domingo, 18 de agosto de 2019

OS TRAPEZISTAS

Durante esta semana li no DN uma entrevista muito rica de Rui Mariani, um homem com uma vida ligada à arte do circo e que se apresenta como o primeiro domador de tigres em Portugal. O seu Circo Mundial Mariani e o Circo Victor Hugo Cardinali, membro da família Mariani são os grandes nomes dos espectáculos de circo em Portugal.
A sua história de vida é aliciante e acordou em mim a relação ambígua que sempre mantive com o circo. Devo confessar que sempre tive, desde miúdo, uma relação ambígua com o circo. Na verdade, muito do que me atraía nos diferentes números do circo era, simultaneamente, o que me inquietava. Admirava os números com animais mas achava que o que eles faziam não era “natural”, ria-me com os palhaços mas, sem perceber porquê, achava-os tristes. Mas o momento alto da minha inquietação vinha dos trapezistas. Aliás, trapezista foi também uma das funções desempenhadas por Rui Mariani ilustrando a frequente polivalência nas artes circenses.
Naquele tempo assistia à exibição espectacular dos trapezistas com os olhos muito abertos, fascinado pela coragem e perícia daquela gente que voava e, ao mesmo tempo, assustado com medo de que as mãos do companheiro ou a barra do trapézio lá não estivessem, naquele preciso segundo em que nada pode falhar e o trapezista voador precisa de se segurar. Não me lembro de ter presenciado uma falha ou acidente
Agora … comecei a pensar que a vida de muitos adolescentes e jovens me faz lembrar o número do trapézio. Voam, de um poiso para o outro, atraídos e alimentados pela adrenalina do risco e do desafio que dá sentido a uma existência, neste caso e frequentemente, sem sentido.
Em cada dia, aumentam o risco, em voos mais complicados e testando os limites, os seus e os de quem os rodeia.
À sua volta, muitos ficam indiferentes, outros muitos condenam, alguns outros inquietam-se e ainda outros muitos, também trapezistas, aplaudem.
No circo os trapezistas voam com rede e os acidentes são raros, felizmente.
Os jovens com vidas de trapezista quase nunca voam com rede. Os acidentes sérios são frequentes, falham os apoios de vários lados que não surgem ou estão as mãos de alguém que se atrasou, não percebeu a necessidade ou se atrasou.
Já conheci alguns.

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