Após a polémica criada “Os Maias”
de Eça de Queirós mantém-se na lista de leituras para o ensino secundário na
versão final das “aprendizagens essenciais” homologadas na passada semana
bastante tempo antes, como se vê, do início do ano lectivo.
Não me pronuncio sobre a bondade
da decisão, muitos especialistas o fizeram, entendo que o livro é um dos muitos
incontornáveis da nossa literatura mas tendo a pensar que professores e escolas deveriam ter autonomia para decidir sobre estas (e outras) matérias. O que me preocupa é que incluir ou não "Os
Mais" não me parece ser determinante no problema estrutural que enfrentamos, a
relação dos mais novos com a leitura. No caso do livro de Eça, muito provavelmente,
para muitos alunos o seu conhecimento será assegurado pela leitura de alguns “resumos”,
fichas de leitura ou de outros materiais muito acessíveis online que os ajudem a preparar-se para
algumas questões num teste ou exame.
São múltiplos os estudos que
sublinham essa importância, no trajecto escolar e no trajecto pessoal, como
também muitos trabalhos mostram que os hábitos de leitura são pouco
consistentes entre as crianças, adolescentes e jovens como, sem surpresa,
também o são entre a população em geral. Recordo um estudo conhecido em 2015
realizado na Universidade do Minho que apontava para que 10% dos alunos do
ensino secundário nunca leu um livro até ao fim. Não creio que a situação se
tenha alterado significativamente.
É reconhecido que os hábitos de
leitura se ganham desde muito cedo. Sabemos ainda o quanto é positivo que os
pais ou outros “mais crescidos” se envolvam com as crianças, mesmo em idade de
jardim-de-infância, em práticas de leitura e de actividades com os livros para,
por exemplo, contar histórias a partir das imagens. Lembro-me de ouvir o Mestre
João dos Santos afirmar que as crianças aprendem a ler desde que abrem os
olhos.
É verdade que os estilos de vida
actuais ou a quantidade de tempo que muitas crianças passam nas instituições
educativas podem minimizar a disponibilidade familiar para este tipo de
actividades depois de dias muito compridos e cansativos para todos.
Também sei que os livros e
materiais desta natureza têm uma concorrência fortíssima com outro tipo de
materiais, jogos ou consolas por exemplo, e que nem sempre é fácil levar as
crianças a outras opções, designadamente aos livros.
Apesar de tudo isto também
sabemos todos que é possível fazer diferente, mesmo que pouco diferente e com
mudanças lentas.
Como várias vezes tenho afirmado
e julgo consensual, a questão central, embora importante, não assenta nos
livros, bibliotecas (escolares ou de outra natureza) ou na presença crescente e
atractiva dos "tablets", a questão central é o leitor, ou seja, o
essencial é criar leitores que, quando o forem, procurarão o que ler, livros
por exemplo, espaços ou recursos, biblioteca, casa ou escola e suportes
diferente, papel ou digital.
Creio que também estaremos de
acordo que um leitor se constrói desde o início do processo educativo. Desde
logo assume especial importância o ambiente de literacia familiar e o
envolvimento das famílias neste tipo de situações, através de actividades que
desde a educação pré-escolar e 1º ciclo deveriam, muitas vezes são, estimuladas
e para as quais poderiam ser disponibilizadas aos pais algumas orientações.
Nos primeiros anos de
escolaridade é fundamental uma relação estreita com a leitura, não só com os
aspectos técnicos, por assim dizer, da aprendizagem da leitura e da escrita da
língua portuguesa, mas um contacto estreito e regular com a actividade de
leitura, seja do que for, considerando motivações e culturas diferenciadas
apresentadas pelos alunos.
Só se aprende a ler lendo, só se
aprende a escrever, escrevendo, etc.
A relação de muitas crianças com
os materiais de leitura e escrita assentará, provavelmente de forma excessiva,
nos manuais, na aquisição pressionada dos “objectivos” e
"descritores" curriculares e pouco mais, apesar do esforço de muitos
professores. Restará o tempo das AEC onde, apesar de algumas experiências
interessantes, também nem sempre se encontram os conteúdos mais adequados, e o
tempo de casa que em muitas famílias, cada vez mais famílias, é curto.
Neste contexto, embora desejasse
muito estar enganado, não é fácil construir miúdos ou adolescentes leitores que
procurem livros em casa, em bibliotecas escolares ou outras e que usem o
"tablet" também para ler e não apenas para uma outra qualquer
actividade do mundo que tornam acessível. Curiosamente mas sem surpresa têm
vindo a diminuir o número de professores bibliotecários algo que do meu ponto
de vista não me parece sequer justificável com o abaixamento do número de
alunos pois o número de bibliotecas, o espaço de trabalho dos professores bibliotecários
aumentou.
Temos que criar leitores, eles
irão à procura das bibliotecas e dos recursos.
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