quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

O TPC - OUTRO DIÁLOGO IMPROVÁVEL

A directora de turma do 7º B recebeu um recado através da caderneta do Francisco em que o Pai pedia para que ela o atendesse.
Sempre disponível, marcou a conversa logo para a semana a seguir.
O Pai apareceu e explicou a razão do seu pedido, gostava de saber como são feitas as avaliações aos trabalhos de casa.
Mas qual a razão por que o Sr. Pai quer ter tal esclarecimento.
É que eu fiz um trabalho de casa do Francisco para Ciências, e a professora deu-lhe um “Satisfaz menos”. Eu acho que o trabalho merecia mais e gostava de saber a razão.
Eu posso tentar falar com a professora de Ciências e depois digo-lhe qualquer coisa.
Eu agradecia. O Francisco tinha tantos trabalhos para fazer como sempre tem, que eu, embora não tenha estudado muito, resolvi, como sempre faço, ajudar porque, como sabe, o Francisco quer sempre trazer tudo feito. E o trabalho de Ciências não foi fácil, estive a procurar na internet nos sites que a professora tinha mandado passar para o caderno, alguns até nem eram em português, tirei imagens até muito bonitas, tirei também frases muito bem escritas para fazer o trabalho, arrumei bem os tópicos, acho que não tinha erros, que eu tenho muito cuidado a escrever e até imprimi em alta qualidade. De maneira que quando a professora de Ciências me deu, perdão, deu ao Francisco “Satisfaz menos”, fiquei aborrecido, aliás, o Francisco ficou aborrecido. Pode então perguntar à professora de Ciências alguma coisa. Assim, no próximo já posso, perdão, o Francisco já pode conseguir uma melhor nota. Muito obrigado.
Não percebo de onde me surgiu mais este improvável diálogo.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

A INDÚSTRIA DO SUCESSO

O Público refere um trabalho desenvolvido na Universidade de Aveiro aborda uma realidade conhecida a relação entre o peso colocado na avaliação externa, os exames, e o recurso das famílias a ajudas exteriores à escola que dadas as disparidades sociais são uma basse assimetria social.
Do recente Relatório do CNE, "Estado da Educação 2016", consta um dado, extraído aliás do TIMSS de 2015, algo que habitualmente é muito discretamente referido, as ajudas fora da escola, antes conhecidas por “explicações” e agora com designações mais sofisticadas como “Centro de Estudos”, “Ginásios”, etc., que, provavelmente, terão mais efeito “catch” no sentido de atingir o “target”.
Na página 33 lê-se que 61% dos estudantes do secundário referem ter aulas particulares de Matemática no sentido de melhorar o desempenho nos exames. A comparação com outros países é elucidativa tanto mais se considerarmos o respectivo nível de vida, sendo a Noruega um exemplo extremo.
Algumas notas.
De facto um passeio pelas proximidades das escolas mostra a abundância da oferta destes “Centros de Estado” a que se soma a oferta mais personalizada, as “explicações” em casa dos explicadores. O mercado está sempre atento.
Desde o início do ano lectivo mas sobretudo a partir das férias da Páscoa é frequente há já muito tempo o recurso significativo aos centros de explicações visando a “recuperação” para o terceiro período e, sobretudo, a preparação para os exames.
Face à reversão, como agora se diz, na realização de exames do 1º e 2º ciclo e a reintrodução das provas de aferição ter-se-á verificado já um abaixamento da procura deste tipo de apoios mas que ainda assim e apesar das dificuldades das famílias se mantém em alta.
Apesar de nada ter contra a iniciativa privada desde que regulada e com enquadramento legal, várias vezes tenho insistido no sentido de entender como desejável que os apoios e ajudas de que os alunos necessitam fossem encontrados dentro das escolas e agrupamentos. O impacto no sucesso dos alunos minimizaria, certamente, eventuais custos em recursos que, aliás, em alguns casos já existem dentro do sistema.
Esta minha posição radica no entendimento de que a procura “externa” de apoios, legítima por parte das famílias, tem também como efeito o alimentar da desigualdade de oportunidades e da falta de equidade.
Recordo estudos recentes do CNE e da Fundação Francisco Manuel dos Santos que evidenciam algo de muito significativo apesar de bem conhecido e reconhecido, nove em cada dez alunos com insucesso escolar são de famílias pobres.
A ajuda externa ao estudo como ferramenta promotora do sucesso não está ao alcance de todas as famílias pelo que é fundamental que as escolas possam dispor dos dispositivos de apoio suficientes e qualificados para que se possa garantir, tanto quanto possível, a equidade de oportunidades e a protecção dos direitos dos miúdos, de todos os miúdos.
A substituição dos exames pelas provas de aferição não altera esta necessidade imperiosa, antes pelo contrário, torna-a ainda mais pertinente para que se possam corrigir e apoiar ao longo dos vários ciclos as dificuldades de alunos e professores.
O abaixamento verificado na procura que alguma imprensa divulga talvez traduza a menor importância atribuída pelas famílias às provas de aferição e às suas próprias dificuldades económicas.
As necessidades dos alunos poderiam ser atenuadas com o recurso a professores que já estão no quadro ou com contratos sucessivos. Também por estas razões a narrativa dos professores a mais é ... isso mesmo, uma narrativa.
De uma vez por todas, é necessário contenção e combate ao desperdício, mas em educação não há despesa há investimento.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

PAS DE CELLULAIRES, S'IL VOUS PLAIT

O Expresso noticia que o Ministério da Educação francês decidiu que a partir do próximo Setembro as crianças francesas entre os 6 e os 15 anos estão proibidas de usar ou consultar telemóveis e smartphones no receio e nos intervalos para almoço.
Segundo o Ministro, “Hoje em dia, as crianças já não brincam no recreio, porque estão todas à volta do seu smartphone e entende que a decisão é "uma mensagem de saúde pública para as famílias".
Embora a razão que a sustenta, o uso excessivo deste tipo de dispositivos por parte de crianças e adolescentes com risco directos e indirectos reconhecidos, seja óbvia a decisão não é consensual.
Ao que parece existem pais que se inquietam com a impossibilidade de contactar com os filhos e também se colocam questões de natureza logística, como recolher, guardar e devolver a quantidade de telemóveis no entanto esta é a parte que me parece menos discutível se bem que a dificuldade logística seja evidente.
Acresce que a utilização dos smartphone e telemóveis nas salas de aula como ferramenta de trabalho e de suporte à aprendizagem e ao conhecimento está aí e está para se incrementar o que me parece natural. Fica algo estranho que nas aulas possam trabalhar com os dispositivos e no intervalo sejam proibidos de os utilizar.
Não tenho nenhuma convicção que esta estratégia de proibição devolva crianças e adolescentes à conversa e aos “jogos tradicionais”.
A questão estará a montante, a utilização que nós todos damos a estes dispositivos. Seria bastante mais interessante que se discutisse a sério nas comunidades educativas a regulação dos comportamentos e definição de regras e limites, sem “supernannys”, sem “superdaddys” ou “superstores”. No entanto esta discussão tem de ser acompanhada pela nossa, adultos e profissionais, regulação da sua utilização. Se olharmos para muitas famílias em “convívio” ou para muitos contextos profissionais em “reunião” e repararmos o que está acontecer nos ecrãs que muitos terão à sua frente perceberemos o que está por fazer, comportamento gera comportamento.
Apesar de bem-intencionada a decisão da proibição não me parece eficaz e, mais do que isso, pode vir a constituir parte do problema e não um bom contributo para a solução.

