Acentua-se a evidência das sérias
alterações climáticas que ameaçam o sistema educativo. Através de um
estudo sobre mobbing (assédio moral ou psicológico em
contexto laboral) realizado pelo Centro de Investigação em Educação e
Psicologia, da Universidade de Évora ficamos saber que 75% de
uma amostra de 2003 docentes, do pré-escolar ao superior e do ensino público e
privado já foi vítima de pelo menos uma situação desta natureza. O ensino superior é o patamar do
sistema cujos professores referem mais queixas.
No que respeita às fontes de
assédio 49% identifica a direcção dos estabelecimentos, 34% um colega, 28% refere
vários colegas e 37% aponta encarregados de educação e alunos (mais numerosa a
referência a EE).
São dados inquietantes e tanto
mais inquietantes se recordarmos o trabalho recentemente divulgado relativo às condições
pessoais dos professores considerando dimensões relativas ao “desgaste
emocional, “burnout” incluído”, e sobre as condições em que estes trabalham -
se há cansaço, desânimo, desmotivação ou, pelo contrário, alegria.” O trabalho realizado
pela da FCSH em parceria com a Fenprof mostrou que dos perto de 16000 docentes que
participaram quase metade respondeu que revela sinais preocupantes de “exaustão
emocional”, (20,6% mostram sinais “preocupantes”, 15,6% apresentam “sinais
críticos” e 11,6% têm já “sinais extremos” de esgotamento) e mais de 40% não se
sentem profissionalmente realizado.
Neste trabalho foram
identificados alguns factores explicativos dos resultados, a idade dos
docentes, as questões relativas à carreira, organização (burocracia na escola e
gestão hierarquizada das escolas) e o comportamento indisciplinado dos alunos.
A referência como fonte de mal-estar
à organização escolar (burocracia e direcção hierarquizada) associa-se ao
trabalho agora divulgado relativo ao “mobbing”.
Para formar a tempestade perfeita
importa não esquecer conforme o trabalho já deste mês da Direcção-Geral de
Estatísticas da Educação e Ciência, “Educação em Números – Portugal 2018” que
se acentua o envelhecimento da classe docente
No que respeita à educação pré-escolar
48.5% dos educadores de infância tem 50 ou mais anos. No 1º ciclo a percentagem
é de 35.6%, no 2º é de 49.6% e no 3º ciclo e ensino secundário é de 45.2%.
Podemos afirmar que à excepção do 1º ciclo, em todos os patamares do sistema
perto de metade dos professores tem 50 ou mais anos.
Tudo isto gera um cenário muito preocupante.
Estarão recordados que também em
Março se realizou em Lisboa uma cimeira internacional organizada pelo ME, OCDE
e pela organização Internacional da Educação que teve como tema central da
cimeira o bem-estar dos professores.
A este propósito o
secretário-geral da IE, David Edwards afirmou “Não se deve perder a
oportunidade de colocar o bem-estar dos professores no centro das políticas de
todos os países que participam nesta cimeira” e o bem-estar dos professores
terá de ser percebido pelos Governos como “um tema político de primordial
importância”. Sabe-se que se os docentes “se sentem bem com eles próprios podem
fazer uma diferença positiva no ensino dos seus alunos” lê-se na nota de
imprensa.
Escrevi na altura que a cimeira
acontecia em Portugal num tempo em que certamente a boa parte dos docentes não
se sentirá globalmente valorizada e a desenvolver o seu trabalho num contexto
de uma tranquilidade aceitável embora, os estudos o confirmam, globalmente
gostem da profissão, tal como os alunos apreciam positivamente o seu trabalho.
O estudo agora conhecido vem
apenas confirmar e actualizar o que já outros indiciavam.
Como causas mais contributivas
para este cenário de elevado stresse profissional são identificadas turmas com
elevado número de alunos, o comportamento indisciplinado e desmotivação dos
alunos, a pressão para os resultados, insatisfação com as condições
profissionais e de carreira, carga horária e burocrática, falta de trabalho em
equipa, falta de apoio e suporte das lideranças da escola.
