É impossível não sentir um enorme sobressalto com a situação agora conhecida das duas meninas gémeas de 10 anos que segundo os relatos conhecidos
vivem com os pais numa garagem em condições de vida indignas, sem frequentar a
escola e assistindo a episódios de violência física e psicológica.
Mais inquietante ainda mas, lamentavelmente sem surpresa, a
situação desta família, em particular a das crianças, estavam sinalizada desde
2013 pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens e era conhecida do Ministério
Público desde 2016. Não pode, não deve, acontecer.
De há muito e a propósito de várias questões afirmo que em
Portugal, apesar de existirem vários dispositivos de apoio e protecção às
crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido sempre assente no
incontornável “superior interesse da criança", não possuímos ainda o que
me parece mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e
jovens como alguns exemplos regularmente evidenciam.
Por outro lado, as condições de funcionamento as Comissões
de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz estão
ainda longe de ser as mais eficazes e operam em circunstâncias difíceis. Na sua
grande maioria as Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações
de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte
mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, é composta por
muitos técnicos em tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio,
na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço
e empenho dos profissionais que as integram.
Os serviços que prestam apoio às comunidades não podem estar cativados, devem ser regulados e escrutinados evidentemente, mas ... deverão ser suficientes e adequados.
Os serviços que prestam apoio às comunidades não podem estar cativados, devem ser regulados e escrutinados evidentemente, mas ... deverão ser suficientes e adequados.
Este cenário permite que ocorram situações como a agora
conhecida, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e
jovens que sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou
não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. E tal como nesta situação
é frequente ouvir depois de alguns episódios mais graves uma expressão que me
deixa particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou
“referenciada” mas dessa "sinalização" não decorreu a adequada intervenção.
Sinalizamos e referenciamos com relativa
facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os
problemas das crianças referenciadas ou sinalizadas. Importa ainda não esquecer as que passam mal em diferentes aspectos sem que estejam sinalizadas ou referenciadas.
Por isso, sendo importante registar uma aparente menor
tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também será fundamental
que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas.
O que me dói ainda mais é que não é a primeira vez que
escrevo sobre acontecimentos desta natureza e, provavelmente, não será a
última.
Como afirma, Benedict Wells no recente “O fim da solidão”, "Uma
infância difícil é como um inimigo invisível. Nunca se sabe quando nos vai
atingir". Como vai ser vida destas meninas? E destes pais?
As crianças são resilientes mas família, afecto, contextos educativos de qualidade, são bens de primeira necessidade. Será a urgente necessidades destas crianças ... como de tantas outras.
As crianças são resilientes mas família, afecto, contextos educativos de qualidade, são bens de primeira necessidade. Será a urgente necessidades destas crianças ... como de tantas outras.
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