domingo, 28 de janeiro de 2018

OS CONSUMOS POR PARTE DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

No Observador encontra-se um trabalho muito interessante sobre um programa que está ser bem-sucedido desenvolvido pela Islândia no combate ao consumo de álcool e drogas por parte de crianças e adolescentes.
Talvez fosse desejável que olhássemos para o que está ser feito e de uma forma adaptada, naturalmente, tentássemos ser mais eficientes ao lidar com uma questão que também em Portugal é um problema sério, o consumo de álcool e não só por parte dos mais novos.
No que respeita ao álcool que ”beneficia” de uma representação social mais amigável sobre o seu consumo mais amigável sabe-se que este tem vindo a crescer alterando-se também os padrões de consumo, beber na rua (é bastante mais barato) e o consumo excessivo e rápido (binge drinking) são duas características presentes. Segundo alguns especialistas, a embriaguez parece deixar de ser uma consequência do consumo excessivo para passar a ser um objectivo em si mesmo. Este padrão tem vindo a ser sublinhado por diferentes estudos sobre os hábitos dos adolescentes e jovens portugueses, cerca de 80% dos jovens com 15 anos consomem álcool segundo um trabalho da Unidade de Alcoologia de Coimbra do IDT e em 2007 56% dos jovens com 16 anos inquiridos referiram este tipo de consumos enquanto em 2003 o indicador era de 25%.
No mesmo sentido um estudo de 2015 do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências mostrou que 31% dos alunos com 13 anos já experimentaram álcool, especialmente cervejas e misturas. Algumas notas.
Uma primeiro aspecto a considerar é o facto de os adolescentes poderem facilmente comprar cerveja e outras bebidas, as “litrosas” ou os shots, como lhes chamam, no comércio mais habitual, lojas de conveniência ou pequenos estabelecimentos de bairro, a um preço bem mais acessível que nos estabelecimentos que frequentam na noite e recorrendo à “toma” simples ou com misturas ao longo da noite, comprida aliás. A presente legislação restringe o comércio e estabelece multas bem mais pesadas mas veremos o efeito prático pois em diferentes domínios a restrição devido à idade nem sempre é respeitada.
O consumo em quantidade e em grupos, sobretudo ao fim-de-semana, é muitas vezes entendido e sentido como o factor de pertença ao grupo, potenciando a escalada do consumo, juntos bebemos mais do que sós, como é óbvio e o estado que se atinge é sentido como um "facilitador" relacional e como é reconhecido o controlo das idades de quem compra seja ineficaz e facilmente ultrapassado.
Muitos adolescentes, ouvidos em estudos nesta matéria, referem ainda a ausência de regulação dos pais sobre os gastos, sobre os consumos ou sobre as horas de entrada em casa, que muitas vezes tem que ser discreta e directa ao quarto devido ao “mau estado” do protagonista. A este propósito veja-se a notícia na imprensa de hoje sobre a identificação por parte da PSP de algumas dezenas de adolescentes com menos de 16 anos identificados nas ruas durante a madrugada em Lisboa que "passeiam" sem supervisão parental.
É preciso que a comunidade esteja atenta a estes adolescentes que logo desde os 13 ou 14 anos “acedem” às “litrosas” e aos shots e também aos seus pais que muitas vezes estão tão perdidos quanto eles.
Apesar de se poder vir a legislar no sentido de apenas aos 18 anos ser permitida a aquisição de qualquer tipo de álcool, parecem-me imprescindíveis a adequada fiscalização e a criação de programas destinados a pais e aos adolescentes que minimizem o risco do consumo excessivo.
A proibição, como sempre, não basta, restringir a publicidade só por si não adianta.
Como muitas vezes tenho afirmado, existem áreas de problemas que afectam as comunidades em que os custos da intervenção são claramente sustentados pelas consequências da não intervenção, ou seja, não intervir ou intervir mal é sempre bastante mais caro que a intervenção correcta em tempo oportuno.
A toxicodependência e o consumo do álcool são exemplos dessas áreas.
Quadros de dependência não tratados desenvolvem-se habitualmente, embora possam verificar-se excepções, numa espiral de consumo que exigem cada vez mais meios e promove mais dependência. Este trajecto potencia comportamentos de delinquência, alimenta o tráfico, reflecte-se nas estruturas familiares e de vizinhança, inibe desempenho profissional, promove exclusão e “guetização” para além de outros efeitos graves na saúde, física e mental, ou nos comportamentos, veja-se a notícia sobre o volume de acidentes em que as pessoas envolvidas acusam consumos, diferentes consumos. Este cenário implica por sua vez custos sociais altíssimos, persistentes e difíceis de contabilizar.
Os consumos, de diferentes substâncias, por parte dos adolescentes e jovens podem relacionar-se com alguma negligência paternal mas na maioria dos casos trata-se de pais que sabem o que se passa, “apenas fingem” não perceber, desejando que o tempo “cure”, sentem-se tremendamente assustados, sem saber muito bem o que fazer e como lidar com a questão. De fora parece fácil produzir discursos sobre soluções, mas para os pais que estão “por dentro” a situação é muitas vezes sentida como maior que eles, justificando-se a criação de programas destinados a pais e aos adolescentes que minimizem o risco do consumo excessivo.
Costumo dizer em muitas ocasiões que se cuidar é caro, façam as contas aos resultados do descuidar.

sábado, 27 de janeiro de 2018

DA DIVERSIDADE EM EDUCAÇÃO

A presença das crianças das comunidades ciganas nas escolas públicas nem sempre é algo de pacífico e tranquilo como seria desejável que acontecesse. Crianças em idade escolar a frequentar a escola é, deveria ser, obviamente, uma situação normal.
A questão é que os fenómenos de guetização presentes sobretudo no que toca à comunidade cigana e que são complexos, produzem com frequência situações como a que agora volta a ser notícia. Numa escola do Algarve ter-se-á colocado numa turma todas as crianças de etnia cigana que frequentam a escola bem como se terão registado comportamentos de discriminação. A estão está em investiga e é referido que na mesma turma estão alguns alunos com dificuldades reconhecidas ou em situação de risco educativo. Que escola ou que escolas devem frequentar as crianças da(s) comunidade(s) cigana(s)? Como deve ser gerida a sua colocação em turmas?
Com frequência, já não é o primeiro caso, justifica-se este tipo de medida com melhorias nos resultados escolares.
Mesmo que tal possa acontecer e importaria perceber de forma mais rigorosa as variáveis que explicariam o progresso e não será obviamente o “juntar dos maus” será sempre questionável a bondade da decisão.
Pela mesma razão, se numa qualquer cidade da Suíça ou da Bélgica fossem constituídas turmas apenas com filhos de emigrantes portugueses e mesmo que os resultados escolares dos miúdos fossem positivos a medida não seria positiva pois a educação é muito mais que o resultado escolar, por mais importante que este seja, evidentemente.
Também me parece, posso estar enganado, que para alguns de nós o que se pode entender com miúdos ciganos não seria aceitável com miúdos filhos de emigrantes portugueses num país estrangeiro.
Na verdade e sem surpresa emerge uma conflitualidade de interesses em torno destas questões assente em valores, experiências negativas ou positivas, estereótipos ou preconceitos de natureza e sinal diferente, dificuldades nas respostas aos problemas, etc.
A pior das soluções parece ser a definição de uma situação que alimente e prolongue a guetização, isto é, para crianças de uma comunidade guetizada uma escola guetizada ou uma turma guetizada.
Em termos formais, distribuir as crianças por várias escolas ou por várias turmas parece mais ajustado. A questão é que não chega.
Como é conhecido por quem lida com estas matérias, não basta ter as crianças na escola para que tudo corra bem. As experiências mostram que as escolas precisam de ter dispositivos e recursos suficientes e competentes que promovam a presença bem-sucedida destes miúdos, como, aliás, de todos os outros. Questões desta natureza não afectam apenas os alunos de etnia cigana, envolvem grupos de crianças como, mais um exemplo, as crianças com necessidades educativas especiais.
Caso contrário, temos o que por vezes designo por “entregação” (estão entregues) e não integração, com os problemas conhecidos daí decorrentes ao nível da aprendizagem, comportamento, absentismo e conflitualidade e reacções negativas de alguns pais e professores, ainda que com a concordância de outros.
Por outro lado, as próprias comunidades ciganas devem ser objecto de intervenção e exigências que não pode ficar na atribuição de uma casa num qualquer bairro social (mais um gueto) e na atribuição, por vezes desregulada, do Rendimento Social de Inserção.
Nada mudará e os problemas repetem-se.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

