirinho a sardinhas naquele parque que até chegava à praia. Com uma saladinha à maneira uma garrafinha de branco bem fresquinha graças ao frigorífico pequenino muito jeitoso que a D. Gorete tinha comprado para ter no parque, estavam 5 estrelas.
Depois da sardinhada ia com O Sr. Abel tomar a bica e meio uísque ao bar do parque e ficavam na palheta com o pessoal que já conhecia dos outros anos.
Entretanto, a Odete e a sogra ficavam no avançado a ver televisão e os miúdos iam brincar com os outros ou jogar playstation.
Ao fim da tarde, o Cajó ia com a malta dar uns toques para o campo de futebol de salão que há lá no parque, o desporto faz bem e até abre o apetite. Para o jantar, a família abria umas conservas ou ia buscar um franguinho assado ao café do Passarinho, ali bem perto do parque que era bem bom, em conta e marchava com uma saladinha e umas "bejecas". É preciso poupar e até dizem que as conservas são boas para a saúde.
À noite ia até ao bar do parque jogar uma suecada e aí estava um dia perfeito. Todas noites, quando voltava para a tenda com o Sr. Abel, o Cajó lhe dizia, “isto é que são umas férias, a porra é que prá semana já tou na oficina a vergar a mola”.
Só havia uma coisinha que chateava o Cajó. Na tenda da D. Gorete tinha que dormir com a Odete e os miúdos, a Micas e o Tólicas, no mesmo espaço e de dia estava sempre gente à volta, de maneira que, estão a ver, sente falta da Odete. É pá, mas não se pode ter tudo, pensava o Cajó antes de adormecer a sonhar com as sardinhas do almoço servidas por aquela miúda “podre de boa” que entra na novela que a D. Gorete e a Odete não perdem.
Belas férias, as do Cajó. Está, disse-me, pronto para mais um ano lá na oficina. E para uns biscates, é claro.
"Ganda" Cajó, é um cromo.

OS "ZERISTAS", OS DO "HORÁRIO ZERO"

Conhecidos os resultados do dispositivo de colocação de professores, que, como ontem escrevia, deveria ser um processo concluído antes de férias, parece verificar-se um aumento do número de professores sem turma atribuída.
Estes professores são os chamados “zeristas”, têm “horário zero”, uma expressão que desde a primeira vez que a ouvi me causa sempre algum inquietação.
Estes docentes que integram um grupo que já teve muitas centenas e que entre o desemprego e a repescagem serão agora menos são profissionais com anos de experiência avaliada e que estão sem alunos.
Conforme já escrevi frequentemente, entendo que as necessidades de docentes do sistema educativo constituem uma questão complexa e com múltiplas variáveis que deve ser tratada de forma séria, competente e serena o que não tem acontecido.
Para além das oscilações da demografia que são abordadas de forma habilidosa e não justificam a saída de dezenas de milhares de professores nos últimos anos, entre essas variáveis destacam-se a criação dos insustentáveis mega-agrupamentos, mudanças curriculares destinadas a poupar professores e o aumento de alunos por turma que, não servindo a qualidade da educação, reduziu o número de lugares de docentes.
Este quadro promoveu, naturalmente, um problema de absorção de muitos docentes, já no sistema, e que correm o risco de passar aos chamados “horários zero”, bem como na estabilização dos que se mantêm contratados durante anos por conta das eternas necessidades transitórias.
Conhecendo os territórios educativos do nosso país, sempre defendi fazer sentido que os recursos que já estão no sistema, pelo menos esses e incluindo os contratados com muitos anos de experiência, fossem aproveitados, por exemplo, em trabalho de parceria pedagógica, para possibilitar a existência em escolas mais problemáticas de menos alunos por turma ou ainda que se utilizassem em dispositivos de apoio a alunos em dificuldades. Estas medidas no âmbito de uma autonomia real das escolas seriam possíveis e um contributo importante.
Os estudos e as boas práticas mostram que a presença de dois professores na sala de aula são um excelente contributo para o sucesso na aprendizagem e para a minimização de problemas de comportamento bem como se conhece o efeito do apoio precoce às dificuldades dos alunos.
Sendo exactamente estes os dois problemas que afectam os nossos alunos, talvez o investimento resultante da presença de dois docentes ou de mais apoios aos alunos, compense os custos posteriores com o insucesso, as medidas remediativas ou, no fim da linha, a exclusão, com todas as consequências conhecidas.
É só fazer contas. Em educação, apesar da necessidade de contenção e combate ao desperdício não existe despesa, existe investimento.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

A PROVA DE OBSTÁCULOS QUE NÃO TEM FIM

Foi hoje divulgado um ensaio da Fundação Francisco Manuel dos Santos. “Pessoas com deficiência em Portugal” em que se analisa os problemas e contextos de vida da população com deficiência nas últimas décadas. Não tendo ainda acesso ao trabalho cito do Público uma síntese do autor, Fernando Fontes, da Universidade de Coimbra, “Desde os anos 1980, as mudanças reais nas vidas das pessoas com deficiência em Portugal têm sido mínimas: os benefícios sociais são insuficientes para elevar a vida das pessoas acima da linha de pobreza, os problemas no acesso ao emprego mantêm-se e continuam a ser excluídas por um sistema de ensino que não considera as suas necessidades e por um mercado de trabalho que exclui a diferença”.
Em primeiro lugar deve dizer-se que, como acontece em outras áreas, a legislação portuguesa já tem alsuns aspectos globalmente positivos,. No entanto, no caso da educação e do direito à independência e autonomia, por exemplo, é urgente promover mudanças pois o quadro actual não é promotor dos direitos e da inclusão.
Por outro lado, em muitos aspectos a qualidade da sua operacionalização e falta de eficácia e operacionalização são bem evidenciadas na tremenda dificuldade que milhares de pessoas experimentam no dia-a-dia que decorre, por exemplo, da falta de fiscalização relativa às questões das acessibilidades e barreiras nos edifícios, mobiliário urbano e acessibilidade em geral.
De facto, existem ainda muitos serviços públicos e outro tipo de equipamentos de prestação de serviços com barreiras arquitectónicas intransponíveis, a que os cidadãos com deficiência só podem aceder com ajuda de terceiros e, mesmo assim, com dificuldade. Os transportes públicos de diferente natureza também colocam enormes problemas na acessibilidade por parte de pessoas com mobilidade reduzida.
As normas de construção não são respeitadas, mantendo-se em edifícios novos a ausência de rampas ou a sua existência com desníveis superiores ao estabelecido, constituindo, assim, um risco sério de queda.
Para além deste quadro, suficientemente complicado, ainda há que contar com a prestimosa colaboração de muitos de nós que estacionamos o belo carrinho em cima dos passeios, complicando ou proibindo, naturalmente, a circulação de cadeiras de rodas. Os passeios, nem sempre com as medidas determinadas por lei, são, por vezes e quase na totalidade, ocupados com esplanadas que, claro, são só mais uma dificuldade para muita gente.
A vida de boa parte das pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, que tanto ampliam de forma inaceitável problemas decorrentes da sua condição como minimizam os seus direitos.
Também para as crianças com deficiência e respectivas famílias a vida é muito complicada face à qualidade e acessibilidade aos apoios educativos e especializados necessários apesar do empenho e profissionalismo da maioria dos profissionais que trabalham nestas áreas. Os tempos que correm são particularmente gravosos nesta matéria como muitas vezes tenho afirmado.
Como é evidente, existem muitas outras áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente apoios sociais, qualificação profissional e emprego, em que a taxa de pobreza, a vulnerabilidade e o risco de exclusão, a taxa de desemprego são muitíssimo superiores às verificadas com a população sem deficiência.
Uma referência particular a uma dimensão em quase tudo está por fazer, a independência e autodeterminação das pessoas com deficiência considerando a política de institucionalização que tem vigorado.
De facto, o estado subsidia as instituições para apoio a deficientes em 951€ mais uma parte dos rendimentos dos cidadãos institucionalizados mas não apoia as próprias pessoas que poderiam encontrar por sua iniciativa respostas e, provavelmente, com menores custos. Os cidadãos com deficiência exigem também assumir a decisão sobre a escolha do seu cuidador(a) dada a natureza da relação que se estabelece.
Mas é esse o entendimento subjacente a boa parte das políticas sociais, os pobres, tal como as pessoas com deficiência, não sabem tomar conta de si, precisam sempre da presença de uma instituição prestadora de cuidados, não são autodeterminadas, independentes.
Como é evidente, este discurso não pretende tornar dispensáveis as instituições, são necessárias particularmente em situações de crise ou de problemáticas mais severas, mas, simplesmente, de defender que as pessoas, muitas delas, são capazes de tomar conta de si próprias, incluindo a gestão dos apoios que a sua situação possa justificar.
No fundo, é, simplesmente, uma questão de direitos individuais e sociais.

