Como parece ser uma característica
inalterável do nosso sistema educativo vivemos permanentemente como um ou
vários problemas em agenda, tranquilidade e estabilidade serão algo de
inacessível.
Por estas dias depois do “tal
despacho” que desencadeou muitas, algumas bem deploráveis, intervenções nos
diferentes suportes de comunicação, agora retoma-se a questão dos manuais
escolares, reutilizar ou não, manuais entregues em más condições, atraso no
acesso aos vouchers, sustentabilidade económica da gratuitidade, etc.
Permitam-me retomar algumas notas
organizadas em quatro pontos essenciais e sem hierarquizar.
Em primeiro lugar sublinho a
ideia da gratuitidade dos manuais durante a escolaridade obrigatória que é
constitucionalmente gratuita.
Em segundo lugar defendo o
princípio genérico da reutilização por razões de sustentabilidade e custos.
Em terceiro lugar tenho
considerado que o nosso modelo de trabalho, apesar das excepções e das
mudanças, ainda se pode considera excessivamente “manualizado” ou seja, assenta
talvez demais em práticas pedagógicas pouco diferenciadas muito decorrentes de
conteúdos curriculares eles próprios e apesar de algumas mudanças positivas
geridos de forma mais prescritiva e normalizada. Seria desejável atenuar a
fórmula predominante, o professor ensina com base no manual o que o aluno
aprende através do manual que também os pais tendem a considerar muito importante
porque tem tudo o que professor ensina. Não esqueço no entanto que variáveis
como a natureza e conteúdos curriculares, o número de alunos por turma ou ainda
a cultura pedagógica de décadas influenciam este cenário.
Estou convicto de que sem
aligeirar o peso do manual no trabalho em sala de aula, os níveis de
diferenciação necessários como forma mais robusta de resposta à diversidade dos alunos
ficam comprometidos.
No entanto e apesar de continuar
a assumir estes princípios julgo que a particularidade do 1º ciclo merece uma
reflexão designadamente no caso da reutilização.
Há algum tempo tivemos
referências na imprensa a expedientes usados pelos pais para “apagar” o rasto
que os seus filhos deixaram nos manuais, a decisão da direcção do agrupamento
de S. Julião da Barra de não pedir a devolução dos manuais aos alunos do 1º
ciclo e o ME a “obrigar” à sua recolha, o Tribunal de Contas a entender que a
não reutilização compromete as contas, sempre as contas da educação que
insistem em não dar certo, etc.
A entrada na escola, no 1º ciclo,
será dos poucos processos que quando correm mal já não é possível voltar atrás
e recomeçar com a esperança de que a coisa vá correr melhor.
Torna-se, pois, essencial que
este processo de entrada na escola seja pensado e orientado, que crie as
rotinas, a adaptação e a confiança em miúdos e em pais, indispensáveis à
aprendizagem bem-sucedida.
É fundamental não esquecer que os
miúdos à entrada na escola não estão todos nas mesmas condições pelas mais
variadas razões, ambiente e experiências familiares, percurso anterior,
características individuais, etc. o que exige desde o início uma atenção
diferenciada que combata a cultura de que devem ser todos tratados da mesma
maneira que alguma opinião publicada e ignorante defende.
Antes de, com voluntarismo e
empenho, se tentar ensinar aos miúdos as coisas da escola é preciso, como
sempre afirmo, dar tempo, oportunidade e espaço para que aprendam a escola.
Depois de aprenderem a escola estarão mais disponíveis para então aprender as
coisas da escola.
É neste contexto que julgo que os
manuais deveriam ficar com os alunos, não seriam devolvidos, podendo
continuando a sua produção a permitir que sejam usados como suporte do seu
trabalho sem que este entendimento, comprometa o que disse acima sobre o
excesso de peso pedagógico atribuído ao manual. Acresce ainda que apesar de
alguma “disciplinarização” dos conteúdos curriculares, incluindo o recurso a
manuais para cada conteúdo, e a lógica de ciclo contida na LBSE, a continuidade
da relação dos alunos em diferentes patamares de aprendizagem e desempenho ao
longo do ciclo com o trabalho desenvolvido também aconselharão a que se
mantenham os manuais que vão utilizando.
Esta manutenção terá ainda um
valor de natureza menos tangível, diria afectivo, pois seriam um registo, um
diário de bordo da sua aprendizagem e um instrumento de relação com o trabalho
escolar.
Como é óbvio este entendimento
não belisca a necessidade dor recursos a actividades e materiais diversificados
num já referido modelo de diferenciação pedagógica.
Definitivamente, aos 6, 7 ou 8
anos a relação com os manuais é de natureza diferente da que estabelece em
fases posteriores da escolaridade obrigatória em que a reutilização é bem mais
“tranquila”, por assim dizer.
Finalmente, julgo que precisamos
de caminhar, certamente é preciso algum tempo, para a construção de manais que
sejam de facto “amigáveis” da reutilização considerando aspectos como material
usado, dimensão ou, sobretudo, recorrendo menos à escrita ou outra forma de
trabalho realizada no próprio manual.