Como muitas vezes digo produzindo
alguns sorrisos, a idade traz algumas vantagens interessantes. A primeira é uma
espécie de inimputabilidade, se a impaciência ou cansaço me fizerem soltar
alguma expressão menos “própria” o que há umas décadas seria “má educação” agora
é visto com alguma generosidade considerando “engraçado, com aquela idade e
fala assim". É óptimo, um dia vão saber isso.
A segunda vantagem da velhice é
ter história(s) para contar, os mais novos que lidam comigo ouvem-na(s) com frequência e de diferente natureza.
Talvez seja por isto que dei comigo a pensar como eram as minhas férias lá bem para
trás no tempo.
Quando eu era gaiato, antes do
desenvolvimento ter tapado as quintas da zona onde morava com prédios deixando
como espaço livre o alcatrão, a oferta de férias para os miúdos era basicamente
constituída pelo mais acessível e barato dos equipamentos, a rua. Como os
estilos de vida e o quadro de valores ainda tão tinham alimentado a
insegurança, quando não havia escola, claro, estávamos na rua, sempre na rua.
As actividades não eram muito
sofisticadas nem fantásticas, não ficávamos assim muito excelentes, mas
divertíamo-nos a sério nas férias, com calor, com frio, com chuva, mesmo à
noite. É verdade que alguns dos meus companheiros ainda foram “homens que nunca
foram meninos” como lhes chamou Soeiro Pereira Gomes, desde muito cedo
fizeram-se ao trabalho.
Mas ainda arranjávamos tempo para
brincar, naquela época o tempo era mais barato e havia mais.
Nessa altura os miúdos ainda
podiam apanhar chuva e mexer na terra, não conhecíamos as ameaçadoras
bactérias, os nossos pais também ainda não eram excelentes e fantásticos sempre
na busca de orientações e “coaching” para promover a excelência dos filhos.
Muitas das actividades eram, por
assim dizer, sazonais, mais próprias de umas alturas do ano que de outras.
Algumas, já delas aqui contei, dariam vontade de rir aos miúdos de hoje mas
eram o máximo, a sério.
Andar horas de bicicleta, os
poucos que tinham, ou de arco e gancheta em exibição ou competição, realizar
intermináveis jogos de futebol, muda aos cinco acaba aos dez, com bolas de
cautchu adquiridas através dos rebuçados, jogar hóquei em patins, sem patins, com
uma bola de matraquilhos “desviada” no café e com talos de couve com a curva
adequada a servir de stick, são alguns exemplos.
Fazer tiro ao arco com arcos
feitos a partir das varetas de guarda-chuvas velhos, passar horas nas diversas
variantes dos jogos com berlindes, exercitar a corrida com o jogo da rolha, do
lenço à barra, ou do toca e foge, experimentar a estratégia no jogar às
escondidas ou a perícia nas corridas de caricas, eram outras das muitas coisas
que fazíamos nos nossos tempos livres.
Nesse tempo havia tempo livre, os
miúdos hoje quase não têm. Mas são fantásticos e excelentes.
Às vezes ... não.
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