AINDA NÃO É DESTA

Ao que parece, ainda não é desta que o ano lectivo arranca com toda a gente a bordo e nos seus lugares, professores, funcionários e alunos.
É claro que existe um ganho face ao catastrófico ano de 14/15 mas as escolas ainda não têm os docentes e os funcionários de que precisam e alguns alunos ainda não conhecerão a escola.
É difícil pensar que é impossível ter antes de férias todos os professores e funcionários colocados de acordo com as necessidades e as famílias com conhecimento antecipado dos estabelecimentos em que terão os filhos.
Para além dos impactos óbvios na programação e conhecimento prévio das realidades educativas para os professores que se deslocam, também do ponto de vista pessoal a situação é lamentável. Muitos professores terão que ter a mala preparada rapidamente e de novo se fazerem à estrada, muitos num repetido e angustiante ritual há vários anos vivido. É uma experiência que rouba bem-estar, que alimenta a precariedade dos projectos de vida e da estabilidade familiar.
É uma questão de recursos? De processos? É uma fatalidade de que não nos livramos?
Ou é mesmo e fundamentalmente incompetência?

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

DAS LEIS NECESSÁRIAS

Foi hoje publicado o Decreto-Lei n.º 58/2016 que determina que em todas as entidades “públicas e privadas, singulares e colectivas que prestem atendimento presencial ao público” as pessoas com deficiência, grávidas, com crianças pequenas e idosos passam a ter direito, agora em forma de lei, a atendimento prioritário.
Vejamos o seu artigo 3º.
Dever de prestar atendimento prioritário
1 — Todas as pessoas, públicas e privadas, singulares e colectivas, no âmbito do atendimento presencial ao público, devem atender com prioridade sobre as demais pessoas:
a) Pessoas com deficiência ou incapacidade;
b) Pessoas idosas;
c) Grávidas; e
d) Pessoas acompanhadas de crianças de colo.
2 — Para os efeitos estabelecidos no presente decreto-lei, entende -se por:
a) «Pessoa com deficiência ou incapacidade», aquela que, por motivo de perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de funções ou de estruturas do corpo, incluindo as funções psicológicas, apresente dificuldades específicas susceptíveis de, em conjugação com os factores do meio, lhe limitar ou dificultar a actividade e a participação em condições de igualdade com as demais pessoas e que possua um grau de incapacidade igual ou superior a 60 % reconhecido em Atestado Multiusos;
b) «Pessoa idosa», a que tenha idade igual ou superior a 65 anos e apresente evidente alteração ou limitação das funções físicas ou mentais;
c) «Pessoa acompanhada de criança de colo», aquela que se faça acompanhar de criança até aos dois anos de idade.
3 — A pessoa a quem for recusado atendimento prioritário, em violação do disposto nos números anteriores, pode requerer a presença de autoridade policial a fim de remover essa recusa e para que essa autoridade tome nota da ocorrência e a faça chegar à entidade competente para receber a queixa nos termos do artigo 6.º
Algumas notas.
Idealmente, uma sociedade desenvolvida, eticamente saudável e atenta a todos os seus elementos e às suas necessidades não deveria precisar de leis desta natureza. No entanto, de há muito que aprendi que a realidade não é a projecção dos meus desejos apesar de muitos discursos de lideranças políticas definirem o que é a realidade por maior que seja a diferença entre o que dizem e o que vemos e sentimos.
Esta questão e sobretudo o disposto no ponto 3 recordou-me um episódio passado não há muito tempo num evento realizado numa cidade alentejana e dedicado às questões da inclusão, em particular das pessoas com deficiência e no qual colaborei.
Uma das pessoas presentes, que se desloca em cadeira de rodas, contou uma história interessante e elucidativa.
Ao deslocar-se de automóvel para uma zona comercial da cidade onde vive e quando se preparava para estacionar no espaço reservado a pessoas com deficiência, estava a estacionar um cidadão sem deficiência a quem o nosso amigo chamou a atenção para a sua condição e para o facto de aquele ser um espaço reservado.
Sintetizando a história, acabou por ouvir do "cidadão" que "tinha sorte em ser deficiente porque se o não fosse as coisas não ficavam assim". Esclarecedor.
O meu amigo, homem que entende não dever resignar-se procurou um agente da autoridade para apresentar queixa da ameaça e da infracção.
O agente da autoridade aconselhou o nosso amigo a não se "chatear" só por causa de um lugar de estacionamento. O nosso amigo não aceitou o conselho e continuou a reclamar os seus direitos. Acontece que é brasileiro e o agente da autoridade acabou por achar que ele devia era estar no país dele em vez de andar por aqui a chatear cada um.
Creio que é dispensável comentar quer a atitude do "cidadão", quer a atitude e comportamento do "agente da autoridade".
Por este tipo de coisas e a regularidade com que acontecem, o nosso amigo que usa a cadeira de rodas dizia que mais do que o "peso" da cadeira de rodas é difícil suportar as dificuldades criadas pelas atitudes e valores de muitas pessoas.
É só um exemplo do muito que está por fazer.
Assim sendo, que se protejam legalmente os direitos das pessoas bem como se regulamentem os deveres. Pode ser que contribua para a mudança de comportamentos.

domingo, 28 de agosto de 2016

O MONOPÓLIO DA EDUCAÇÃO, A LIBERDADE DE ESCOLHA E OS CONTRATOS DE ASSOCIAÇÃO. O SENHOR PADRE ESTÁ ENGANADO

O Senhor Padre Nuno Gonçalves, antigo provincial dos jesuítas em Portugal, antigo director da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Braga e próximo reitor da Universidade Gregoriana em Roma expressa em entrevista ao JN a sua preocupação com o rumo recente da educação em Portugal.
O Senhor Padre entende que o “Estado quer ter o monopólio da educação”, dá como exemplo a actual questão em torno dos contratos de associação e retoma a questão da liberdade de escolha.
Não pensava voltar a este tema mas … tem que ser.
Com todo o respeito, o Senhor Padre está enganado, por assim dizer e para ser simpático.
Em primeiro lugar o Senhor Padre sabe que o Artigo 75.º da Constituição - Ensino público, particular e cooperativo, afirma:
1. O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população.
2. O Estado reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei.
Com este quadro o Senhor Padre não pode, evidentemente, entender a existência de monopólio, estamos a falar de direitos e não de negócios como o Senhor Padre deveria perceber.
Em segundo lugar, de novo e sempre, a referência à liberdade de escolha, seja lá isso o que for. O Senhor Padre sabe com toda a certeza que os contratos de associação têm nada a ver com liberdade de escolha, seja lá isso o que for. Aliás, nem sei qual será o entendimento do Senhor Padre sobre o que será liberdade de escolha..
O estabelecimento de contratos de associação quando não existe resposta pública ou é insuficiente constitui uma forma legalmente definida e mantida quando necessário de cumprir o direito à educação consagrado constitucionalmente.
Financiar estabelecimentos de ensino privado quando existe na mesma zona resposta pública suficiente é alimentar negócios privados com dinheiros públicos.
Os negócios privados sujeitam-se às regras da oferta e da procura não ao dinheiro público dos contribuintes.
O Senhor Padre sabe evidentemente que assim é, os contratos de associação aplicam-se em 3% do universo dos colégios privados. Monopólio?! Liberdade de escolha?! Totalitarismo?! É muito feio mentir e nem lhe fica muito bem falar de totalitarismo.
Insisto numa dúvida. Nunca dei conta da preocupação do Senhor Padre com os muitos milhares de crianças que foram deslocalizados devido ao encerramento das suas escolas e a concentração de alunos em Centros Educativos e mega-agrupamentos e, tão pouco, com o destino de milhares de professores que em consequência de políticas educativas que mais pareciam políticas contabilísticas foram empurrados para fora do sistema.
Estava distraído Senhor Padre? Também não acompanha a imprensa?
Na verdade Senhor Padre, o Senhor sabe muito bem disto tudo. A questão é, como sempre, uma questão de agenda de interesses. Tudo bem, batemo-nos pelo que defendemos, mas diga-o com clareza.

GOSTEI DE LER, "QUANDO A VOZ SE CALA, TAMBÉM A GUITARRA PORTUGUESA CANTA"

No Público encontra-se um trabalho muito interessante e que chama a atenção para importância e beleza de um dos nossos tesouros culturais, a guitarra portuguesa.
Como o enorme Carlos Paredes, entre outros, já tinha demonstrado, a guitarra portuguesa é muito mais que instrumento de acompanhamento designadamente no fado embora, naturalmente, faça parte desse ambiente único, o fado. É um instrumento com um som único e que soa a nosso.
Importa que se valoriza e incentive a criação e o ensino desta arte.
Recordo Carlos Paredes numa das suas mais conhecidas e bonitas obras, "Verdes anos".

sábado, 27 de agosto de 2016

A CONSTITUIÇÃO NÃO É COMO O SOL

Subvenções vitalícias suspensas já começaram a ser repostas

Vão começar a ser repostas com retroactivos as subvenções vitalícias superiores a 2000€ atribuídas pelo desempenho de cargos políticos que tinham sido suspensas pelo Governo anterior. A medida foi anulada pelo Tribunal Constitucional.
Aguarda-se que à luz de um princípio constitucional de igualdade perante a lei o Tribunal Constitucional decida que devam ser anulados todos os cortes a salários e pensões que se verificaram nos últimos anos.
A verdade é que a Constituição não é como o Sol, quando nasce não é para todos.
Bom, o Sol também já não é de acesso tão democrático, quem o vê melhor paga mais IMI.
Temos que ser uns para os outros. Trata-se da geometria variável dos direitos, variam consoante o estatuto.

