Um Tribunal do distrito de
Portalegre decidiu dispensar uma aluna de 15 anos, de etnia cigana e a frequentar o 7º ano do
cumprimento da escolaridade obrigatória. O caso chegou ao tribunal por
iniciativa da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens devido ao continuado absentismo
da aluna. Aliás, o absentismo e abandono são a terceira situação mais frequente
a justificar a intervenção das CPCJ e, naturalmente, não se passam apenas na
comunidade cigana. A decisão da Juíza tem uma fundamentação que a deveria
tornar objecto de estudo obrigatório na formação de juízes e na de qualquer
técnico que intervenha com crianças e jovens.
Cito do Público, a adolescente por "ser de etnia cigana, e de cumprir com as suas tradições” é levada “a considerar
que não necessita de frequentar a escola”, “A menor não demonstra motivação
para frequentar a escola, ajudando a mãe nas tarefas domésticas, na medida em
que esta, por doença, não as pode realizar”.
A Senhora Juíza entende ainda que
a adolescente “já tem 15 anos e que possui as competências escolares básicas,
por necessárias, ao desenvolvimento da sua actividade profissional” e à
“integração social no seu meio de pertença”.
Afirma que ela não está
“minimamente motivada” para continuar na escola e no seu douto entendimento
considera que “o desenvolvimento da personalidade e capacidades dos jovens,
actualmente, para o prosseguimento de uma vida digna, adequada às regras
sociais e jurídicas, se molda, por vezes, por caminhos diversos e igualmente
recompensadores que não simplesmente a frequência da escolaridade até à
maioridade, como precisamente sucede neste caso”.
Tenho medo que esta decisão possa
criar jurisprudência.
Recordo-me de ter comentado aqui
em 2012 uma decisão do Ministério Público em Viana do Castelo ter também “dispensado”
da frequência escolar uma menor de 13 anos e de etnia cigana pois “Atento o
meio cultural em que esta menor se insere, não existe qualquer medida de
promoção e protecção que se adeqúe à sua situação."
Estas decisões não se entendem
num país com a escolaridade obrigatória instituída em 12 anos e que tem entre
os seus direitos fundamentais de cidadania, o direito à educação.
Já algumas vezes me tenho
referido a decisões no âmbito dos Tribunais de Família e de Menores
absolutamente atentatórias dos direitos e do bem-estar dos miúdos, que
contrariam o princípio fundador do ordenamento jurídico português no que
respeita aos mais novos, o superior interesse da criança.
A justificação com o meio
cultural, falta de motivação ou a suficiência da formação já adquirida para as
necessidades das crianças, é absurda e delinquente. Como é sabido, em Portugal,
por razões culturais, também se realizam práticas de mutilação genital
feminina, procedimento criminoso, condenável e que atropela direitos óbvios.
Os Meritíssimos Juízes
entenderão, provavelmente, que considerando o meio cultural nada haverá a
fazer.
Para quem conhece minimamente
este universo, são conhecidas muitas decisões “delinquentes” de alguns
decisores judiciais que apenas devem reconhecer “o supremo interesse da
criança” como figura jurídica e não como princípio fundador inalienável das
decisões que envolvam o bem-estar de crianças e jovens, por mais difícil que
possa entender-se a sua operacionalização, é uma outra questão.
Este cenário, hoje relata-se apenas
mais um exemplo, evidencia a necessidade urgente de que os Tribunais de Família
e de Menores e quem decide nestas matérias sejam dotados dos recursos humanos necessários
e com formação necessários que permita uma tramitação célere dos processos em
apreciação e competente.
Em nenhuma circunstância e muito
menos quando envolve menores, a administração do direito será “apenas” um
exercício praticado por um amanuense administrativo.
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