Na Visão encontra-se um trabalho sobre
uma questão pouco divulgada mas bem presente na vida de muitos adolescentes e
jovens e respectivas famílias, o mal causado a si próprio, a automutilação. São
citados estudos em Inglaterra e EUA que dão conta do volume e gravidade das situações registadas.
Na verdade, os comportamentos de
automutilação em adolescentes são mais frequentes do que muitas vezes pensamos e
devem ser encarados com preocupação. E os casos que vão sendo conhecidos são
apenas isso, os conhecidos, a ponta do iceberg.
Alguns estudos internacionais
apontam para cerca de 10% da população em idade escolar com comportamentos de
automutilação pelo que os dados encontrados em Portugal são, de facto,
preocupantes.
Segundo os últimos dados do
estudo “A Saúde dos adolescentes Portugueses”que integra o estudo internacional
Health Behaviour in School-aged Children, da responsabilidade da OMS, um em
cada cinco alunos (20,3%), entre os 13 e os 15 anos já se magoou a si próprio,
de propósito, nos últimos 12 meses, sobretudo cortando-se nos braços, nas
pernas, na barriga... Referiram que se sentiam “tristes”, “fartos”,
“desiludidos” quando o fizeram. Também um estudo da Universidade de Coimbra,
creio que divulgado em 2017, que envolveu 2.863 adolescentes, entre os 12 e os
19 anos, a frequentar o 3.º ciclo e o ensino secundário em escolas do distrito
de Coimbra refere que cerca de 20% afirma já ter desencadeado comportamentos
autolesivos pelo menos uma vez na vida. Recordemos ainda o recente episódio
conhecido por “Baleia Azul”.
É justamente por esta dimensão e
as suas potenciais consequências que me parece fundamental entender tudo isto
como um sinal muito forte do mal-estar que muitos adolescentes e jovens sentem
e a verdade é que em muitas situações não conseguimos estar suficientemente
atentos. Este mal-estar e o que daí pode emergir decorrem de situações de
sofrimento com as mais diversas origens, relações entre colegas, bullying por
exemplo nas suas diferentes formas ou relações degradadas na família que
facilitam a instalação de sentimentos de rejeição, ausência de suporte social
que serão indutoras de comportamentos autodestrutivos.
Começa também a surgir como causa
deste mal-estar a dificuldade que algumas crianças e adolescentes sentem em
lidar com situações de insucesso escolar. Estas dificuldades são frequentemente
potenciadas pela pressão das famílias e pelo nível de competição que por vezes
se instala.
Os tempos estão difíceis e
crispados para muitos adultos e também para os miúdos a estrada não está fácil
de percorrer.
Como disse, alguns vivem,
sobrevivem, em ambientes familiares disfuncionais que comprometem o aconchego
do porto de abrigo, afinal o que se espera de uma família.
Alguns percebem, sentem, que o
mundo deles não parece deste reino, o mundo deles é um espaço, nem sempre um
espaço físico, insustentável que, conforme as circunstâncias, é o inferno onde
vivem ou o paraíso onde se acolhem e se sentem protegidos mas perdidos.
Alguns sentem que o amanhã está
longe de mais e que um projecto para a vida é apenas mantê-la ou que nem isso
vale a pena.
Alguns convencem-se ou sentem que
a escola não está feita para que nela caibam e onde podem ser vitimizados.
Alguns sentem que podem fazer o
que quiserem porque não têm nada a perder e muito menos acreditam no que têm a
ganhar fazendo diferente.
Alguns transportam diariamente um
fardo excessivamente pesado e que os torna vulneráveis.
Depois das ocorrências torna-se
sempre mais fácil dizer qualquer coisa mas é necessário pois muitos destes
adolescentes e jovens terão evidenciado no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a
que, por vezes, não damos atenção, seja em casa ou na escola, espaço onde
passam boa parte do seu tempo. Aliás, alguns testemunhos ouvidos no âmbito dos
recentes e mediatizados casos mostram isso mesmo.
De facto, em muitos casos,
designadamente, em comportamentos de automutilação ou estados mais persistentes
de tristeza e isolamento, pode ser possível perceber sinais e comportamentos
indiciadores de mal-estar. Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados ou
desvalorizados. É também importante que pais e professores atentos não hesitem
nos pedidos de ajuda ou apoio para lidar com este tipo de situações.
O sofrimento e mal-estar induzem
uma espiral de comportamentos em que os adolescentes causam sofrimento a si
próprios o que promove mais sofrimento num ciclo insuportável e com níveis de
perplexidade, impotência e sofrimento para as famílias também
extraordinariamente significativos.
Não, não tenho nenhuma visão
idealizada dos mais novos nem acho que tudo lhes deve ser permitido ou
desculpado. Também sei que alguns fazem coisas inaceitáveis e, portanto, não toleráveis.
Só estou a dizer que muitas vezes a alma dói tanto que a cabeça e o corpo se
perdem e fogem para a frente atrás do nada que se esconde na adrenalina dos
limites.
Alguns destes miúdos carregam
diariamente uma dor de alma que sentem mas nem sempre entendem ou têm medo de
entender.
Espreitem a alma dos miúdos, sem
medo, com vontade de perceber porque dói e surpreender-se-ão com a fragilidade
e vulnerabilidade de alguns que se mascaram de heróis para uns ou bandidos para
outros, procurando todos os dias enganar a dor da alma.
Eles não sabem, eu também não, o
que é a alma. Um adolescente dizia-me uma vez, “dói-me aqui dentro, não sei
onde”.
Muitos pais, mostra-me a
experiência, sentem-se de tal forma assustados que inibem um pedido de ajuda
por se sentirem impotentes e perplexos.
O resultado de tudo isto pode ser
trágico e obriga-nos a uma atenção redobrada aos discursos e comportamentos dos
adolescentes e dos jovens."
Desculpem a insistência nestas
questões mas é necessário.
Sem comentários:
Enviar um comentário