UMAS NOTAS NO PÚBLICO, "SUPERNANNY: EDUCAÇÃO FAMILIAR, COMPORTAMENTO E ESCOLA

Umas notas no Público sobre uma das matérias na agenda. “Supernanny: Educação familiar, comportamento e escola”.

"Um dos efeitos que me pareceu mais inquietante produzido na sequência do programa da SIC “Supernanny”, lamentável a vários níveis registe-se, foi o desencadear de discursos sobre a excessiva permissividade na educação familiar quase sempre acompanhados por referências à falta de uma “pedagogia do chinelo” (com diferentes designações) como fonte de todos os problemas e dificuldades sentidas na educação familiar e com repercussões noutros contextos de vida de crianças e adolescentes, designadamente, na escola.
Se por um lado a referência a algum excesso de permissividade em alguns contextos familiares me parece ajustada, a defesa de um estilo educativo contido na “pedagogia do chinelo” apesar de colher alguma simpatia, veja-se boa parte dos conteúdos das caixas de comentários da imprensa, levanta sérias dúvidas e é geradora de inúmeros equívocos.
Estes equívocos estendem-se à comunidade escolar com atribuição quase exclusiva das causas de indisciplina escolar a falhas no exercício da parentalidade. Sabemos que existe evidentemente uma relação significativa entre educação familiar e comportamento escolar mas importa não esquecer que o comportamento na escola é também influenciado por outras variáveis para além da família como o número de alunos por turma e as suas características, dimensão da escola, currículos, clima e liderança da escola, apoios e suporte ao trabalho de professores, formação, segurança e experiência do professor, etc.
Neste contexto e pensando sobretudo na educação familiar, um pequeno contributo para a reflexão que me parece desejável, diria imprescindível.
(...)

Deixem-me repetir o que já aqui escrevi para reforçar algumas ideias do texto..
Talvez possamos perceber que na verdade não precisamos de “superpais”, “superfilhos” ou “superprofessores” tal como não precisamos de discursos inconsequentes sobre a culpa ou inquietantes como a falta de “pedagogia do chinelo” tão referida nas caixas de comentários dos jornais.
Precisamos de pais confiantes, seguros, com tempo para o serem, com diálogo com outros pais e com apoios para as dificuldades que surgem e são naturais, os miúdos não vêm com “manual de instruções” e “times they are a-changing’”, também nas famílias.
Precisamos de professores competentes, apoiados por colegas, directores e tutela, valorizados e reconhecidos profissional e socialmente e que contem com apoio para as dificuldades.
Precisamos de crianças que cresçam rodeados pela combinação certa de tempo, afecto, regras e limites que as ajudem a um desenvolvimento saudável e autónomo. Não precisam de ser excelentes a tudo nem cumprir uma agenda intoxicante de actividades fantásticas.
É pedir muito?.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

PSICÓLOGOS, PSICOLOGIA E ESCOLA

Li no Público que o Bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses defendeu na Comissão de Educação e Ciência a importância da intervenção destes profissionais nos contextos educativos para além de outros aspectos mais interiores aos aspectos profissionais como o reconhecimento da habilitações própria dos psicólogos para o ensino da disciplina de Psicologia, situação quase anedótica e inaceitável.
A presença dos psicólogos em contextos educativos tem vivido entre as declarações dos vários actores, incluindo a tutela, sobre a sua necessidade e importância e a lentidão e insuficiência no sentido da sua concretização.
Recordo que no final do ano passado no V Seminário de Psicologia e Orientação em Contexto Escolar o Secretário de Estado da Educação, João Costa, reafirmou a “indispensabilidade de ter psicólogos nas escolas" sublinhando o seu contributo essencial para o sucesso académico e bem-estar dos alunos.
O ME considera prioritário promover o alargamento do número de técnicos e a estabilidade da sua presença nas comunidades educativas.
De facto não é um discurso novo, é apenas algo que tarda em concretizar-se e insisto em notas já por aqui escritas e marcadas pelo óbvio envolvimento pessoal, tenho formação em psicologia da educação.
O ME tem definido o objectivo de atingir um rácio nas escolas que passe dos actuais 1/1700 para um psicólogo para cada 1100 alunos.
De acordo com dados da Ordem dos Psicólogos Portugueses o sistema educativo público terá em falta cerca 500 psicólogos. Acresce que a maioria destes técnicos é contratada anualmente, registe-se que este ano o processo de recondução foi mais cedo.
Também segundo dados da OPP, no ensino privado o rácio é de 1/785 alunos o que, evidentemente, não significará que as instituições de ensino privado suportem recursos humanos desnecessários.
Conheço situações em que existe um psicólogo para um agrupamento com várias escolas e que envolve um universo de mais de 2000 alunos e a deslocação permanente entre várias escolas numa espécie de psicologia em trânsito. Não é uma resposta, é um fingimento de resposta que não serve adequadamente os destinatários como, evidentemente, compromete os próprios profissionais.
Temos também inúmeras escolas onde os psicólogos não passam ou têm “meio psicólogo” ou menos e ainda a prestação de apoios especializados de psicologia em “outsourcing” e com a duração de meia hora semanal uma situação inaceitável e que é um atentado científico e profissional e, naturalmente, condenado ao fracasso de que o técnico independentemente do seu esforço e competência será responsabilizado. No entanto, dir-se-á sempre que existe apoio de um técnico de psicologia.
Nos últimos tempos e como já referi, o ME tem permitido que as escolas contratem prestação de serviços educativos a realizar aos seus alunos, a empresas, naturalmente, exteriores à escola que, aliás, têm florescido. Estes serviços envolvem o trabalho de psicólogos bem como de outros técnicos, por exemplo terapeutas, e desempenham funções em diferentes áreas de trabalho da escola.
O quadro orientador da intervenção dos psicólogos nos contextos escolares definido pelo ME, sendo um documento positivo é evidentemente incoerente com a falta de recursos, é inaplicável em muitas situações.
Não quero, nem devo, discutir aqui a natureza específica, quer em termos de adequação, quer de qualidade da intervenção dos técnicos, designadamente na área da psicologia.
No entanto, como já tenho referido, continuo convicto de se verifica em muitas situações uma sobrevalorização da intervenção dos psicólogos na área da orientação vocacional desequilibrando a intervenção necessária em áreas como dificuldades ou problemas nas aprendizagens, questões ligadas aos comportamentos nas suas múltiplas variantes, alunos com necessidades especiais, trabalho com professores e pais, só a título de exemplo.
Creio que o recurso ao modelo de “outsourcing” ou a descontinuidade do trabalho é um erro em absoluto, é ineficaz, independentemente do esforço e competência dos profissionais envolvidos. Trata-se, também aqui, de mais uma entrega de serviço público aos mercados.
Como é que se pode esperar que alguém de fora da escola, fora da equipa, técnica e docente, fora dos circuitos e processos de envolvimento, planeamento e intervenção desenvolva um trabalho consistente, integrado e bem-sucedido com os alunos e demais elementos da escola?
Das duas uma, ou se entende que os psicólogos sobretudo, mas não só, os que possuem formação na área da psicologia da educação podem ser úteis nas escolas como suporte a dificuldades de alunos, professores e pais em diversos áreas, não substituindo ninguém, mas providenciando contributos específicos para os processos educativos e, portanto, devem fazer parte das equipas das escolas, base evidentemente necessária ao sucesso da sua intervenção, ou então, é uma outra visão, os psicólogos não servem para coisa alguma, só atrapalham e, portanto, não são necessários.
Este último entendimento contraria o que a experiência e o conhecimento da realidade de outros países aconselha. Aliás, de acordo com Cor Meijer, director da Agência Europeia para a Educação Inclusiva e Necessidades Especiais, afirmou no encontro que referi, “Os psicólogos escolares são essenciais para a educação inclusiva".
A situação existente parece-me, no mínimo, um enorme equívoco, que, além de correr sérios riscos de eficácia e ser um, mais um, desperdício (apesar do empenho e competência que os técnicos possam emprestar à sua intervenção), tem ainda o efeito colateral de alimentar uma percepção errada do trabalho dos psicólogos nas escolas.
No entanto, a reflexão sobre os conteúdos, regulação e modelos de intervenção são de outro espaço e oportunidade.
Aguardo que a importância e prioridade sempre atribuídas ao trabalho dos psicólogos em contextos educativos se concretizem de forma suficiente e estável.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA, DE NOVO

A propósito da proposta de recomendação do Conselho da Comissão Europeia, “COUNCIL RECOMMENDATION on promoting common values, inclusive education, and the European dimension of teaching” de 17 deste mês, o meu caro amigo e companheiro de estrada David Rodrigues escreve no Público um texto, “Inclusão na Europa: a tartaruga e a lebre”, que merece leitura e reflexão. O texto, tal como a recomendação, partindo do estado da arte estabelece como que um caderno de encargos para uma política europeia em matéria de educação inclusiva.
Na verdade a situação actual se considerarmos o espaço europeu, para além das assimetrias evidentes, não é particularmente positiva e não pode dissociar-se do quadro político, económico e social que atravessamos
Recordo um documento do Comissário Europeu para os Direitos Humanos, Nils Muiznieks, o Conselho da Europa divulgou um documento, “Fighting school segregation in Europe through inclusive education: a position paper” divulgado em Setembro de 2017 e que na altura aqui referi como de leitura obrigatória.
O Relatório abordava os atropelos ao direito à educação que milhares de crianças sofrem em muitos países europeus. Referia a exclusão e a segregação escolar através de escolas especiais afecta sobretudo e sem surpresa crianças pertencentes a minorias étnicas, designadamente ciganas, migrantes ou refugiadas, crianças de famílias em situação de pobreza e crianças com deficiência.
"Isto é uma violação dos direitos humanos das crianças com consequências negativas a longo prazo para as nossas sociedades. Os Estados membros têm obrigação de assegurar o direito a cada criança a igual educação sem discriminação", lia-se no Relatório.
A recomendação agora conhecida incentiva este trajecto de promoção de uma educação de qualidade para todos, que responda à sua diversidade e necessidades contrariando o impacto da exclusão e segregação nos projectos de vida das crianças.
Na verdade, a educação inclusiva e a equidade em educação não decorrem de uma moda ou opção científica, são matéria de direitos pelo que devem ser assumidas através das políticas e discutidas, evidentemente, na sua forma de operacionalizar. Aliás, poderá afirmar-se, citando Biesta, que a história da inclusão é a história da democracia, a história dos movimentos que lutaram pela participação plena de todas as pessoas na vida das comunidades, incluindo, evidentemente a educação.
Importa que os contextos e comunidades educativas nos quais as crianças e jovens em idade escolar devem estar sejam capazes e tenham os apoios necessários e competentes para em cada momento e em cada escola identificar e contrariar processos de insucesso e de exclusão que se instalam pelas mais variadas razões, a deficiência é apenas uma delas. A promoção da educação inclusiva passa, como tantas vezes afirmo ser um sujeito de direitos, estar nos espaços comuns das comunidades, aprender, participar nos processos educativos comuns e pertencer à comunidade educativa e escolar.
No entanto, a realidade está para além dos nosso desejos, os tempos que vivemos, apesar de alguns avanços e muita retórica, ainda são tempos de exclusão, de competição, de desregulação ética e de oscilação de valores que atingem, evidentemente, os mais frágeis, como é o caso das crianças e jovens com necessidades educativas especiais e as suas famílias.
A questão crítica é que sem uma sociedade inclusiva não teremos educação inclusiva e sem educação inclusiva não teremos sociedades inclusivas. Como sempre e em tudo, na educação de Todos é que está o futuro.

QUE SE SEPAREM OS PAIS MAS NÃO SE SEPAREM OS FILHOS

Vivemos tempos em que por boas e más razões a educação familiar e os seus sobressaltos estão na agenda.
Como já tive oportunidade dizer, incluindo em colaborações com a imprensa, julgo que é importante que este universo seja objecto de trabalhos e divulgação, a velha ideia da aldeia que educa. Apenas se espera e deseja que as abordagens sejam competentes, informativas e promotoras de confiança e optimismo no exercício da educação familiar.
Hoje encontra-se no DN um trabalho interessante sobre a decisão cada vez mais frequente, felizmente, de se promover e aceitar a residência alternada entre a casa de pais e mães para as crianças de famílias envolvidas em processos de separação conjugal.
De facto, os inquéritos junto das famílias e os estudos mostram que em princípio é mais vantajoso para a criança viver em casa do pai e em casa da mãe por períodos alternados do que a situação que tem sido mais habitual nos casos de regulação parental, a entrega da criança à mãe e visitas ao pai. A própria cultura dos Tribunais de Família tem alimentado decisões desta natureza subvalorizando por preconceito e representação a capacidade cuidadora e educadora dos pais entendo-o sobretudo como “financiador” e parceiro para brincadeiras. Este modelo gera potenciais assimetrias e afastamento entre as crianças e os pais mas, quer na visão dos adultos e envolvidos, quer na decisão das instituições parece verificar-se alguma mudança o que se saúda.
É evidente que ao defender o princípio da residência alternada estamos a falar num princípio geral que deverá ser considerado caso a caso.
Importa ainda sublinhar que as crianças gerem muito bem a dimensão logística e emocional da residência alternada. Na verdade, desde muito novas as crianças lidam tranquilamente com progenitores separados que as amem e delas cuidem e com quem convivam alternadamente.
É sempre preferível uma boa separação a uma má família, as crianças percebem muito bem quando têm pais casados por fora e “descasados” por dentro. Compete aos adultos o esforço, por vezes pesado, de construir uma boa separação. Aliás, só assim poderão voltar a construir uma boa família.
Importante mesmo é que também todos os que de nós lidamos com crianças e com os seus problemas possamos ajudar os pais neste entendimento, poupando sofrimento a adultos e crianças e mesmo decisões de guarda parental pouco amigáveis para o superior interesse da criança.