Numa referência mais particular
às direcções das escolas, percebidas de forma significativa pelos professores como
fonte de assédio moral e psicológico, apesar das reservas do Professor Filinto
Lima, presidente da Associação Nacional Directores de Agrupamentos e Escolas
Públicas, umas notas breves com o atrevimento de quem não vive por dentro o
quotidiano das escolas mas procura acompanhar de forma atenta o universo da
educação. Estas notas dirigem-se ao ensino básico e secundário pois o modelo de gestão do ensino superior, a competição exacerbada, constituem uma outra realidade e também com problemas severos.
Conforme tenho dito sempre me
pareceu claro que a transformação da direcção de escolas e agrupamentos num
modelo unipessoal e a sua forma de eleição através dos conselhos gerais,
acompanhada por uma política de mega-agrupamentos diminuindo substancialmente o
número de unidades orgânicas, gosto desta designação, para além de questões
económicas se inscreveu na sempre presente tentação de controlo político do
sistema. São conhecidos casos, alguns chegam à imprensa, de processos de
eleição de direcções escolares que mais não são do que formas de colocar
pessoas com o alinhamento certo na função. Aliás, o próprio funcionamento dos
conselhos gerais é, em algumas situações, um exemplo disto mesmo. Assim sendo,
o modelo de gestão unipessoal e a forma de eleição dos directores não são
garantias de “mais democracia” ou “melhor democracia” nas escolas.
Dado um pecado estrutural do
nosso sistema educativo, a ausência de dispositivos de regulação ao longo de
décadas, coexistem boas experiências e práticas em situações de direcção
unipessoal com situações bem negativas.
Por outro lado, importa recordar
que em muitas circunstâncias a “gestão democrática", de democrática não
tinha assim tanto e também se verificavam casos gritantes de menor competência.
Dito isto, parece-me que tanto
quanto ou mais do que o modelo de direcção, unipessoal ou colegial, que volta e
meia reentra na agenda, julgo de reflectir na forma de eleição, participam todos
os docentes ou um pequeno grupo que “representa” o corpo docente no conselho
geral, o mesmo se passando com os funcionários.
Por outro lado, também me parece
que deve existir um claro reforço do papel dos Conselhos Pedagógicos no
funcionamento de escolas e agrupamentos. Parece-me também clara a vantagem da
presidência do Pedagógico ser independente da direcção da escola, sobretudo num
modelo de direcção unipessoal
Importa também que a reflexão
sobre a direcção de escolas e agrupamentos seja acompanhada de uma verdadeira
reflexão sobre o quadro de autonomia nas suas várias dimensões e equilíbrios.
Qual o efeito da anunciada municipalização ou “proximidade”, como também lhe
chamam, na autonomia de escolas e agrupamentos.
É claro que quanto mais sólido
for o modelo de autonomia das escolas mais importante se torna o papel e função
da direcção, independentemente do modelo. Esta é do meu ponto de vista a
questão central.
Muitos estudos e a experiência
mostram que nas organizações, incluindo escolas, a qualidade das lideranças tem
um impacto forte no desempenho das instituições e também de todos os que nela
funcionam. Boas lideranças escolares traduzem-se em melhores e mais estáveis
climas de trabalho, maior nível de colaboração entre os profissionais, menor
absentismo, melhores resultados ou menos incidentes de natureza disciplinar,
melhor relação com pais e comunidade, entre outros aspectos.
Camões já afirmava que um fraco
Rei faz fraca a forte gente o que numa actualização republicana poderá
entender-se como a defesa de lideranças competentes, com um gestão participada,
com mecanismos de eleição alargados, transparentes, escrutinados e com,
insisto, mecanismos de regulação que previnam excessos e abusos
Desculpem um texto tão longo e com matérias tão "quentes" neste tempo de férias.