quinta-feira, 16 de agosto de 2018

DA IMPRENSA


Durante esta quinta-feira mais de 350 jornais norte-americanos, respondendo a uma ideia do Boston Globe, dedicam editoriais a uma firme recusa e contestação dos ataques frequentes de Trump à imprensa.
Não sei qual será o impacto da iniciativa nos cidadãos mas duvido que Trump não responda com mais ataques e novos insultos.
Os tempos vão negros. Esta negrura exige mais do que nunca uma imprensa autónoma e independente. Para isso deverá ser sustentável para minimizar os riscos da influência de quem financia.
Há uns anos numa entrevista ao Público, em 2011, um especialista, Tom Rosenstiel afirmava que se o jornalismo, (os jornais), deixar de ser rentável e, como tal, corra o risco de desaparecimento, as democracias poderão sofrer um "cataclismo cívico".
É este o risco do trumpismo na imprensa.
No entanto, a imprensa tem que fazer o seu papel, terá de ser proactiva e não reactiva.
Uma cidadania de qualidade exige uma imprensa não só voltada para o imediatismo da espuma dos dias e, sou um optimista, acredito que apesar das mudanças em tecnologia e das incidências do mercado a que os jornalistas e os jornais deverão adaptar-se, os jornais em papel são como os dias, nunca acabam. Se forem jornais, bons jornais. Quando escrevo sobre estas matérias recordo-me sempre de jornais e jornalistas que me têm acompanhado ao longo da vida e que me fazem manter leitor diário de jornais em papel. É que, apesar de também consumir informação noutros suportes, não é a mesma coisa.
Neste sentido, precisamos todos que a imprensa cumpra o que se espera dela, justamente o que Trump odeia.
Se analisarmos o nosso quotidiano nesta matéria creio que boa parte da imprensa é, frequentemente complacente com as lideranças económicas e políticas mas também frequentemente esta complacência assenta no seu próprio alinhamento. Em qualquer dos casos um mau serviço prestado à cidadania.
Acho deplorável a forma se aceita a forma como algumas figuras reagem ao ser abordadas pela imprensa sobre assuntos sobre os quais, por várias razões, não lhes interessa discorrer. Surgem então as afirmações patéticas, “não tenho nada a acrescentar”, “desculpem, não comento”, “não estou aqui para falar dessas matérias,” etc., etc. Desenvolvem assim uma espécie de surdez selectiva, só ouvem o que lhes convém, de mutismo selectivo, só falam do que lhes convém, de cognição selectiva, só conhecem o que lhes convém.
As mesmas figuras que directamente ou através de terceiros, lambem as botas às redacções e aos jornalistas (quanto mais influentes melhor) e pedem, exigem, tempo de antena quando tal serve os seus diferentes interesses.
Algumas dessas figuras quando, quase sempre fruto do alpinismo partidário, ascendem a alguma forma de poder conseguem ainda ir mais longe nessa relação com a imprensa, se não lhes agrada calam-na ou atacam-na-na como também não é raro. É um método velho e intemporal, Trump que o diga.
Devo confessar que tal cenário é, para mim, profundamente irritante e patético, sinto que nos insultam, que nos consideram destituídos, como se por não abordarem as diferentes matérias, elas não se passassem ou não existissem ou, noutros processos, que somos manipulados de forma nem sempre perceptível pela opacidade das situações.
Mas incomoda-me uma comunicação social, boa parte dela, passiva e resignada, que não confronta as figuras públicas com estes comportamentos, não os denuncia, e que acorrem solícitos quando essas figuras entendem que têm algo a dizer, as mais das vezes, irrelevante. Também lhes convém esta subserviência interesseira que alguns mantêm, também têm as suas agendas. Às vezes são recompensados.

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