segunda-feira, 24 de setembro de 2018

O LUXO DO DESPERDÍCIO


O Expresso faz referência a um trabalho de Iva Pires, “Desperdício Alimentar”, a ser lançado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos durante a semana.
De acordo com o trabalho estima-se que cada família portuguesa desperdice 80 quilos de alimentos por ano, 1,5 Kg por semana.
A questão do desperdício alimentar, por cá e no mundo mais desenvolvido, não tem o destaque que se justificaria e, sobretudo, não parece abrandar.
Num trabalho citado no The Guardian em 2016 lia-se que metade de toda a comida produzida nos EUA é deitada ao lixo.
Mais alguns dados. A Organização para a Alimentação e a Agricultura, da ONU, estima que 1,3 mil milhões de toneladas de alimentos, um terço do que é produzido, são desperdiçadas com um custo de anual de 570 mil milhões de euros para a economia global, o suficiente para alimentar 925 milhões de pessoas. Vivemos num mundo estranho. Na Europa, até chegar ao consumidor perde-se entre 30 e 40% da comida, qualquer coisa como 179 quilos por habitante, 42% dos quais em casa.
O Projecto de Estudo e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar (PERDA), desenvolvido pela Universidade Nova de Lisboa conhecido em 2014, sugere que “no campo e no armazenamento, no sector da pecuária e nas pescas, todos os anos são desperdiçadas 332 mil toneladas de alimentos em Portugal, valor que ultrapassa o desperdício que é feito pelos próprios consumidores (324 mil toneladas de comida deitadas fora).
Somando as 77 mil toneladas perdidas na indústria que processa os alimentos, entre o campo e as fábricas, desperdiçam-se no total 409 mil toneladas por ano.”
Esta escala de valores no que respeita ao desperdício de alimentos é devastadora e, como por vezes se quer acreditar, não é coisa de gente rica, é coisa de toda a gente e mostra o quase tudo que está por fazer embora actualmente tenhamos em Portugal algumas iniciativas importantes no sentido de atenuar desperdícios.
Na verdade, o desperdício é um subproduto dos modelos de desenvolvimento e dos sistemas de valores que deveria merecer uma fortíssima atenção.
Há algum tempo, creio que em 2013, o Parlamento Europeu aprovou um relatório segundo o qual a União Europeia que tem 79 milhões de pessoas a viver abaixo do limiar de pobreza, 15,8% da população, e desperdiça anualmente cerca de metade do que consome em alimentos. Este desperdício corresponde a 89 mil milhões de toneladas, um assombro. Aliás, o Parlamento Europeu estabeleceu como objectivo reduzir em 50% o desperdício até 2025.
Neste quadro releva a necessidade urgente de ponderar os modelos de desenvolvimento económico e social, questionar o quadro de valores com que nos organizamos em comunidade, designadamente no que respeita ao consumo e aos excessos e combater desperdícios que também são consequência desses modelos. Veja-se o caso da quantidade de fruta de excelente qualidade rejeitada pelo aspecto ou pela dimensão.
Escrever sobre estas questões em espaços desta natureza terá alcance zero, mas continuo convencido que é fundamental não deixar cair a preocupação, talvez seja melhor chamar-lhe a indignação, com a pobreza e exclusão para as quais os níveis de desperdício dão um forte contributo.

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