QUANDO UM CÃO É GENTE

Ao passar os olhos pela imprensa reparei que ontem se assinalou o Dia Mundial do Cão. Foi impossível não recordar o meu grande Amigo e Companheiro de muitos anos, o Faísca, um RP, rafeiro puro, pequeno e rijo que nos fez companhia durante muito tempo. Há quase seis anos, no dia em que tive de o acompanhar numa última viagem cuja lembrança ainda hoje me emociona, escrevi este texto a pensar que um cão também pode ser gente.
“O meu Faísca foi dar um passeio muito grande, aquele passeio de onde não se volta. Alguns de vós, os que por aqui passam há mais tempo, conhecerão algumas das histórias com o Faísca. A estrada dele teve que ser abreviada para evitar mais males de sofrimento, não lhe perguntámos, não soubemos como, mas acho que a dignidade dele diria que sim.
O Faísca fazia parte da família, vivia aqui em casa há dezassete anos. Dizem que um ano na vida dos cães equivale a vários anos na vida das pessoas. Os dezassete do Faísca para nós parecem que foram o sempre, sempre aqui esteve. Também acho que os dezassete anos do Faísca serão o sempre, irá certamente aparecer nas conversas cá de dentro.
Era um companheiro dos bons, sempre atento nas conversas longas ou curtas que mantínhamos com ele. Mesmo quando nos últimos anos ficou completamente surdo, sentava-se olhava e compunha aquele ar que nos fazia sentir escutados. Quando algum de nós entrava em casa o seu ar de satisfação, aos pulos e de rabo a bater eram genuínos, nunca chegou a aprender com os humanos os fingimentos dos afectos. Quando fazia uns disparates sentava-se de lado a observar, sereno, sem grandes agitações, com ar de "foi sem querer" e de olhos a pedir desculpa.
Foi uma companhia sempre presente nos últimos anos do Avô Gila, com uma cumplicidade entre eles que só encontramos nos miúdos saudáveis e que às vezes nos fazia arreliar para rirmos logo a seguir, é natural, miúdos juntos, às vezes dá asneira.
É verdade, tenho de o reafirmar para me convencer, o Faísca partiu, provavelmente vai encontrar a Tita. A Tita era uma gata do campo que também já foi e com quem, desmentindo a tradição, o Faísca se enroscava na soleira da porta a apanhar o sol das tardes de inverno lá no Meu Alentejo, cena bonita de se ver.
Pois é companheiro, havemos ainda de nos encontrar, muitas vezes. Nas teias que a memória tece.”
Como hoje.

DOS NEGÓCIOS DA EDUCAÇÃO. OS MANUAIS ESCOLARES

Nada de novo, é uma prática habitual.
Na verdade os negócios da educação têm múltiplas vertentes, sempre a pensar, evidentemente, nos interesses dos alunos e das famílias.
Como já tenho escrito talvez pudéssemos caminhar no sentido de contrariar o que costumo designar por uma excessiva manualização do ensino que emerge de práticas pedagógicas pouco diferenciadas muito decorrentes de conteúdos curriculares demasiado extensos, prescritivos e normalizadores. Seria desejável atenuar a fórmula predominante, o professor ensina com base no manual o que o aluno aprende através do manual que o pai acha muito importante porque tem tudo o que professor ensina.
O número de alunos por turma mais adequado à qualidade do trabalho de alunos e professores seria também um facto contributivo para este cenário. A acontecer e está anunciado, permitiria a alunos e professores um trabalho de pesquisa e construção de conhecimentos com base noutras fontes incrementando, por exemplo, a acessibilidade a conteúdos e informação diversificada que as novas tecnologias oferecem. 
A questão é que os manuais escolares constituem um importantíssimo nicho de mercado potenciado pela enorme quantidade de materiais que os acompanha. Como exemplo é de registar que a gratuitidade dos manuais para o 1º ano envolve um montante de três milhões de euros. É um nicho de mercado com muito peso, cerca de 80 milhões de euros, de que os donos deste mercado não querem abdicar, recebam das famílias ou recebam do Estado através da gratuitidade.

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

POSTAL DA PRAIA - UM BURKINI? AFINAL NÃO ERA

Hoje de manhã preparava-me para um banho de mar nas mais bonitas praias do mundo, as da Costa da Caparica (estou a falar das prais e não do envolvimento) quando, de repente, me inquietei, alguém de burkini saía da água.
Não pode ser, pensei, isto tem que ser proibido, é muito perigoso e atentatório.
Mais perto reparei melhor, era uma jovem que saía da água com o seu fato de surf e com um lenço amarrado na cabeça.
Fiquei bastante mais descansado.
Assim está bem.

POSTAL DA PRAIA - A birra do pé descalço

Numa das últimas manhãs de praia, a lida começa a bater à porta, tropecei com mais uma história.
O passadiço de acesso à praia é construído com tábuas e não é particularmente largo. Íamos caminhando no sentido da praia e o "trânsito" começa a parar porque uma senhora e o filho, uns três ou quatro anos de gente, tinham decidido que era a hora da birra.
A coisa, dava para perceber porque o botão do volume estava em posição que o permitia, acontecia porque o miúdo decidiu que ia descalço e tinha os chinelos no chão ao lado dos pés para a mãe levar.
A mãe não pegava nos chinelos e explicava, não sei se há muito tempo, eu só ouvi meia dúzia de vezes, que o menino não podia ir descalço porque podia haver pregos nas tábuas e ele se magoava.
Entre as repetições da explicação interrogava-se, sempre com o volume elevado, "que teimoso, porque é que tu não és como as outras crianças?" enquanto olhava para nós, assistentes engarrafados no passadiço. O resultado não era brilhante porque a criança, quando era sua deixa, insistia em continuar descalço.
Por impaciência, as birras são para terminar não para alimentar, com alguma habilidade e pedindo licença, lá consegui passar pelo "teatro de operações" e pensei em dois equívocos em que aquela mãe se “sentava”.
Primeiro, muito provavelmente aquela criança será exactamente como as outras e, por isso mesmo e segundo equívoco, naquela altura já não precisava de explicações sobre o risco dos pregos. Precisa de uma coisa mais simples, que a mãe lhe calçasse serenamente e com firmeza os chinelos, lhe desse a mão e caminhassem para a praia a ver quem chegava primeiro à agua.
Não é assim muito complicado. 

O AUMENTO DO NÚMERO DE ALUNOS COM NEE. SERÁ?

