sexta-feira, 21 de setembro de 2018

POR ONDE ANDA O JUÍZO DE ALGUNS JUÍZES?


O Tribunal da Relação do Porto do Porto ataca de novo. É impossível conhecer sem um sobressalto pela gravidade e pela regularidade da falta de juízo de alguns juízes algumas decisões que ofendem os valores, a ética e a cidadania.
Desta vez os doutos juízes face a uma situação de condenação a pena suspensa em primeira instância e após recurso do Ministério Público mantêm a decisão num caso escabroso.
Os factos, dois funcionários de um bar encontram na casa de banho já sem ninguém no estabelecimento uma jovem completamente alcoolizada que violam. Foi provado em julgamento que a vítima estava “incapaz de resistência” situação que, aliás, um dos agressores referiu.
Os doutos juízes confirmam a pena suspensa com um acórdão onde consta esta aberração ofensiva, “A culpa dos arguidos [embora nesta sede a culpa já não seja chamada ao caso] situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica, ambiente de sedução mútua, ocasionalidade (não premeditação), na prática dos factos. A ilicitude não é elevada. Não há danos físicos [ou são diminutos] nem violência [o abuso da inconsciência faz parte do tipo]." Extraordinário.
A questão mais inquietante é que este atentado à justiça é apenas mais um oriundo do Tribunal da Relação do Porto. Vejamos.
Em 2017 o Tribunal de Felgueiras condenou dois homens a penas suspensas num caso de violência doméstica. O marido e um outro individuo com quem a vítima teve uma relação extraconjugal que interrompeu juntaram-se e sequestraram a mulher agredindo-a usando uma “moca” com pregos.
O Ministério Público recorreu e o Tribunal da Relação do Porto manteve a pena suspensa com base num acórdão que é uma peça antológica e inspiradora e que fica na história dos crimes contra a justiça. A justificar a manutenção da pena suspensa lê-se que "O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte".
Assim sendo, “O adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher.”
Confesso que é difícil entender, trata-se uma decisão criminosa.
Também num outro caso de violência doméstica as agressões à mulher foram desvalorizadas por ela “trair o marido”. Diz o acórdão que “Uma mulher adúltera é uma pessoa dissimulada, falsa, hipócrita, desleal, que mente, engana, finge. Enfim, carece de probidade moral”, pelo que “Não surpreende que recorra ao embuste, à farsa, à mentira para esconder a sua deslealdade e isso pode passar pela imputação ao marido ou ao companheiro de maus tratos”. Notável.
Deixem-me ainda recuperar mais dois crimes da Relação do Porto.
Em 2015, um funcionário da REFER praticou fraudes que prejudicaram a empresa beneficiando o empresário condenado no Processo face Oculta. Foi condenado em Tribunal por ter sido comprovado o seu comportamento lesivo da empresa que, aliás, era recorrente.
A REFER, numa estranha quanto injusta decisão face a tão competente e leal funcionário, instaurou-lhe um processo que acabou com o despedimento por justa causa.
O íntegro empregado sentiu-se injustiçado foi para Tribunal e ... ganhou, não havia justa causa para despedimento. A REFER recorreu e o Tribunal da Relação do Porto, tinha de ser, voltou a considerar a não existência de justa causa condenando a REFER numa indemnização de 80 000 € ao seu ex-diligente e honesto funcionário.
Um outro caso de notória gravidade.
Em 2014 o Tribunal da Relação do Porto absolveu pais que comprovadamente agrediram o filho de 11 anos com um cinto infligindo danos corporais de alguma gravidade. A razão de tal comportamento prendeu-se com resultados escolares e o facto de fumar.
A decisão do Tribunal da Relação do Porto ao recurso de condenação que o casal tinha sofrido não surpreendeu. “Os juízes desembargadores entenderam que embora sendo “o comportamento dos pais de censurar”, não pode ser considerada a “forma qualificada” no crime de ofensa à integridade física por não haver "aquele acrescido e especial juízo de reprovação, indispensável" para o considerar como tal. Assim, sendo apenas aceite a “forma simples” da agressão, o Ministério Público não poderia ter deduzido acusação, os pais foram absolvidos.”
Finalmente nesta série negra, em 2011 o Tribunal da Relação do Porto 2011 absolveu um psiquiatra que, comprovadamente, sublinho comprovadamente, violou uma paciente que acompanhava num quadro de depressão. A justificação para a absolvição foi que o psiquiatra criminoso violou a paciente mas não usou de violência. Notável e criminosa esta decisão.
Por onde anda o juízo de alguns juízes?
Muitas vezes tenho referido no Atenta Inquietude que uma das dimensões fundamentais para uma cidadania de qualidade é a confiança no sistema de justiça. É imprescindível que cada um de nós sinta confiança na administração equitativa, justa e célere da justiça. Assim sendo, a forma como é percebida a justiça em Portugal, forte com os fracos, fraca com os fortes, lenta, mergulhada em conflitualidade com origem nos interesses corporativos e nos equilíbrios da partidocracia vigente constitui uma das maiores fragilidades da nossa vida colectiva.
Como podemos lidar com esta forma de administrar a justiça?

Sem comentários: