domingo, 12 de agosto de 2018

MAL-ESTAR NA CLASSE DOCENTE, A TEMPESTADE PERFEITA

Acentua-se a evidência das sérias alterações climáticas que ameaçam o sistema educativo. Através de um estudo sobre mobbing (assédio moral ou psicológico em contexto laboral) realizado pelo Centro de Investigação em Educação e Psicologia, da Universidade de Évora ficamos saber que 75% de uma amostra de 2003 docentes, do pré-escolar ao superior e do ensino público e privado já foi vítima de pelo menos uma situação desta natureza. O ensino superior é o patamar do sistema cujos professores referem mais queixas.
No que respeita às fontes de assédio 49% identifica a direcção dos estabelecimentos, 34% um colega, 28% refere vários colegas e 37% aponta encarregados de educação e alunos (mais numerosa a referência a EE).
São dados inquietantes e tanto mais inquietantes se recordarmos o trabalho recentemente divulgado relativo às condições pessoais dos professores considerando dimensões relativas ao “desgaste emocional, “burnout” incluído”, e sobre as condições em que estes trabalham - se há cansaço, desânimo, desmotivação ou, pelo contrário, alegria.” O trabalho realizado pela da FCSH em parceria com a Fenprof mostrou que dos perto de 16000 docentes que participaram quase metade respondeu que revela sinais preocupantes de “exaustão emocional”, (20,6% mostram sinais “preocupantes”, 15,6% apresentam “sinais críticos” e 11,6% têm já “sinais extremos” de esgotamento) e mais de 40% não se sentem profissionalmente realizado.
Neste trabalho foram identificados alguns factores explicativos dos resultados, a idade dos docentes, as questões relativas à carreira, organização (burocracia na escola e gestão hierarquizada das escolas) e o comportamento indisciplinado dos alunos.
A referência como fonte de mal-estar à organização escolar (burocracia e direcção hierarquizada) associa-se ao trabalho agora divulgado relativo ao “mobbing”.
Para formar a tempestade perfeita importa não esquecer conforme o trabalho já deste mês da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, “Educação em Números – Portugal 2018” que se acentua o envelhecimento da classe docente
No que respeita à educação pré-escolar 48.5% dos educadores de infância tem 50 ou mais anos. No 1º ciclo a percentagem é de 35.6%, no 2º é de 49.6% e no 3º ciclo e ensino secundário é de 45.2%. Podemos afirmar que à excepção do 1º ciclo, em todos os patamares do sistema perto de metade dos professores tem 50 ou mais anos.
Tudo isto gera um cenário muito preocupante.
Estarão recordados que também em Março se realizou em Lisboa uma cimeira internacional organizada pelo ME, OCDE e pela organização Internacional da Educação que teve como tema central da cimeira o bem-estar dos professores.
A este propósito o secretário-geral da IE, David Edwards afirmou “Não se deve perder a oportunidade de colocar o bem-estar dos professores no centro das políticas de todos os países que participam nesta cimeira” e o bem-estar dos professores terá de ser percebido pelos Governos como “um tema político de primordial importância”. Sabe-se que se os docentes “se sentem bem com eles próprios podem fazer uma diferença positiva no ensino dos seus alunos” lê-se na nota de imprensa.
Escrevi na altura que a cimeira acontecia em Portugal num tempo em que certamente a boa parte dos docentes não se sentirá globalmente valorizada e a desenvolver o seu trabalho num contexto de uma tranquilidade aceitável embora, os estudos o confirmam, globalmente gostem da profissão, tal como os alunos apreciam positivamente o seu trabalho.
O estudo agora conhecido vem apenas confirmar e actualizar o que já outros indiciavam.
Como causas mais contributivas para este cenário de elevado stresse profissional são identificadas turmas com elevado número de alunos, o comportamento indisciplinado e desmotivação dos alunos, a pressão para os resultados, insatisfação com as condições profissionais e de carreira, carga horária e burocrática, falta de trabalho em equipa, falta de apoio e suporte das lideranças da escola.
Numa referência mais particular às direcções das escolas, percebidas de forma significativa pelos professores como fonte de assédio moral e psicológico, apesar das reservas do Professor Filinto Lima, presidente da Associação Nacional Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, umas notas breves com o atrevimento de quem não vive por dentro o quotidiano das escolas mas procura acompanhar de forma atenta o universo da educação. Estas notas dirigem-se ao ensino básico e secundário pois o modelo de gestão do ensino superior, a competição exacerbada, constituem uma outra realidade e também com problemas severos. 
Conforme tenho dito sempre me pareceu claro que a transformação da direcção de escolas e agrupamentos num modelo unipessoal e a sua forma de eleição através dos conselhos gerais, acompanhada por uma política de mega-agrupamentos diminuindo substancialmente o número de unidades orgânicas, gosto desta designação, para além de questões económicas se inscreveu na sempre presente tentação de controlo político do sistema. São conhecidos casos, alguns chegam à imprensa, de processos de eleição de direcções escolares que mais não são do que formas de colocar pessoas com o alinhamento certo na função. Aliás, o próprio funcionamento dos conselhos gerais é, em algumas situações, um exemplo disto mesmo. Assim sendo, o modelo de gestão unipessoal e a forma de eleição dos directores não são garantias de “mais democracia” ou “melhor democracia” nas escolas.
Dado um pecado estrutural do nosso sistema educativo, a ausência de dispositivos de regulação ao longo de décadas, coexistem boas experiências e práticas em situações de direcção unipessoal com situações bem negativas.
Por outro lado, importa recordar que em muitas circunstâncias a “gestão democrática", de democrática não tinha assim tanto e também se verificavam casos gritantes de menor competência.
Dito isto, parece-me que tanto quanto ou mais do que o modelo de direcção, unipessoal ou colegial, que volta e meia reentra na agenda, julgo de reflectir na forma de eleição, participam todos os docentes ou um pequeno grupo que “representa” o corpo docente no conselho geral, o mesmo se passando com os funcionários.
Por outro lado, também me parece que deve existir um claro reforço do papel dos Conselhos Pedagógicos no funcionamento de escolas e agrupamentos. Parece-me também clara a vantagem da presidência do Pedagógico ser independente da direcção da escola, sobretudo num modelo de direcção unipessoal
Importa também que a reflexão sobre a direcção de escolas e agrupamentos seja acompanhada de uma verdadeira reflexão sobre o quadro de autonomia nas suas várias dimensões e equilíbrios. Qual o efeito da anunciada municipalização ou “proximidade”, como também lhe chamam, na autonomia de escolas e agrupamentos.
É claro que quanto mais sólido for o modelo de autonomia das escolas mais importante se torna o papel e função da direcção, independentemente do modelo. Esta é do meu ponto de vista a questão central.
Muitos estudos e a experiência mostram que nas organizações, incluindo escolas, a qualidade das lideranças tem um impacto forte no desempenho das instituições e também de todos os que nela funcionam. Boas lideranças escolares traduzem-se em melhores e mais estáveis climas de trabalho, maior nível de colaboração entre os profissionais, menor absentismo, melhores resultados ou menos incidentes de natureza disciplinar, melhor relação com pais e comunidade, entre outros aspectos.
Camões já afirmava que um fraco Rei faz fraca a forte gente o que numa actualização republicana poderá entender-se como a defesa de lideranças competentes, com um gestão participada, com mecanismos de eleição alargados, transparentes, escrutinados e com, insisto, mecanismos de regulação que previnam excessos e abusos
Desculpem um texto tão longo e com matérias tão "quentes" neste tempo de férias.

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