No Público de ontem o Professor Filinto Lima publicou um texto “Quo vadis, Educação Especial?” no qual alertava para um conjunto de problemas relativos à presença de alunos com necessidades educativas especiais nas escolas regulares.
O texto tinha como base o aumento do número de alunos com NEE em escolas de ensino regular verificado nos últimos anos.
Cito, “O número de alunos com necessidades educativas especiais (NEE) a frequentarem escolas regulares de ensino, aumenta ano após ano, parecendo existir relativo descontrolo quer por parte do ministério da Educação, quer por parte das escolas com dificuldades em suster esta evolução desmesurada.
Como tive oportunidade de já ter escrito em texto de opinião no Público esta afirmação deve ser produzida e interpretada com alguma prudência pois creio que podem estabelecer-se alguns equívocos.
O que sucessivos relatórios vão mostrando é que aumenta o número de alunos destinatários de dispositivos de apoio educativo o que na verdade não significa que tenham NEE e, por outro lado, em anos anteriores e por razões já muitas vezes abordadas existiam alunos com dificuldades e sem qualquer apoio, ou seja em anos anteriores não tínhamos menos alunos com NEE mas sim menos alunos apoiados em consequência das políticas educativas o que não é a mesma coisa.
Concretizando, segundo a Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, entre 2010/2011 e 2014/2015, o número de alunos com NEE subiu 73,5%, de 45.395 para 78.763. Este nível de aumento não pode, evidentemente, significar o aumento de casos de NEE mas sim de alunos apoiados com a justificação de que apresentam NEE. Vejamos porquê.
De facto, por efeito de filtros de uma natureza discutível na disponibilização de apoios e recursos a alunos que evidenciam dificuldades, o número de alunos com apoio educativo era muito menor do que o número de alunos que dele necessitavam e das estimativas de necessidades com base em critérios internacionalmente aceites. Esta recorrente situação tem sido objecto de análise quer pela Inspecção-Geral de Educação, quer pelo Conselho Nacional de Educação
Neste cenário, por pressão dos professores e pais confrontados com muitos alunos a necessitar de ajuda começou a verificar-se progressivamente que, mesmo com os normativos desfavoráveis que filtravam o acesso a apoios, as escolas foram tentando com os recursos disponíveis providenciar algum tipo de ajuda o que contribui para esta subida fortíssima de alunos com NEE em apoio nas escolas portuguesas.
No entanto, este aumento não significa, não conheço estudos que o suportem, uma alteração com o mesmo grau de significado no padrão e quadros de necessidades dos alunos no que se refere, sublinho, a situações de NEE apesar da confusa e pouco sólida definição e conceitos que os normativos utilizam. A estranha diferença entre o carácter permanente ou “transitório(!)” das NEE que um aluno possa evidenciar é apenas um exemplo.
Por outro lado, um sistema educativo que tem vindo a tornar-se cada vez mais “normalizado” (currículos extensos, prescritivos, assentes em centenas de metas curriculares por disciplinas), competitivo, selectivo (“darwinista”), assente em filtros sucessivos, os exames, os rankings, os incentivos às escolas com sobrevalorização da avaliação externa dos alunos, etc. acaba, necessariamente, por se tornar incapaz de acomodar as diferenças entre os alunos, nem sequer estou a falar de NEE, e induz um aumento do número de alunos que podem sentir dificuldade em acompanhar o “ritmo” do trabalho.
Mais uma vez, por inexistência de recursos de outra natureza, muitas escolas providenciam alguns apoios a esta franja de alunos através dos dispositivos de educação especial o que também contribui para o aumento do número de alunos apoiados considerados como apresentando NEE.
Tudo isto considerado surge o que considero a questão central, que apoios e recursos estão a ser disponibilizados a alunos, professores e pais? Serão suficientes, quer em docentes (apesar do aumento verificado), técnicos (número de psicólogos baixou) ou assistentes operacionais? Serão adequados? Contribuem para o sucesso real dos alunos considerando todas as suas capacidades e competências? São informadas por princípios de educação inclusiva cujo critério fundamental é a participação, tanto quanto possível, nas actividades comuns das comunidades escolares?
Gostava de ser mais optimista até porque estão em preparação alterações nesta matéria a verdade é que apesar do esforço notável da generalidade das direcções escolares, dos professores, técnicos e assistentes, da existência de práticas e experiências de excelente nível, a realidade está aquém do que seria desejável.
Assim, a inquietação de professores e pais é como responder de forma adequada e exigente, sim devemos ser exigentes, às necessidades e dificuldades educativas ou escolares de todos os alunos que em qualquer circunstância as possam evidenciar, independentemente da sua natureza. Aliás, a necessidade de uma avaliação educativa sólida e competente das reais necessidades ou dificuldades é o primeiro passo para uma resposta adequada.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

DA FLEXIBILIZAÇAO CURRICULAR

O ME, em colaboração com a Associação de Professores de Matemática e Sociedade Portuguesa de Matemática, divulgou uma orientação no sentido de possibilitar às escolas e em particular aos professores de Matemática a flexibilização da gestão do programa de Matemática e das respectivas metas nos ensinos básico e secundário.
Esta flexibilização assenta em duas dimensões essenciais, cito do Público, “Os conteúdos podem passar a ser leccionados ao longo do mesmo ciclo, passando a ser admitida a possibilidade de haver objectivos a atingir em anos diferentes do inicialmente previsto ou mesmo em ciclos diferentes” e “as matérias que sejam consideradas “não fundamentais” passam a poder ser facultativas em função das necessidades da turma e dos ritmos de aprendizagem dos seus alunos.”
Não está na agenda uma mudança nos conteúdos que, recorde-se foram alterados há pouco tempo e quando terminava o período de generalização do Programa anterior no caso do Básico.
Por princípio, parece-me ajustado um caminho de flexibilização e mais ainda em consenso com as associações profissionais na definição de orientações em matéria de política educativa.
É certo que parece existir um entendimento generalizado sobre a demasiada extensão dos actuais programas de Matemática e da forma como estão definidas as metas. No entanto, percebo a prudência da alteração, mais uma, dos programas e metas, mas creio que pode causar algum ruído, por exemplo, a definição do que são “matérias não fundamentais” e que passam a ser facultativas.
Finalmente, também me parece que o impacto positivo de uma flexibilização da gestão curricular não decorre  “apenas” de questões do centradas no currículo. Envolve, por exemplo, recursos docentes, turmas com efectivos adequados, apoios a alunos e professores em tempo oportuno, suficientes e competentes.
É nesta área que temo que se constituam alguns obstáculos aos efeitos potencialmente positivos de uma orientação de “flexibilização curricular” sobretudo quando lidamos com currículos pouco flexíveis”.
A ver vamos.

PROFESSORES, UMA CLASSE ENVELHECIDA E DESVALORIZADA (Take 2)

2016 será o ano que em menos professores se reformarão, 474 até Setembro e certamente menos de 1000 até ao final do ano.
Antes de umas notas, importa não esquecer que segundo o Relatório “Perfil do Docente”, divulgado em Julho pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, entre 2004/2005 e 2014/2015 abandonaram 42165 professores, 25% dos que estavam em 2004/2005. A saída verificou-se em todos os patamares de ensino mas com maior significado no 3º ciclo e no secundário (40% dos que saíram) quando nos últimos anos a população escolar no secundário até subiu devido ao alargamento da escolaridade obrigatória.
No ensino público registaram-se 98% dos abandonos, as escolas públicas tiveram quatro vezes mais saídas que os estabelecimentos privados.
Segundo o mesmo relatório e considerando dados de 14/15 apenas 1.4% dos docentes que leccionam em escolas públicas têm menos de 30 anos, não chegam a 500.
Acresce que o grupo etário com mais de 50 anos é o mais representado, 39.5%. Se a este grupo adicionarmos o escalão imediatamente anterior, 40 aos 49, temos que 77,3% dos docentes estão nos dois grupos mais velhos.
Se agora juntarmos o baixo número de saídas para aposentação e como escrevia há umas semanas, num país preocupado com o futuro este cenário faria emitir, como agora se usa, um alerta vermelho e agir em conformidade.
Como é reconhecido em qualquer sistema educativo a profissão docente é altamente permeável a situações de burnout, estado de esgotamento físico e mental provocado pela vida profissional, associado a baixos níveis de satisfação profissional.
Recordo um estudo recente realizado pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA-IU) segundo o qual cerca de 30% dos perto de 1000 professores inquiridos revela risco de burnout.
Os professores mais velhos, do ensino secundário ou os que lidam com alunos com necessidades educativas especiais apresentam níveis mais elevados de burnout e sentem mais a falta de reconhecimento profissional.
Como causas mais contributivas para este cenário de stresse profissional são identificadas turmas com elevado número de alunos, o comportamento indisciplinado e desmotivação dos alunos, a pressão para os resultados, insatisfação com as condições de desempenho, carga horária e burocrática, falta de trabalho em equipa, falta de apoio e suporte das lideranças da escola.
Na verdade, os dados só podem surpreender quem não conhece o universo das escolas, como acontece com boa parte dos opinadores que pululam pela comunicação social perorando sobre educação e sobre os professores. Aliás, esta situação verifica-se noutros países, sendo que para além dos professores, os profissionais de saúde e de apoios sociais também integram os grupos profissionais mais sujeitos a stresse e burnout.
Este quadro é inquietante, uma população docente envelhecida e a revelar preocupantes sinais de desgaste.
Também se sabe que as oscilações da demografia discente não explicam a saída de milhares de professores do sistema, novos e velhos, como também não explicam a escassíssima renovação, contratação de docentes novos. Sem estranheza, no universo do ensino privado é bastante superior a presença de docentes mais jovens. Não esqueçamos ainda a deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm empreendido um empenhado processo de desvalorização dos professores com impacto evidente no clima das escolas e nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais
Sabemos que os velhos não sabem tudo e os novos nem sempre trazem novidade. Mas também sabemos que qualquer grupo profissional exige renovação pelas mais variadas razões incluindo emocionais, de suporte, partilha de experiência ou pela diversidade.
As salas de professores são cada vez mais frequentadas, quando há tempo para isso, por gente envelhecida, cansada que se sente desvalorizada, pouco apoiada que muitas vezes pergunta "Quanto tempo é que te falta?"
Na verdade, ser professor é uma das funções mais bonitas do mundo, ver e ajudar os miúdos a ser gente, mas é seguramente uma das mais difíceis e que mais respeito e apoio deveria merecer. Do seu trabalho depende o nosso futuro, tudo passa pela educação e pela escola.
Os sistemas educativos com melhores resultados são, justamente, os sistemas em que os professores são mais valorizados, apoiados e reconhecidos.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

GOSTEI DE LER, "O JORNALISMO TEM RAZÕES PARA SE ARREPENDER TODOS OS DIAS"

Gostei de ler o texto de José Vítor Malheiros "O jornalismo tem razões para se arrepender todos os dias", no Público.
(...)
Estas circunstâncias têm todas algo em comum. São todas contrárias à deontologia que rege o jornalismo, que obriga a uma total independência dos poderes e à adopção de uma atitude de equidade e saudável cepticismo em relação à informação recebida das fontes, oficiais ou não.
(...)