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

FAMÍLIA, UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE

Alguma imprensa de hoje trata uma questão que merecia maior atenção por parte da comunidade, a adopção de crianças institucionalizadas.
Apesar das alterações realizadas ma lei no sentido de agilizar os processo de adopção o cenário continua sem mudanças significativas e boa parte das crianças institucionalizadas com processo de adopção proposto continuam ... institucionalizadas.
De facto, e 2016 de entre as 8175 institucionalizadas, 830 tinha projecto de adopção proposto e apenas 361 situações se verificaram. No início de 2016 estavam 399 crianças que ninguém se mostrava disponível para adoptar apesar das perto de 200o famílias em lista de espera para adoptar. Entre 2015 e 2016 também diminuíram os pedidos de adopção.
É na verdade um processo complexo e de uma enorme delicadeza dados custos emocionais e psicológicos envolvidos sobretudo para as crianças mas também para os adultos, técnicos e e famílias adoptantes.
Como muitas vezes aqui tenho referido, apesar da evolução que se tem constatado, continuamos com uma elevada quantidade de crianças institucionalizadas, muitas das quais sem projectos de vida viáveis pese o empenho dos técnicos e instituições. É também reconhecido que os processos de adopção, apesar das alterações, ainda são morosos e que muitas crianças não reúnem condições que lhes facilitem a adopção. As crianças mais velhas, com irmãos, de minorias étnicas ou com necessidades especiais passam por maiores dificuldades ou mesmo impossibilidade de adopção.
É fundamental que continuemos a tentar promover até ao limite promover a desinstitucionalização das crianças por múltiplas e bem diversificadas razões e, portanto, minimizar a sua institucionalização que, quando necessária, deveria ser desejavelmente transitória.
Recordo um estudo da Universidade do Minho mostrando que as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa, mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento. A conclusão não questiona, evidentemente, a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção ou outros dispositivos como forma de minimizar estes riscos e facilitar os importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos.
Neste contexto acentua-se a importância da promoção da existência de mais famílias de acolhimento que respondam às situações que não são para adopção e promover processos de adopção mais ágeis. Existem contextos familiares que podem reverter situações negativas que justificam a retirada dos menores durante algum tempo e com apoio reconstruir uma relação familiar bem-sucedida.
Uma família que de facto o seja é um bem de primeira necessidade na vida de uma criança. Citando um autor muito conhecido na área da educação e do desenvolvimento, Bronfenbrenner, "Para que se desenvolvam bem, todas as crianças precisam que alguém esteja louco por elas".
A propósito destas matérias muitas vezes aqui tenho citado uma expressão que em tempos a Laborinho Lúcio num dos encontros que tenho tido o privilégio de manter com ele.
Numa conversa que mantínhamos perante um auditório repleto pedindo às pessoas para ouvirem até ao fim o que iria dizer e não reagirem de imediato afirmou, "só as crianças adoptadas são felizes, felizmente a maioria das crianças são adoptadas pelos seus pais”.
A verdade é que para além das crianças sem família também existem crianças que não chegam a ser adoptadas pelos seus pais, crescem sós e abandonadas.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

OS MIÚDOS QUE GRITAM E OS ADULTOS QUE SÃO SURDOS

Há umas semanas, ainda em tempo de férias escolares, estava a almoçar com um gaiato da família num daqueles espaços de restauração que sempre têm gente nova, adivinharam, isso mesmo, um McDonald's. Numas mesas perto de nós estavam dois casais, gente ainda nova, que tinha à volta três ou quatro crianças, talvez entre os cinco e os sete, oito anos.
Bom, nem vos conto, aquelas alminhas pequenas já teriam almoçado pelo que, enquanto os papás continuavam na "tranquilidade" do repasto, saltitando entre a conversa e os telemóveis, os pequerruchos entretinham-se a gritar, a correr de um lado para o outro, tropeçando nas mesas, entornando papéis e lixo, enfim, animando o almoço dos presentes.
Os papás, de vez em quando, soltavam um distraído e ineficaz, "estejam quietos", "portem-se bem" e continuavam "tranquilamente" na conversa que, dado o barulho, não me parecia sequer fácil de manter.
Às tantas, tinha uma gaiata com uns cinco anos a gritar-me aos ouvidos. Olhei para a mocinha com uns olhos que tenho guardados para quando é preciso, uns que aprendi com o meu pai quando me dizia o que deveria ser feito, que ela recuou, mas foi gritar para o pé de outro bafejado com a sorte de tal experiência.
Fiquei a pensar como gritam estes miúdos, muitos miúdos, a estes acho que nem os ouvi usar um tom de voz normal, seja lá isso o que for, apenas gritos.
Há quem diga que é por causa da educação que levam, ou da falta dela, que os meninos passam o tempo gritar. Eu acho que não é um problema de educação.
Eu creio que os miúdos gritam muito porque, de uma forma geral, os adultos estão mais surdos. Quando os miúdos falam mais baixo os adultos não os ouvem e, por isso, os putos desatam a gritar a ver se alguém lhes liga. O problema é que, muitas vezes, nem assim.
Esta história não tem rigorosamente a ver com superpais e uma Supernanny disparatada.
Tem apenas a ver com atenção, bom senso e regulação que pressupõe afecto, regras, limites e autonomia.

PORTUGUESES, UMA ESPÉCIE AMEAÇADA

Apesar da recuperação que se tinha verificado em 2015 e 2016, o ano de 2017 terá a diferença entre nascimentos e óbitos mais alta deste século, mais 24000 mortes que nascimentos. Acentua-se este inverno demográfico.
Nós, portugueses, somos uma espécie ameaçada e fico deveras inquieto com a aparente despreocupação que as autoridades na matéria e do universo da ecologia revelam e a ausência de medidas de protecção espécie o que não acontece com outras também ameaçadas.
Na verdade, de há alguns anos para cá os portugueses têm sofrido com alterações a vários níveis que se traduzem na sua diminuição no nascimento de novos indivíduos.
As alterações climáticas e das condições de vida no território têm sido de alguma severidade criando um clima tenso, inseguro, que gera desconfiança e desesperança e aumentado as dificuldades da sobrevivência.
De uma forma geral, exceptuando alguns exemplares mais preparados, os portugueses têm sido vítimas de predadores, mais conhecidos por mercados, que têm criado uma enorme pressão no nosso habitat instalando situações de carência e pobreza que dificultam a construção de projectos de vida que incluam filhos o que acentua o declínio da espécie.
É também sabido que nas espécies mais evoluídas assume especial relevância na sua sobrevivência e evolução o papel e a qualidade das lideranças. Também nesta dimensão se verifica uma enorme fragilidade criando uma deriva inconsequente e dispersão de esforços e ideias. Esta situação é ainda um contributo para as alterações climáticas que referi acima.
Os membros mais novos da espécie têm sido particularmente afectados pelas alterações no seu ecossistema pelo que população adulta tende a abster-se de aumentar o número de indivíduos, condição imprescindível à manutenção da espécie.
Acontece ainda que muitos milhares de portugueses, válidos e qualificados, sem que se sintam capazes da sobrevivência no seu habitat se sentem empurrados e têm partido para outros territórios onde muito provavelmente se adaptarão e a prazo abandonam, na prática, a sua espécie embora possamos beneficiar da presença de indivíduos de outras espécies que vêm para o nosso território e se adaptam a este habitat.
Neste quadro, parece urgente que se exijam medidas de protecção aos portugueses. Urge diminuir a actividade predatória sobre boa parte da população.
Urge aumentar os níveis de protecção e incentivo à natalidade mas de forma séria e não medidas inconsequentes e mais retórica. Os custos dos serviços de educação para os membros mais novos da espécie são dos mais altos da Europa.
Urge aumentar o bem-estar da população no seu todo e não de uma pequena minoria que é insuficiente para a manutenção da espécie.
Urge construir um caminho que possibilite a recuperação e proliferação da espécie.
Não somos uma espécie em extinção.
Somos, é verdade, uma espécie ameaçada.
Mas vamos sobreviver.
E para isso é preciso mudar.
Já.

