O Tribunal da Relação do Porto do Porto ataca de novo. É impossível conhecer sem um sobressalto pela gravidade e
pela regularidade da falta de juízo de alguns juízes algumas decisões que ofendem
os valores, a ética e a cidadania.
Desta vez os doutos juízes face a
uma situação de condenação a pena suspensa em primeira instância e após recurso do
Ministério Público mantêm a decisão num caso escabroso.
Os factos, dois funcionários de
um bar encontram na casa de banho já sem ninguém no estabelecimento uma jovem
completamente alcoolizada que violam. Foi provado em julgamento que a vítima
estava “incapaz de resistência” situação que, aliás, um dos agressores referiu.
Os doutos juízes confirmam a pena
suspensa com um acórdão onde consta esta aberração ofensiva, “A culpa dos arguidos
[embora nesta sede a culpa já não seja chamada ao caso] situa-se na mediania,
ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica, ambiente de sedução mútua,
ocasionalidade (não premeditação), na prática dos factos. A ilicitude não é
elevada. Não há danos físicos [ou são diminutos] nem violência [o abuso da
inconsciência faz parte do tipo]." Extraordinário.
A questão mais inquietante é que
este atentado à justiça é apenas mais um oriundo do Tribunal da Relação do
Porto. Vejamos.
Em 2017 o Tribunal de Felgueiras
condenou dois homens a penas suspensas num caso de violência doméstica. O
marido e um outro individuo com quem a vítima teve uma relação extraconjugal
que interrompeu juntaram-se e sequestraram a mulher agredindo-a usando uma
“moca” com pregos.
O Ministério Público recorreu e o
Tribunal da Relação do Porto manteve a pena suspensa com base num acórdão que é
uma peça antológica e inspiradora e que fica na história dos crimes contra a
justiça. A justificar a manutenção da pena suspensa lê-se que "O adultério
da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades
existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia,
podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte".
Assim sendo, “O adultério da
mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e
são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso
vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e
humilhado pela mulher.”
Confesso que é difícil entender,
trata-se uma decisão criminosa.
Também num outro caso de
violência doméstica as agressões à mulher foram desvalorizadas por ela “trair o
marido”. Diz o acórdão que “Uma mulher adúltera é uma pessoa dissimulada,
falsa, hipócrita, desleal, que mente, engana, finge. Enfim, carece de probidade
moral”, pelo que “Não surpreende que recorra ao embuste, à farsa, à mentira
para esconder a sua deslealdade e isso pode passar pela imputação ao marido ou
ao companheiro de maus tratos”. Notável.
Deixem-me ainda recuperar mais
dois crimes da Relação do Porto.
Em 2015, um funcionário da REFER
praticou fraudes que prejudicaram a empresa beneficiando o empresário condenado
no Processo face Oculta. Foi condenado em Tribunal por ter sido comprovado o
seu comportamento lesivo da empresa que, aliás, era recorrente.
A REFER, numa estranha quanto
injusta decisão face a tão competente e leal funcionário, instaurou-lhe um
processo que acabou com o despedimento por justa causa.
O íntegro empregado sentiu-se
injustiçado foi para Tribunal e ... ganhou, não havia justa causa para
despedimento. A REFER recorreu e o Tribunal da Relação do Porto, tinha de ser,
voltou a considerar a não existência de justa causa condenando a REFER numa
indemnização de 80 000 € ao seu ex-diligente e honesto funcionário.
Um outro caso de notória
gravidade.
Em 2014 o Tribunal da Relação do
Porto absolveu pais que comprovadamente agrediram o filho de 11 anos com um
cinto infligindo danos corporais de alguma gravidade. A razão de tal
comportamento prendeu-se com resultados escolares e o facto de fumar.
A decisão do Tribunal da Relação
do Porto ao recurso de condenação que o casal tinha sofrido não surpreendeu. “Os
juízes desembargadores entenderam que embora sendo “o comportamento dos pais de
censurar”, não pode ser considerada a “forma qualificada” no crime de ofensa à
integridade física por não haver "aquele acrescido e especial juízo de
reprovação, indispensável" para o considerar como tal. Assim, sendo apenas
aceite a “forma simples” da agressão, o Ministério Público não poderia ter
deduzido acusação, os pais foram absolvidos.”
Finalmente nesta série negra, em
2011 o Tribunal da Relação do Porto 2011 absolveu um psiquiatra que,
comprovadamente, sublinho comprovadamente, violou uma paciente que acompanhava
num quadro de depressão. A justificação para a absolvição foi que o psiquiatra
criminoso violou a paciente mas não usou de violência. Notável e criminosa esta
decisão.
Por onde anda o juízo de alguns
juízes?
Muitas vezes tenho referido no
Atenta Inquietude que uma das dimensões fundamentais para uma cidadania de
qualidade é a confiança no sistema de justiça. É imprescindível que cada um de
nós sinta confiança na administração equitativa, justa e célere da justiça.
Assim sendo, a forma como é percebida a justiça em Portugal, forte com os
fracos, fraca com os fortes, lenta, mergulhada em conflitualidade com origem
nos interesses corporativos e nos equilíbrios da partidocracia vigente
constitui uma das maiores fragilidades da nossa vida colectiva.
Como podemos lidar com esta forma
de administrar a justiça?
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