"SUBSÍDIO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL". ALGUMAS NOTAS SOBRE A NOVA LEGISLAÇÃO

Foi hoje publicado o Decreto Regulamentar n.º 3/2016 que regulamenta a atribuição do “subsídio de educação especial a crianças e jovens até aos 24 anos.
É atribuído a crianças e jovens que "possuam comprovada redução permanente de capacidade
física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual, doravante designados por «criança ou jovem com deficiência»", que se encontrem em qualquer destas situações:
a) Frequentem estabelecimentos de educação especial que impliquem o pagamento de mensalidade;
b) Careçam de ingressar em estabelecimento particular ou cooperativo de ensino regular, após a frequência de ensino especial, por não poderem ou deverem transitar para estabelecimentos públicos de ensino ou, tendo transitado, necessitem de apoio individual por técnico especializado;
c) Tenham uma deficiência que, embora não exigindo, por si, ensino especial, requeira apoio individual por técnico especializado;
d) Frequentem creche ou jardim -de -infância regular como meio específico necessário de superar a deficiência e obter mais rapidamente a integração social.
Sem prejuízo de uma leitura mais profundada surgiram-se duas ou três questões que partilho.
O normativo procura estabelecer o processo e competências que possibilitem o acesso ao “subsídio de educação especial”.
No entanto, não consegui perceber no caso da situação da alínea a) “frequência de estabelecimentos de educação especial” como será este processo. É uma opção das famílias? É uma prescrição de um “técnico especializado” ou de um “médico especialista”. Qual o papel dos estabelecimentos de ensino regular e das respectivas estruturas de direcção pedagógica e de educação especial nesta decisão?
Esta minha dúvida coloca uma questão essencial, o enorme risco de retorno à resposta educativa institucionalizada logo desde o início da escolaridade obrigatória.
O processo de atribuição do subsídio para “apoios especializados” é definido com alguma clareza embora, do meu ponto de vista, excessivamente centrado no “médico especialista” (em muitas situações não sei muito bem que tipo de “especialidade” será solicitada) quando está em discussão a definição de apoios que parecem ser  … “educativos”, embora se abra a hipótese de avaliações por parte de “equipas multidisciplinares de avaliação médico-pedagógica, constituídas nos termos a definir em regulamentação própria”.
Neste âmbito sublinho a intenção de prevenir algumas “tentações”, por assim dizer, não permitindo que o apoio seja realizado pelo “médico” especialista que comprovou a ”redução permanente da capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual” nem por uma clínica em este “médico especialista” tenha uma “relação laboral” ou “participação societária”.
Em síntese, creio que o Decreto Regulamentar n.º 3/2016 vem dar uma ajuda aos estabelecimentos de educação especial,  e acentua uma visão e um modelo de natureza clínica que há muito tínhamos tentado minimizar por se tratar de processos educativos. Não está em causa, evidentemente, as situações claras de necessidades de resposta do âmbito da medicina, mas estamos a falar da atribuição de um “subsídio de educação especial”.
Era desejável uma mudança legislativa neste universo mas creio que a mudança conhecida é num caminho que não promove e defende a educação inclusiva até ao limite do possível e, por outro lado, fragiliza seriamente a tutela de processos de natureza educativa por parte de estruturas e técnicos com competência neste universo, sobretudo após o início da escolaridade obrigatória.
Nos últimos anos, pelo menos nos preâmbulos de legislação nesta área, educação e apoios a crianças e jovens com deficiência, ainda se falava de “educação inclusiva”, agora nem isso.
Assim, terão, esperemos, os apoios especializados, necessários evidentemente para muitas crianças e jovens, e podem frequentar as instituições de educação especial logo partir dos seis anos.
Não estranharão quando chegarem aos dezoito.
Como nota final e para clarificar, as instituições especializadas têm com certeza um conjunto de competências importantes mas, do meu ponto de vista, colocadas ao serviço de um trajecto de educação inclusiva o que com com este quadro legislativo não me parece claro.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

O PREÇO ELEVADO DA ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA, GRATUITA E UNIVERSAL

De acordo com trabalho hoje divulgado do Observador Cetelem, empresa europeia especializada em crédito ao consumo, os portugueses inquiridos esperam gastar 455 euros no início do próximo ano. A despesa estimada é inferior à do ano passado, 528 euros não sendo conhecidas a explicações para que tal aconteça, menos investimento e disponibilidade das famílias ou menos solicitações por parte da escola.
Este montante inclui manuais, material escolar e outro equipamento considerado necessário à vida escolar.
Como é sabido no quadro constitucional vigente, lê-se no Artº 74º (Ensino), “Na realização da política de ensino incumbe ao Estado: a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito;
Desta leitura resulta de forma que creio clara a vinculação do Estado ao providenciar a escolaridade obrigatória de forma gratuita.
Acontece que como temos já referido, o ensino obrigatório nunca foi gratuito nem universal, vejam-se as taxas de abandono e os custos incomportáveis para muitas famílias dos manuais e materiais escolares num quadro em que a acção social escolar é insuficiente e tem vindo a promover sucessivos ajustamentos nos valores e critérios de apoio disponibilizados. No universo particular das famílias com crianças com necessidades especiais os custos da escolaridade obrigatória e gratuita são ainda mais elevados, bem mais elevados.
Num tempo em que importa defender a educação e escola pública e sabendo-se que somos um dos países europeus com maior assimetria na distribuição da riqueza, é fundamental prevenir o risco acrescido de potenciar a instalação de condições de insucesso escolar, abandono e, finalmente, da dificuldade de acesso à qualificação que alimenta a mobilidade social, discriminação nas oportunidades estando assim comprometido o direito à educação.

DOS ESTÁGIOS PROFISSIONAIS ( Take 2)

A propósito da notícia no JN sobre o alargado esquema de fraude que envolve os estágios profissionais e a exploração de muitas pessoas retomo umas notas de há dias.
"Os estágios profissionais podem, de facto, ser uma interessante e positiva porta de entrada no mercado de trabalho.
O que não pode acontecer, e acontece, é que sejam usados por alguns empregadores como acesso a mão-de-obra gratuita.
O que não pode acontecer, e acontece, é que muitos jovens sejam tentados pela miragem de um contrato de trabalho no fim do estágio profissional e o que os espera é a exploração e uma mão cheia de nada.
O se torna imprescindível uma regulação efectiva do mercado de trabalho, uma política de emprego e legislativa que combata a precariedade.
Uma política de emprego que promova, de facto, emprego, e não formas criativas de mascarar estatísticas.
O acesso a um emprego com um mínimo de estabilidade é uma peça imprescindível à construção de um projecto de vida.
É essa, também, a responsabilidades das políticas. Criarem, no que lhes compete, as condições para que os cidadãos possam construir projectos de vida viáveis e positivos.
Como muitas vezes afirmo e muitos estudos sugerem, o inverno demográfico que atravessamos com uma preocupante baixa natalidade está fortemente associada à dificuldade de muitos jovens construírem e sustentarem projectos de vida em que caibam os filhos."

DOS JOBS FOR THE BOYS AND GIRLS

Como é reconhecido, a questão do desemprego é de uma enorme gravidade e complexidade. São sempre urgentes medidas eficazes e diversas de promoção de emprego. Porque não começar pelos amigos?
Fazem parte da loja certa, da confraria certa, têm o cartão certo, portanto ...
Há que começar por algum lado e os amigos são para as ocasiões.
Aliás, o povo costuma dizer, "quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é tolo ou não tem arte".
Cambada de artistas, nem as moscas, às vezes, variam.
São assim as contas da partidocracia. Em alternância pois claro.
É curioso que ainda recordo do Professor João Bilhim, Presidente da Comissão de Recrutamento da Administração Pública, afirmar numa entrevista ao DN que se "acabaram os "jobs for the boys" na Administração Pública", a atribuição de lugares de chefia resulta da meritocracia.
A sério?! 

domingo, 21 de agosto de 2016

PROIBIDO A CRIANÇAS. DEPOIS, PROIBIDO A ...

