Depois de ouvir os pais, uma escola nos EUA decidiu
introduzir o castigo físico como forma de disciplinar os alunos. O castigo é
realizado com uma palmatória que, lê-se no DN citando as regras definidas, “não
poderá ter mais de 60 centímetros de comprimento, 15 centímetros de largura e
19,05 milímetros de espessura. Além disso, o uso da palmatória tem o limite máximo
de três palmadas. O estudante será levado para um escritório de porta fechada.
O estudante vai colocar as mãos sobre os joelhos ou uma mobília e será atingido
com a palmatória nas nádegas”.
Algumas notas retomando um texto que escrevi para a Visão.
Se bem estão recordados, no âmbito da polémica relativa ao programa
“Supernanny” e sempre que na imprensa se refere comportamentos menos positivos
de crianças ou adolescentes são inúmeros os comentários e discursos sobre a
alegada falência das famílias na definição de regras e limites nos
comportamentos de crianças e adolescentes. Muitos destes discursos e
comentários têm sido acompanhados de referências ao facto de não se recorrer a
umas “palmadas”, à “pedagogia do chinelo” ou outras variações no mesmo tom, com
uns “tabefes” a coisa resolvia-se.
As alusões às dificuldades das famílias ou da escola na regulação dos
comportamentos de crianças e adolescentes podem ser justificáveis mas a ideia de lidar com estas
dificuldades através do bater parece-me na verdade preocupante para além da sua
potencial ineficácia. Ninguém pode garantir que foram ou que são as “tareias”
que constroem pessoas de bem.
Aliás, gostava de recorrer a um trabalho desenvolvido pela
Universidade de Pittsburgh nos EUA divulgado na Child Development em 2017 que
acomodando diferentes variáveis seguiu 1482 alunos durante nove anos e
evidenciou uma relação sólida entre o que foi considerado “parentalidade
severa” (recorrer com regularidade ao gritar, bater ou outro tipo de
comportamento coercivo, além de ameaças físicas e verbais como forma de
punição) e baixo rendimento escolar e problemas de comportamento nas crianças
envolvidas nesse “modelo” de educação familiar.
Considerando agora de forma mais particular o recurso
regular ao “bater” como ferramenta educativa, importa sublinhar que desde 2007
o Código Penal Português estabelece no Artº 152 a proibição dos “castigos
corporais” como também acontece em muitos outros países.
Sabemos e não esquecemos que os “castigos corporais” podem
ir da mais ligeira palmada à mais pesada tareia e também sabemos que bater é um
tipo de comportamento inscrito na prática de muitas famílias na sua relação
educativa com os filhos.
Aliás, com base no peso cultural deste comportamento a
França ainda não seguiu a recomendação do Conselho da Europa de proibir os
castigos corporais a crianças. A então Secretária de Estado da Família do
Governo Francês afirmou há algum tempo em entrevista à AFP e ao Le Monde que
não pretendia proceder a alterações pois uma parte da população é favorável aos
castigos corporais e não quer "dividir o país em dois campos: os que são
pela palmada e os que são contra.”
A Senhora Secretária entendia ainda que "persiste uma
tolerância baseada no costume, a do direito de correcção, que é aceite desde
que seja ligeira e tenha um fim educativo"
Na verdade e como dizia, os castigos corporais ainda são uma
"ferramenta" educativa em muitas famílias e, é conhecido, também em
instituições que acolhem crianças sendo que mesmo que no âmbito da justiça a
questão é complexa.
Recordo a título de exemplo que em 2014 o Tribunal da
Relação do Porto absolveu pais que comprovadamente agrediram o filho de 11 anos
com um cinto infligindo danos corporais de alguma gravidade. A razão de tal
comportamento prendeu-se com resultados escolares e o facto de fumar. Cito do
Público, “Os juízes desembargadores entenderam que embora sendo “o
comportamento dos pais de censurar”, não pode ser considerada a “forma
qualificada” no crime de ofensa à integridade física por não haver "aquele
acrescido e especial juízo de reprovação, indispensável" para o considerar
como tal. Assim, sendo apenas aceite a “forma simples” da agressão, o Ministério
Público não poderia ter deduzido acusação, os pais foram absolvidos.”
A ver se nos entendemos, bater em crianças não é uma
actividade educativa, o comportamento gera comportamento, aliás, também se sabe
que crianças que foram batidas são frequentemente pais que batem.
A este propósito recordo que o Papa Francisco declarou numa
intervenção pública em 2015 que entende que quando um pai bate num filho e não
lhe bate na cara está a agir com dignidade, respeita a criança e educa-a.
Confesso que sinto alguma dificuldade em compreender como um comportamento de
violência dirigido a uma criança possa ser algo de digno.
No entanto e dito tudo isto, também entendo que
comportamentos inadequados ou incompetentes não significam necessariamente que
estejamos perante pessoas, pais, más ou incompetentes.
Todos nós, alguma vez, agimos de uma forma menos ajustada ou
adequada com os nossos filhos e isso não nos transforma em pessoas más,
significa que somos apenas pessoas, que somos imperfeitos, por assim dizer e
para utilizar uma expressão actual.
No entanto, em contextos escolares importa considerar que os
técnicos têm como mediador na relação com os comportamentos das crianças
conhecimentos e balizas éticas e deontológicas que colocam a questão dos
castigos físicos num outro plano.
Assim sendo, creio que devemos ser cautelosos, quer na
defesa da "estalada educadora", quer na diabolização definitiva de
pais que numa situação eventualmente esporádica e de tensão assumem um
comportamento de que podem ser os primeiros a arrepender-se.
Esta nota, não branqueadora ou desculpabilizante de nada,
pode não ser particularmente simpática mas estou cansado, tanto de discursos de
legitimação do efeito "educativo" da violência dirigida a crianças,
como de discursos demagógicos e, por vezes hipócritas, que clamam pelo
"crucificação" cega de uma pessoa, o outro que bate, mas são
produzidos por gente desatenta ou mesmo autora ou apoiante doutros
comportamentos dirigidos a miúdos tão indignos quanto a "estalada"
ainda que menos visíveis.
Finalizando, embora saiba que a legislação mesmo quando é
imperativa é entendida como indicativa e, portanto, desrespeitada como temos
tantos exemplos em várias matérias é bom não esquecer que estamos a falar de
direitos, não de opiniões.
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