domingo, 21 de janeiro de 2018

SUPERPAIS, SUPERPROFESSORES E SUPERFILHOS

Fica a referência a mais uma pequena colaboração numa peça dedicada a um dos temas educativos do momento, a “Supernanny”. Agora no Público com a Bárbara Wong.
Não quero ser demasiado optimista mas talvez toda esta polémica possa contribuir para devolver alguma serenidade à educação familiar, algo que em muitas famílias parece ser um bem escasso. Já agora seria também desejável que a serenidade se estendesse aos contextos escolares.
Talvez possamos perceber que na verdade não precisamos de “superpais”, “superfilhos” ou “superprofessores” tal como não precisamos de discursos inconsequentes sobre a culpa ou inquietantes como a falta de “pedagogia do chinelo” tão referida nas caixas de comentários dos jornais.
Precisamos de pais confiantes, seguros, com tempo para o serem, com diálogo com outros pais e com apoios para as dificuldades que surgem e são naturais, os miúdos não vêm com “manual de instruções” e “times they are a-changing’”, também nas famílias.
Precisamos de professores competentes, apoiados por colegas, directores e tutela, valorizados e reconhecidos profissional e socialmente e que contem com apoio para as dificuldades.
Precisamos de crianças que cresçam rodeados pela combinação certa de tempo. afecto, regras e limites que as ajudem a um desenvolvimento saudável e autónomo. Não precisam de ser excelentes a tudo nem cumprir uma agenda intoxicante de actividades fantásticas.
É pedir muito?

A COLETOTERAPIA

Confesso que senti um sobressalto de inquietação quando li a notícia do Público que recorrendo a um trabalho do The Guardian refere o facto de se assistir com frequência crescente em escolas da Alemanha ao recurso à colocação de coletes de areia com peso variado em crianças diagnosticadas com Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção. A medida, dizem alguns testemunhos terá efeitos positivos e será menos “agressiva” que a medicação. A evidência científica sobre estes efeitos é frágil  e por isso vale a pena ler toda a peça do The Guardian.
Umas notas breves.
Conhecem-se todas as reservas que em diferentes países se têm vindo a colocar relativamente à base científica para o exponencial aumento de diagnósticos deste tipo de problemas e o consequente disparar do consumo do metilfenidato mais conhecido por um dos seus nomes comerciais, Ritalina. Portugal é um bom exemplo. Segundo dados do Infarmed, em 2010 prescreveram-se no SNS 133 562 embalagens e em 2016 o número foi 270 492. É ainda de considerar que em 2015 63% do volume do fármaco foi usado entre os 10 e os 19 anos e 26% até aos 9 anos. Os adultos consumiram “apenas” 7% do volume total de prescrições. Um cenário que merece a maior das atenções.
No entanto, a minha inquietação remete para a natureza da “opção” terapêutica ou educativa, por assim dizer, vestir um pesado colete de areia às crianças melhora a sua hiperactividade e/ou défice de atenção.
Será que pode valer tudo em nome de uma suposta melhoria provocada por um peso às costas que condicionará a mobilidade. Terá também propriedades relaxantes como se anunciam para alguns dispositivos naqueles inenarráveis anúncios televisivos das horas de almoço?
Ainda segundo a notícia do The Guardian os coletes oscilam 1,2 e seis Kg têm custos entre 140 e 170 euros. Como será calculada a “dose terapêutica” adequada?
Tenho um enorme respeito pelas dificuldades sentidas por pais e educadores que lidam com as crianças e os problemas que as possam afectar. Tenho ainda mais respeito pelas crianças que sofrem em diferentes circunstâncias, sejam pelo que realmente as afecta, seja pelas consequências de intervenções desenhadas com base no que se “acha” que as afecta.
No entanto, considero que a dignidade das crianças é uma linha vermelha que não pode, não deve, ser ultrapassada.
É também o entendimento de alguns especialistas citados pelo The Guardian.

sábado, 20 de janeiro de 2018

A ALMA DA GENTE

A Associação Música Portuguesa a Gostar Dela Própria comemora sete anos de um trabalho que mereceria maior divulgação. Liderada por Tiago Pereira procura “criar uma consciencialização para o conhecimento e importância de um património vivo e muitas vezes esquecido de tradição oral, cantigas, romances, contos, práticas sacro-profanas, músicas, danças e também gastronomia.
Este trabalho imenso encontra-se muito bem documentado no seu site e traduz-se em milhares de registos que justificam conhecimento, apoio e divulgação.
Fica uma amostra que, não podia deixar de ser, é do cante do Alentejo, a alma da gente. A escolha, um registo de enorme ternura, traduz um voto de confiança no futuro do Cante.


SÓ PODE SER BOM PROFESSOR QUEM TENHA SIDO BOM ALUNO. SERÁ? (Take 2)