Com cada vez maior regularidade surgem notícias sobre espaços de diferente natureza que em nome do sossego e da tranquilidade proíbem ou, para ser mais simpático, condicionam o acesso a crianças.
Começa por se praticar de forma discreta o condicionamento, corrige-se se despertar algum alarido até melhor oportunidade, volata a insistir-se e alargam-se de mansinho as práticas de “limpeza etária”.
Há uns atrás, creio que em 2011, a Ryannair anunciou a intenção de voos proibidos a crianças que creio não ter avançado.
No entanto existem unidades hoteleiras ou de restauração que têm essa interessante atitude de proibir a entrada a crianças.
Recordo que há uns tempos o conhecido tudólogo Miguel Sousa Tavares também sustentou que as crianças nos restaurantes podiam ser tão incomodativas como o fumo dos seus cigarros.
Estas posições parecem-me interessantes. É de notar que logo surgem apoiantes e existe certamente um nicho de mercado, já identificado evidentemente, quer viver longe das crianças estando, por isso, disposto até a pagar um pouco mais só para não correr o risco de levar com uns putos mal-educados a estragar a viagem, a estadia no hotel ou spa, ou a refeição.
Talvez nas companhias aéreas se possa pensar na hipótese das crianças poderem viajar em condições especiais como os animais de companhia.
Com é evidente, todos temos histórias destas, não é uma experiência particularmente agradável ter como companhia de viagem ou de refeição miúdos que se comportam como ditadores, miúdos desregulados no comportamento e muitas vezes acompanhados dos respectivos papás que por incompetência ou negligência são incapazes de manter os miúdos tranquilos. Como é óbvio, temos o direito à tranquilidade.
Só que a questão é a natureza da educação que os miúdos têm e não a proibição da sua presença, os miúdos não são todos assim e, por outro lado, todos já fomos miúdos.
Existem muitos adultos que me incomodam e não vejo como proibir a presença de adultos a bordo dos aviões ou noutro qualquer espaço. Um dia destes pode pensar-se em proibir a presença de velhos, são chatos, sempre a contar histórias, as mesmas histórias. Também pode proibir-se a presença de gente obesa, torna o espaço mais apertado para as outras pessoas. Também se poderia proibir a presença de profissionais da política, incomodam demasiada gente. Não têm limite os exemplos que poderemos antecipar.
Este tipo de discurso mostra, também, de que são feitos alguns dos tempos que vivemos, putos desregulados, a crescer sem regras e gente intolerante, a criar guetos sucessivos e cada vez mais exclusivos.
Vão acabar sós.

sábado, 20 de agosto de 2016

A CARTA DE CONDUÇÃO E OUTRAS HABILITAÇÕES

Ao que se lê no JN são apanhados diariamente 23 cidadãos a conduzir sem a respectiva habilitação.
Nada de estranho, somos um país de empreendedores, deitamos mão ao que quer que seja que dê jeito independentemente de estarmos preparados para tal desempenho.
Atente-se em boa parte das nossas lideranças políticas, por exemplo, preparação adquirida nas universidades de Verão nas “jotas partidárias”, estágio no aparelhismo partidário e segue-se um trajecto de alpinista social e político.
A habilitação exigida para o exercício de algumas funções é também muitas vezes substituída pela “carta de recomendação” ou pelo cartão com a cor certa.
Às vezes lá vem alguma coisa que corre menos bem, o caso da habilitação do “Dr.” Relvas é um exemplo, mas, lá está, nada de grave, apenas um sobressalto e segue a função.
Aliás, até temos um exemplo bem recente de gente que indigitada para a administração da CGD que foi “chumbada” pelo BCE por falta de habilitações embora há algum tempo, certamente por distracção do regulador, pessoas como Armando Vara ou Celeste Cardona desempenharam essas funções com sólidas habilitações e currículos inquestionáveis.
Enfim, o Portugal dos Pequeninos.

"A IMPORTÂNCIA DA ESCOLA PÚBLICA". IMPORTA REAFIRMAR

Gostei de ler o texto de São José Almeida no Público, “A importância da escola pública”, em que para além da defesa do investimento e da qualidade da escola pública sublinha a importância de valorização e dignificação dos professores.
Retomando notas tantas vezes aqui colocadas importa reafirmar que a Constituição determina a existência de uma escola pública de qualidade que cubra as necessidades de toda a população.
Importa reafirmar que só a educação e a rede pública de qualidade podem promover equidade e igualdade de oportunidades.
Importa reafirmar que só a educação e a rede pública de qualidade podem ser verdadeiramente inclusivas e receber TODOS os alunos.
Importa reafirmar que só a educação e rede pública pode chegar a todos os territórios educativos e a todas as comunidades.
Importa reafirmar que só a educação e rede pública de qualidade promovem mobilidade social em circunstâncias de equidade no acesso.
Importa reafirmar que para que possam cumprir a Constituição a educação e a rede pública precisam de recursos materiais e recursos humanos valorizados e competentes.
Importa reafirmar que os custos da educação e rede pública de qualidade não são despesa, são investimento.
Importa reafirmar que a política educativa em cada momento histórico tem a suprema responsabilidade de garantir que assim seja.
Importa reafirmar que do trabalho dos professores depende o nosso futuro, tudo passa pela educação e pela escola.
Importa reafirmar que os sistemas educativos com melhores resultados são, justamente, os sistemas em que os professores são mais valorizados, apoiados e reconhecidos.
Importa reafirmar que é isso que se exige e espera da política educativa, a defesa intransigente da Educação e da Escola Pública e da sua qualidade.
Em nome dos nossos filhos, dos filhos dos nossos filhos ...

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

O CÉSAR DAS NEVES É UM "TRAQUINAS"

Confesso que não é habitual ler a crónica de João César das Neves no DN. Não leio porque apesar de muitas vezes aprender algo com discursos e pontos de vista diferentes dos meus, com César das Neves apenas vejo preconceito e uma traquinice para qual não tenho pachorra.
No entanto, li a crónica de ontem a propósito de Michael Phelps, “O desporto faz mal à saúde”. O título é interessante e indicador da “traquinice”.
A questão de partida é pertinente, o universo da alta competição e das suas implicações para os atletas.
Rapidamente percebi que era o César das Neves em modo habitual, fingidor de saber, manhoso na argumentação, convencido e um discurso de “traquinas” que quer irritar o leitor. Provavelmente uma adolescência mal resolvida por falta, por exemplo, de prática de desporto ou de outras actividades próprias de adolescentes e jovens.
Escreveu o César das Neves que “Passar vários anos, precisamente os mais formativos da personalidade, focado numa única tarefa repetitiva, neste caso esbracejar e espernear dentro de água, tem de ter consequências traumáticas para toda a vida. Pior ainda: numa idade ainda jovem o atleta vê-se de repente desqualificado e, em geral, incapaz de começar uma nova vida com significado. É ainda muito novo para se reformar, muito velho para aprender outra profissão e incapaz de continuar na sua.”
Daqui retira a conclusão que o problema severo vivido por Phelps se deve a um exagero no “esbracejar e espernear dentro de água”. É de homem e homem sábio pois assim se faz ciência, os atletas de alta competição estão condenados ao inferno, César das Neves dixit.
E conclui, “Este é apenas um exemplo do materialismo boçal desta era de extremos, que seca tudo à sua volta. Produzir para produzir; ganhar para ganhar. O fim deixa de ser a pessoa para ser a coisa.”
É curioso vindo de um tipo que defende a virtude do empobrecimento, a coisificação das pessoas em nome dos mercados, mas o César das Neves é assim, um “traquinas” com tempo de antena. A melhor prenda que se pode dar a um “traquinas”.

A MEDIDA DO TEMPO

Professor Velho, toda a gente mede o tempo com o relógio?
Não Manel, ninguém mede o tempo com o relógio. O relógio só serve para organizar as pessoas, todas as pessoas, dentro do tempo. Medir o tempo é diferente, cada pessoa mede o tempo à sua maneira.
Não percebo, Velho.
Quando estás a ler um livro de que gostas muito, o tempo é grande ou pequeno?
É pequeno, a gente quer ler sempre mais.
Quando estás a ler um livro de que não gostas, mas tens que ler, o tempo é grande ou pequeno?
É grande, nunca mais chega ao fim.
Quando estás na aula de que gostas mais, o tempo é grande ou pequeno?
É pequeno, acaba num instante.
Quando estás na aula de que gostas menos, o tempo é grande ou pequeno?
É grande, nunca mais acaba.
Quando estás com os amigos de que gostas mais, o tempo é grande ou pequeno?
É pequeno, dura sempre pouco.
Quando estás com pessoas de que não gostas, o tempo é grande ou pequeno?
É grande, Velho, nunca mais me safo delas.
Como vês, Manel, o coração é que mede o tempo, o relógio só organiza as pessoas no tempo. Agora, vai almoçar que a manhã está no fim.
Já Velho? Passou mesmo depressa.