Ontem no Observador Alexandre Homem Cristo retomou a questão de serem os alunos com notas mais baixas no ensino básico e secundário os que mais revelam a intenção de ser professor. Também nos processos de candidatura ao ensino superior são os alunos com médias mais baixas que se candidatam a cursos de Formação de Professores e Ciências da Educação. Esta situação é de sinal contrário ao que se passa em muitos países.
AHC produz uma análise que merece reflexão embora em algumas questões, como o povo diz, me pareça “uma no cravo, outra na ferradura”.
Esta questão não é nova e retomo algumas notas que creio oportunas.
Uma síntese dos dados. Os candidatos aos cursos de Formação de Professores e Ciências da Educação tiveram na 1ª fase uma média de 130.7 em 200, apenas acima dos candidatos aos cursos de Serviços Social. Por outro lado, segundo os dados do PISA de 2015 só 1.5% dos alunos de 15 anos envolvidos encara a possibilidade de ser professor sendo que estes alunos se situam nos níveis mais baixos de resultados a Matemática e Leitura, o contrário do  que se verifica noutros países.
Dito de outra maneira e de forma simples, são fundamentalmente os alunos de 15 anos com menor desempenho médio (critério PISA) que admitem vir a ser professores e são basicamente os alunos mais “fracos”na finalização do secundário que se candidatam a professores. No entanto, é interessante recordar que no PISA de 2012 e no conjunto dos vários países, a maioria dos alunos portugueses é da opinião de que os professores os ajudam. Portugal e Finlândia lideravam a satisfação com a ajuda prestada pelo corpo docente (83% e 85%, respectivamente). Isto quer dizer, conforme outros estudos demonstram, que os alunos valorizam os professores mas não a profissão o que de facto merece reflexão.
Duas notas prévias.
Em primeiro lugar julgo ser necessária prudência, também recomendada por AHC, sobre a interpretação destes dados e o seu impacto na qualidade dos trajectos futuros, a relação entre o perfil de desempenho de um aluno de 15 anos ou as médias do acesso ao ensino superior e o seu potencial desempenho futuro como professor deve ser vista com extrema reserva. Não é garantido que estes alunos venham a ser maus profissionais como não é garantido que todos os alunos com médias mais elevadas que se candidatam a outras áreas científicas venham a ser excelentes profissionais.
Uma segunda nota para defender que este cenário também se liga ao mecanismo de acesso ao superior, dimensão não considerada por AHC. De há muito que defendo que as médias de conclusão do secundário deveriam ser apenas um dos critérios de acesso ao superior e que deveriam ser as instituições de ensino superior a estabelecer o conjunto de critérios na ordenação do acesso às diferentes áreas científicas. Um caso simples (talvez demasiado simples) para ilustrar isto. Eu quero ser professor mas sei que as notas de acesso são baixas devido á baixa procura. Assim e como não me parece particularmente motivador o que ando a aprender no secundário, cumpro a formação com resultados baixos que me permitem aceder ao meu sonho no qual vou investir e e ser bom aluno e bom profissional. É inverosímil? Não creio.
No caso dos professores e das ciências da educação, como noutras áreas, não é impossível desenhar dispositivos de acesso que despistem vocações e motivações, competências diversas e requisitos considerados pertinentes e considerem também, naturalmente, as médias de conclusão do secundário.
No que que respeita à construção de um bom professor importa ainda não esquecer variáveis fundamentais, a qualidade da sua formação o que obriga a reflectir sobre o que é feito nesta matéria e a regulação do acesso à carreira profissional através da única forma de o fazer correctamente, o desempenho em sala de aula, e não uma sinistra PACC de má memória. O surgimento nas últimas décadas de inúmeras instituições de formação de professores e a incapacidade reguladora da tutela implicou enormes riscos de qualidade, num território com a nossa dimensão é difícil constituir tantos corpos docentes qualificados e experientes. O resultado tem sido o convívio sem sobressaltos entre a excelência e a mediocridade delegando no sentido ético, empenhamento, apoio e auto-formação de cada docente a competência do seu exercício. É evidente que ao longo da carreira profissional assim continuará a ser mas é crítica a qualidade da formação inicial
Por outro lado também são de considerar alguns ouros aspectos. Não creio que a este cenário seja alheio o conteúdo de alguns discursos produzidos sobre os professores que desvalorizam e empobrecem o seu estatuto social e a representação sobre a classe e que são produzidos, por exemplo, por “opinion makers” que frequentemente têm agendas implícitas e quase sempre estão mal informados. No Observador, é só um exemplo, não é raro que tal aconteça.
Talvez também não seja alheia a instabilidade nas políticas educativas com impacto óbvio na estabilidade das carreiras e da sua valorização. Provavelmente em muitas famílias, as que mais probabilidades terão de ter filhos com melhor desempenho escolar, a profissão professor não é uma escolha incentivada ou, no mínimo, bem aceite.
Também alguns discursos vindos dos próprios representantes dos professores podem muitas vezes contribuir para equívocos e representações desajustadas sobre os professores e os seus problemas.
Julgo ainda que deve ser considerado o impacto de alterações nos valores, padrões e estilos e vida das famílias que fazem derivar para a escola, para os professores, parte do papel que competia(e) à família. Este trabalho é realizado, muitas vezes, sem qualquer tipo de apoio ou suporte, com cada professor entregue a si mesmo em climas institucionais pouco favoráveis.
Deste cenário resulta como tantas vezes tenho afirmado a necessidade da valorização dos docentes e da sua profissão de modo a que se torne mais atractiva. Relembro ainda que o envelhecimento muito significativo da classe colocará muito provavelmente a necessidade de docentes questão que também AHC considera e bem.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

DOS TEMPOS "LIVRES" DOS MIÚDOS SEM TEMPOS LIVRES

Um texto de Pedro Strecht na Visão, “Hiperactividade e défice de atenção: um novo paradigma”, para além da pertinência da questão, contém uma afirmação que julgo de particular relevância nos processos educativos em vários contextos, escolar e familiar.
Os tempos de recreio e de espaços verdadeiramente “livres” diminuíram e são considerados vulgarmente “desnecessários”, o que é um erro dramático para toda uma geração.
Muitas vezes me tenho referido aqui e nos espaços de intervenção profissional a esta questão, a última foi já esta semana em mais uma estimulante conversa com pais de crianças em creche e jardim-de-infância em que a importância de brincar de forma autónoma e sem um “programa” de actividades é uma ferramenta útil ao desenvolvimento das crianças. Ainda umas notas a este propósito.
Recupero uma pequena história real. Uma mãe mostrava-se muito aborrecida com o Atelier de Tempos Livres em que o filho, gaiato de uns 10 anos, passa boa parte das férias, porque os técnicos responsáveis "dão poucas actividades às crianças e depois elas põem-se a brincar umas com as outras".
É inquietante perceber alguma visão que, de mansinho, se foi instalando também em muitos pais.
De facto, os discursos e as orientações que se aceitam com "certas" vão criando, também nos pais, a ideia de que os tempos não são de brincar.
Os tempos são de trabalhar, muito, em nome da competitividade e da produtividade, condição para a felicidade, dizem. Vai sendo roubado aos miúdos o tempo e o espaço que nós tínhamos e empregam-nos horas sem fim nas fábricas de pessoas, escolas, chamam-lhes. Aí os miúdos trabalham a sério, a tempo inteiro, dizem, pois só assim serão grandes a sério, dizem também.
Às vezes, alguns miúdos ainda brincam de forma escondida, é que brincar passou a uma actividade quase clandestina que só pais ou professores “românticos”, “facilitistas”, “eduqueses” ou “incompetentes” acham importante.
Mesmo quando os miúdos vão para umas coisas a que chamam “tempos livres”, a verdade é que muitas circunstâncias de livres têm pouco e frequentemente se confunde brincar com entreter e outras vezes acontece a continuação do trabalho que se faz na fábrica de pessoas, a escola. Quando assim não é, felizmente existem muitos espaços em que não é assim, alguns pais reagem como a mãe da história.
Também são encaixados em dezenas de actividades fantásticas, com nomes fantásticos, que promovem competências fantásticas e fazem um bem fantástico a tudo e mais alguma coisa.
Era bom escutar os miúdos e, desculpem a insistência, se lhes perguntarem vão ficar a saber que brincar é a actividade mais séria que realizam, em que põem tudo o que são, sendo ainda a base de tudo o que virão a ser.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

O RISO

Uma passagem de olhos pela imprensa traz quase sempre algo de inesperado. Cumpre-se hoje o Dia Internacional do Riso. É verdade. É assinalada a importância que o riso tem na vida das pessoas.
De facto, sabemos como o riso é habitualmente um sinal de bem-estar ou satisfação e também sabemos como tantas vezes nos faltam motivos para rir como outras tantas nos rimos e sentimos bem.
No que se refere aos mais novos e à importância que para eles tem o riso e o que o riso pode significar, a melhor lição que alguma vez ouvi e que tantas vezes aqui referi, desculpem referi-la de novo, aconteceu-me há uns anos em Inhambane, Moçambique.
Ao passar por uma escola para gaiatos pequenos o Velho Bata, um homem velho e sem cursos, meu anjo da guarda durante a estadia por lá, disse-me que se mandasse traria um camião de batata-doce para aquela escola. Perante a minha estranheza, explicou que aqueles miúdos haveriam de comer até se rir, “só aprende quem se ri”, rematou o Velho Bata.
Pois é Velho, por mais que alguns insistam que tudo tem que ser sério e trabalho, as crianças só aprendem quando se riem.
Convém, aliás, não esquecer que brincar é também a actividade mais séria que as crianças realizam.