O HÉLDER ESPALHOU-SE. OU NÃO

Mandaram o rapaz representar o CDS-PP no congresso do MPLA.
Ao ver-se no meio daquela cerimónia litúrgica e cheia de pompa o Hélder entusiasmou-se, quis mostrar serviço e pumba ... desata a elogiar as afinidades entre os partidos irmãos, CDS-PP e MPLA.
Por cá, aquela parte do CDS-PP menos familiarizada com a real politik em modo Paulo Portas não gostou dos elogios do Hélder ao MPLA e começou a barafustar.
O Hélder procura defender-se como o mesmo jeito com que se espalhou, ou seja, cada cavadela, cada minhoca.
Alguém deveria ter explicado ao Hélder que o melhor é estar calado. Tem o seu lugarzinho na Assembleia da República, não levanta ondas, vota conforme é preciso e tudo corre bem.
Mandaram-no para Luanda, não lhe deram o scrip pôs-se a improvisar ... espalhou-se. Ou no fundo, não?

DO HORROR

A fotografia trágica de Omran, 5 anos, em Alepo dentro de uma ambulância, tal como a de Aylan, três anos e também sírio, em Setembro do ano passado morto numa praia turca, deveriam ser motivo para que a gente que manda no mundo não dormisse.
O olhar perdido do miúdo é um murro violento num mundo que não o soube proteger nem alimentar um sonho. 
Como já tenho escrito faltam palavras para falar do horror e da barbaridade que no mar e em terra vão acontecendo cada vez mais perto de nós, que, provavelmente, acreditávamos estar a salvo de tamanhas tragédias.
A merda de lideranças actuais da generalidade dos países que põem e dispõem no xadrez do poder mundial e de tantos outros subservientes e submissos que, em muitos casos, de pessoas não sabe nem quer saber, permite, sem um sobressalto e com palavras que de inócuas são um insulto, que se assista à barbaridade que as imagens, os relatos mostram e o muito que se imagina mas não se vê.
Apesar da complexidade é evidente para toda a gente com um pouco de senso que tudo isto decorre de uma obscura teia de interesses que flutuam com os interesses de circunstância em que se combate alguns para depois apoiar esses alguns ao sabor dos movimentos da luta pelo poder
Crescem muros, morre gente inocente, milhões de vidas destruídas, a barbaridade estende-se, o horror é imenso e, por vezes, nem a retórica da condenação é convincente e muitos menos, evidentemente, eficaz.
A questão é séria, os ventos sempre semeiam tempestades e as tempestades num mundo global não ficam confinadas nos epicentros.
Não existe terror mau e terror bom. Não existe horror mau e horror bom. Não existe terrorismo bom e terrorismo mau.
Como é possível que tal horror aconteça e tanta gente com responsabilidades assobie para o ar e se fique pelas palavras de circunstância?

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

OS RETRATOS

Uma das características que mais evidenciamos na nossa vida em comunidade é a facilidade em “tirar retratos”.
Na verdade, quantas vezes não ouvimos já alguém a propósito de outro alguém dizer qualquer coisa como “já lhe tirei o retrato”.
Todos os nós temos um, ou vários, retratos que nos tiraram. Alguns agradam-nos, achamos que ficamos bem, outros nem tanto e outros ainda nem sabemos que nos tiraram.
A coisa fica pior com os retratos que se tiram aos mais pequenos. É também com muita facilidade que os fotografamos e a partir do retrato já quase não os vemos a eles mas o retrato que deles fizemos.
Dentro de algumas semanas vai começar a escola.
Logo no início do ano os alunos vão começar ser fotografados, quer os que estão a chegar, quer os que já são conhecidos.
Para muitos, a partir do retrato o percurso está quase definido, para o melhor ou para o menos positivo.
A questão, é que ninguém, maior ou mais pequeno, cabe num retrato que lhe tiremos. E muito menos para sempre.

PUBLICIDADE E POLÍTICA

Segundo O Relatório de encargos com as campanhas eleitorais que partidos e coligações são obrigados a entregar no Tribunal Constitucional, só o trabalho de aconselhamento do publicitário André Gustavo à coligação PSD/CDS-PP terá custado 475000 euros. Um outro exemplo, o PS pagou 751 mil euros pela decoração de salas, a iluminação e o som para dúzia e meia de comícios.
Sou dos que entendem que a democracia tem custos e que dinheiros públicos deverão ser empregues, de forma controlada e transparente como é óbvio, neste tipo de iniciativas justamente como forma de … promover a democracia.
Por outro lado, também entendo que os apoios financeiros privados a para a actividade política devem ser fortemente regulados e escrutinados porque como se sabe … não há almoços grátis.
O que que me vai deixando progressivamente mais inquieto dada vez me deixa mais inquieto é que as ideias políticas, de uma forma geral, transformaram-se me “produtos” em “conteúdos” que devem ser vendidos o melhor possível independentemente da sua qualidade.
Basicamente desde o famoso debate entre Kennedy e Nixon em 1960 que a imagem, comunicação social, passou a ter um papel fundamental na acção política de qualquer governo ou regime.
Qualquer de nós concordará que uma boa ideia mal “vendida” pode ser entendida como uma má ideia e, inversamente, uma má ideia bem “vendida” pode ser considerada como uma boa ideia. Sabemos também como todas as pessoas que profissionalmente contactam com outros, precisam de estratégias de comunicação eficazes de modo a potenciar o seu efeito.
Dando por adquirido que as práticas neste universo estarão dentro do quadro legal, o que nem sempre acontecerá, a grande e difícil questão que se coloca neste universo, não é a utilização de um conjunto de ferramentas de comunicação, a que, simplificando, podemos chamar marketing, publicidade, mas a regulação ética e moral dessa utilização.
Existe uma ténue fronteira entre “boa estratégia de comunicação” e “manipulação”, existe uma linha estreita entre o que se deve dizer e o que se deve saber, considerando os conflitos de interesse em jogo, existe uma distância muito curta entre retratar a realidade e retratar a mesma realidade de diferentes ângulos e com diferentes indicadores, existe a possibilidade de passar todas as mensagens ou de privilegiar algumas mensagens, existe a possibilidade da dupla mensagem, ou seja, um discurso ao encontro do que se julga querer ouvir e uma prática que se avalia como necessária, etc.
A questão é, assim, saber se a estratégia dos actores políticos em matéria de comunicação e imagem estando, desejo, nos limites da lei, respeita os limites da ética e os direitos individuais, como o direito à informação. Pessoalmente, devo dizer que, por vezes, me incomoda particularmente, o que oiço e vejo, quando sei, por que conheço, que a realidade não é o que me estão a vender.
De resto, lembremo-nos da mítica comparação de Rangel sobre a possibilidade da TV, tanto vender sabonetes como presidentes.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

BOM SENSO, PRECISA-SE. EXCELENTE OPORTUNIDADE

País pequeno, solarengo, antigo com gente simpática mas algo triste e desiludida precisa urgentemente de bom senso.
Não é necessário ser de primeira qualidade e luxuoso, apenas se pede discrição e que cumpra os limites estabelecidos pela ética e pelos valores da democracia.
Exige-se bom senso com experiência em acção política e governativa onde se verifica maior necessidade. Será condição de preferência bom senso especialmente preparado para gerir economia e finanças, educação, justiça, e para a elaboração de intervenções e discursos políticos.
Remuneração e restantes regalias acordadas de acordo com curriculum apresentado. Após curto período experimental, oferece-se contrato sem termo e sujeito a actualização por objectivos alcançados.
Devido à carência de bom senso que se verifica, trata-se de uma excelente oportunidade de negócio. Guarda-se sigilo.
Resposta ao cuidado do Povo Português.

TERRORISMO SALARIAL

Uma crónica de Bernardo Mascarenhas de Lemos no P3 do Público, “O terrorismo salarial em Portugal”, chama a atenção para uma realidade que faz parte da vida de muitos jovens, o abuso por parte dos empregadores da figura de “estágio” que acaba por não ser remunerado nem convertido em emprego.
Recordo que em Março o Secretário de Estado do Emprego afirmava em entrevista ao Público, “Não faz sentido diabolizar os estágios profissionais.”
Estamos de acordo, os estágios profissionais podem ser uma interessante e positiva porta de entrada no mercado de trabalho.
O que não pode acontecer, e acontece, é que sejam usados por alguns empregadores como acesso a mão-de-obra gratuita.
O que não pode acontecer, e acontece, é que muitos jovens sejam tentados pela miragem de um contrato de trabalho no fim do estágio profissional e o que os espera é uma mão cheia de nada.
Num cenário com desequilíbrios fortíssimos entre oferta e procura em diferentes sectores, a natureza da legislação laboral favorável à precariedade e insensibilidade social e ética de quem decide ou emprega, promovem a proletarização do mercado de trabalho mesmo em áreas especializadas e com gente altamente qualificada ou mesmo o recurso a uma forma de exploração selvagem com uma maquilhagem de "estágio" sem qualquer remuneração a não ser a esperança de vir a merecer um emprego pelo qual se luta abdicando até da dignidade.
É justamente a luta pela sobrevivência que deixa muita gente, sobretudo jovens sem subsídio de desemprego e à entrada no mundo do trabalho, sem margem negocial, altamente fragilizadas e vulneráveis, que entre o nada e a migalha "escolhem” a "migalha", ou mesmo uma remota hipótese de um emprego no fim de período de um indigno trabalho gratuito. Como é evidente esta dramática situação vai de mansinho alargando e numa espécie de tsunami vai esmagando novos grupos sociais e famílias.
É um desastre. Grave e dramático é que as pessoas são "obrigadas" a aceitar. Os mercados sabem disso, as pessoas são activos descartáveis.
Torna-se, pois, imprescindível uma regulação efectiva do mercado de trabalho, uma política de emprego e legislativa que combata a precariedade.
Uma política de emprego que promova, de facto, emprego, e não formas criativas de mascarar estatísticas.
O acesso a um emprego com um mínimo de estabilidade é uma peça imprescindível à construção de um projecto de vida. Há gente a viver vidas precárias sem qualquer expectativa de deixar de as ter.
É essa, também, a responsabilidades das políticas. Criarem, no que lhes compete, as condições para que os cidadãos possam construir projectos de vida viáveis e positivos.

Como muitas vezes afirmo e muitos estudos sugerem, o inverno demográfico que atravessamos com uma preocupante baixa natalidade está fortemente associada à dificuldade de muitos jovens construírem e sustentarem projectos de vida em que caibam os filhos.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

OS DDT E A SOLUÇÃO PIT


A sério?! Aos cofres do Estado?
Não, os Donos Disto Tudo transformam boa parte da gestão da banca num caso de polícia e nós PIT, Pagamos Isto Tudo.
Como sempre. 
Até quando?

DA ADOPÇÃO

No Público lê-se que segundo um estudo de Grupo de Investigação e Intervenção em Acolhimento e Adopção (GIIAA) da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto “os professores primários têm falta de conhecimentos sobre a adopção e pouca preparação para ajustar a prática pedagógica nas respostas às necessidades das crianças adoptadas.”
Para além de uma rápida referência ao desajustamento da designação “professores primários”, são na verdade professores do primeiro ciclo, não conhecendo o estudo fico com uma enorme dúvida sobre o que serão “práticas pedagógicas” adequadas para crianças adoptadas.
Não tenho dúvida sobre um eventual menor conhecimento sobre as problemáticas da adopção e das crianças adoptadas, produzindo eventuais discursos ou atitudes menos desejáveis mas estaremos mesmo a falar de “práticas pedagógicas”?
Como os que acompanham este espaço poderão lembrar-se, sempre que me refiro a questões desta natureza recordo uma afirmação que ouvi há já algum tempo a Laborinho Lúcio num dos vários encontros que já partilhámos e que são sempre estimulantes.
Dizia ele que “Só as crianças adoptadas são verdadeiramente felizes. Felizmente, a grande maioria dos pais adopta os seus filhos”.
É, também me parece que a esmagadora maioria dos professores e educadores “adopta” os seus alunos.
E é assim que deve ser e que ficam professores que nos marcam.

O SEMÁFORO

Um dia destes, um amigo meu, já velho e também amigo de uns copos e de outras andanças, a carne é fraca, dizia-me com um ar entre a esperança e a resignação de quem não resiste muito às tentações, “as pessoas deviam nascer com um semáforo na cabeça".
Quando pensassem em dizer ou fazer certas coisas, se o semáforo ficasse verde, podiam dizer ou fazer à vontade, se ficasse amarelo teriam que ter cuidado com o que diziam e faziam, com o vermelho, era melhor ficar calado e quieto”.
A ingenuidade do meu velho amigo não lhe permitia perceber que os semáforos, às vezes, só atrapalham, por isso, inventaram as rotundas.
Também não percebia que, embora pareça fácil, uma pessoa conduzir-se é uma tarefa difícil, sobretudo com o trânsito cada vez mais complicado que temos.
Não percebia que às vezes por problemas com a energia os semáforos deixam de funcionar.
Não percebia que, alguns de nós, em diferentes circunstâncias, ganhamos uma espécie de daltonismo selectivo, só vemos as cores que nos interessam.

E não percebia, finalmente, que se tivéssemos um semáforo na cabeça, muita gente quereria ocupar a sala de controlo do sistema.

AGRADECIMENTO E PROMESSA

Agradeço a generosidade simpática de quem me acompanhou e fez sentir a passagem de mais um ano.
Agora a promessa.
Prometo não decepcionar os vossos desejos e farei o possível por cumprir outros 62 anos de inquietação atenta.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

UMA NOVA OPORTUNIDADE AO NOVAS OPORTUNIDADES

Conforme já tinha sido anunciado o Governo vai lançar o Programa Integrado de Educação e Formação de Adultos destinado aos que “não tiveram oportunidade de estudar no tempo mais natural, mas também àqueles que, ainda sendo jovens, não conseguiram completar a escolaridade obrigatória”.
Depois dos Centros Novas Oportunidades no Governo de José Sócrates e dos Centros de Qualificação Profissional vamos ter os Centros Qualifica.
A qualificação e formação de adultos é ainda uma das grandes prioridades portuguesas pelo que este anúncio, a concretizar-se, é uma boa notícia. Cerca de 55% da população não tem o ensino secundário completo com consequências muito significativas em sociedades marcadas pelo conhecimento e avanço tecnológico.
Acresce que nos últimos anos se verificou um forte abaixamento nos dispositivos e recursos alocados à educação permanente ou aprendizagem ao longo da vida conforme se verifica pelo quadro no Público. Algumas notas.
Estamos todos recordados do aparecimento há uns anos do Programa Novas Oportunidades, sobre o qual afirmei no início "O lançamento de um Programa com o objectivo de estruturar e incrementar os processos de qualificação de sujeitos que abandonaram o sistema é, obviamente de saudar. Parece-me também de sublinhar o interesse e significado que o Reconhecimento e Validação de Competências, a génese do Novas Oportunidades, pode assumir para pessoas com largo trajecto profissional, sem certificação escolar, mas que tiveram acesso a um processo de reconhecimento de competências profissionais entretanto adquiridas e a aquisição de equivalências aos processos de escolarização formal".
No entanto, o desenvolvimento posterior do Programa e as sucessivas intervenções dos seus responsáveis rapidamente evidenciaram o enorme equívoco, ou melhor, embuste, de confundir qualificação com certificação, ou seja, é possível passar milhares de certificados de 9º e 12º ano em pouco tempo mas é, obviamente, impossível qualificar milhares de pessoas em pouco tempo. Foi neste quadro que se desenvolveu o Programa e que era bem conhecido por parte de quem acompanhava os Centros Novas Oportunidades onde, pese o esforço e dedicação de muitos técnicos, se verificou uma enorme pressão para que se "produzam" certificados.
Relembro que na altura da realização do 4º Encontro Nacional dos Centros Novas Oportunidades, a então Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, afirmou que tendo-se inscrito no Programa 1 milhão e 489 000 portugueses, se certificaram 456 000 o que, cito, "isto corresponde a uma média de 10 000 certificações por mês, o que é muito". Eu também acho e daí mais uma vez a ideia de provavelmente a certificação não corresponderia a qualificação.
Em Dezembro de 2008 também o Professor Luís Capucha, responsável pelo Programa, afirmava que, “estando a certificar 4 000 pessoas por mês, é curto, temos que aumentar a produção de certificados, temos que multiplicar por sete o “produto”, temos que certificar 29 900 para cumprir as metas do Governo”. Como disse na altura, parece-me possível certificar 30 000 pessoas por mês, qualificá-las é algo bem mais difícil.
Entendia que até como medida de protecção das pessoas envolvidas e do impacto social dos processos de qualificação, que é importante caminhar no sentido de que a qualificação ou reconhecimento de competências não seja um processo socialmente percebido como de natureza “administrativa”, sem rigor e qualidade destinado a melhorar “estatísticas”.
Entretanto e como é habitual quando mudam os Governos, o Ministro seguinte, Nuno Crato, decidiu extinguir os Centros Novas Oportunidades e substituiu-os pelos Centros para a Qualificação e o Ensino Profissional. O período de desinvestimento em educação que se seguiu levou a uma quase estagnação no universo da educação de adultos com custos sérios para o nosso desenvolvimento.
Parece, assim, positivo, que esta matéria seja definida como prioridade embora também espere para ver em termos mais concretos a forma como serão tratados em matéria de recursos e competências os Centros para a Qualificação e o Ensino Profissional agora rebaptizados em Centros Qualifica.
Espero que o Programa Integrado de Educação e Formação de Adultos resista à tentação de trabalhar para a “estatística”, instalando um fingimento de formação e certificação de competências que promovendo certificação e não promove qualificação.
Vamos aguardar por esta nova oportunidade às Novas Oportunidades.