AINDA A SUPERNANNY

Excerto de uma colaboração numa peça do DN sobre um dos temas do momento em matéria de educação, “Supernanny”, claro. Em colaborações desta natureza e dada a forma da sua realização, existe sempre o risco de ter afirmações descontextualizadas que lhes podem comprometer o sentido e o conteúdo.
“Não sei se é com aquelas receitas utilizadas no programa que a Margarida deixa de ser furacão porque é necessário tempo para fazer perguntas, para observar, para compreender o que se passa à volta da criança”.
Reafirmo as minhas sérias reservas, por diferentes razões, ao modelo de programa embora entenda que “discutir publicamente e nos “media” as questões da educação” é importante.
Definitivamente e com escrevi há dois dias, “Ser pai não é mobilizar de forma prescritiva um conjunto de “práticas” receitadas por diferentes especialistas. É melhor deixar que os pais falem e encontrem por si a forma de fazer. No fundo, a maioria saberá como, precisa apenas de se sentir confiante e tranquilo. Os que verdadeiramente necessitarão de ajuda serão bastante menos.
Não precisamos de “superpais” como também não precisamos de “superfilhos”."

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

OS "ALÇAPÕES DA NET". DE NOVO

Na imprensa dos últimos dias encontravam-se duas peças que merecem leitura e reflexão sobre um universo que tenho designado por “alçapões da net”. No Público podia ler-se “Quando for grande quero ser youtuber “ e no Observador “Os mitos educativos que estão a deixar as crianças viciadas em tecnologia”. Algumas notas repescadas de um texto que produzi para a Visão.
A presença das tecnologias de informação e de utilização lúdica no nosso quotidiano é cada vez mais pesada e cada vez mais as sentimos como imprescindíveis.
Em muitas famílias as crianças desde muito cedo as crianças têm acesso a este tipo de equipamentos e conteúdos e são reconhecidos os riscos que a sua sobre utilização implica como as peças sublinham.
Apesar de termos contextos familiares em que estes dispositivos são utilizados como serviço de “babysitting”, ou seja, as crianças estão “entretidas” com um qualquer ecrã durante demasiado tempo para “descanso” da família, a experiência mostra-me que muitos pais se preocupam com os comportamentos e atitudes que devem adoptar.
Os estilos de vida e as particularidades de cada situação não permitem elaborar “receitas” com as quais em matéria de educação escolar ou familiar não simpatizo muito. No entanto, creio que poderemos considerar alguns pontos que nos podem ajudar nesta matéria entendidos como orientações.
Não me parece boa ideia “diabolizar” as novas tecnologias, fazem parte do nosso quotidiano e são excelentes ferramentas de acesso a conhecimento e a entretenimento, quer em contexto familiar, quer em contexto escolar. Aliás, já nem me parece que justifiquem o "novas". Assim sendo, afastá-las das crianças e jovens não parece o mais ajustado.
Nesta perspectiva, exceptuando crianças muito pequenas e por razões óbvias, a proibição não parece uma boa abordagem. A definição de regras, tempo, atenção aos conteúdos e circunstâncias de utilização e supervisão relativamente aos conteúdos será uma atitude bem mais ajustada. Não é, evidentemente, uma tarefa fácil mas parece-me imprescindível que sejamos firmes e consistentes nesse sentido, os riscos são elevados e o bem-estar presente e futuro das crianças merece e justifica o esforço.
Conversar com outros pais, educadores/professores ou técnicos sobre estas questões parece também uma boa iniciativa. Verificamos que não somos os únicos a lidar com dificuldades ou inquietações o que pode minimizar alguma insegurança ou receio e podemos partilhar informações e formas de actuar que podem ser úteis apesar das diferenças de cada situação.
Finalmente, creio que a interacção com as crianças na utilização destes materiais é também uma boa opção. Com as mais pequenas porque possibilita ajuda e orientação no uso e com as mais velhas a interacção funciona como forma de supervisão e alerta para “os alçapões” da “net”.
Esta interacção com as crianças é também importante como forma de promover a sua auto-regulação e autonomia nas viagens virtuais. Estão informadas dos riscos, estão informadas sobre a adequação de conteúdos e quando os filtros dos próprios programas não funcionam as crianças decidirão sobre o que acedem ou não acedem, sobretudo quando estão sós. E como como sabemos, muitas crianças estão sós, mesmo quanto têm adultos por perto.
Sei que não é fácil este caminho mas creio que é importante o esforço de o percorrer.
Boas viagens pela “net” … para pais e filhos.

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

NÃO PRECISAMOS DE SUPERPAIS!

“Não precisamos de superpais”, este foi o título do primeiro texto com que iniciei a minha colaboração com a Visão online e que retomo para estas notas.
Serve esta afirmação para uma pequena introdução a umas notas sobre a questão do programa “Supernanny” em exibição na SIC. Sou dos que entendo que matérias como a educação devem ser abordadas na comunicação social, aliás, entendo que temos um défice nessa matéria. No entanto também defendo que que a abordagem destas matérias, designadamente por parte dos profissionais da área, para além dos aspectos científicos deve acautelar questões de natureza ética e deontológica. Nenhuma dúvida sobre isto. Deve ainda ser muito prudente no enunciar de mensagens prescritivas evitando a ideia da “receita” infalível para problemas ou situações das quais se não conhecem todas as variáveis. Procuro não esquecer este entendimento na colaboração regular com a imprensa, por coincidência, com um texto divulgado hoje.
É isto que me parece estar em causa neste episódio da série “Supernanny” que a SIC começou a exibir. Do meu ponto de vista e tal como se entendeu noutros países, o conteúdo e a forma como as questões são tratadas podem ferir, eu acho que ferem, regras de deontologia, ética e de prudência científica da psicologia, a minha área de intervenção, como alguns saberão. Aliás, a própria Ordem dos Psicólogos Portugueses expressou uma posição de sérias reservas.
Toda esta situação radica em algo que tem vindo a verificar-se, alguns excessos nos discursos sobre a "instrução" e "educação" e as questões novas que as mudanças nos valores e nos estilos de vida colocam levam a que alguns pais sintam algumas dificuldades no seu trabalho de pais e a que muito técnicos tenham tentação de fornecer um "manual de instruções" que promoverá a educação perfeita da criança perfeita.
É verdade que contrariamente ao que acontece com todos os bens, até por imposição comunitária, as crianças continuam, felizmente, a ser providenciadas aos pais sem virem acompanhadas de um manual de instruções, em várias línguas, preferencialmente.
Provavelmente por isso, ultimamente tem-se verificado um aumento exponencial na publicação destes "manuais" ou de peças na imprensa com a mesma intenção, ensinar-nos o ofício de pais. São consideradas questões como lidar com birras, com os problemas dos adolescentes, com a escola e os seus problemas, como lidar com os filhos e com os amigos dos filhos, como comunicar com eles, como gerir os seus gostos e as suas crises, como agir nas férias, como ocupar os fins-de-semana, como dialogar em família, como perceber a “cabeça” dos mais novos, como definir regras e disciplina, que alimentação e estilos de vida, como ocupar os tempos livres, que actividades fazem melhor a quê, etc. etc. Todas estas matérias são escrutinadas e analisadas de modo a fornecer, crê-se, um manual de instruções.
A imprensa, em diferentes registos, acompanha a onda, em variadíssimas secções, colaborações e colunas de aconselhamento providenciam-nos receitas, dicas, sugestões exactamente com o mesmo objectivo mas em versão telegráfica. Dado que também colaboro regularmente com a comunicação social a minha preocupação aumenta, coloca-me dúvidas e  tem motivado algumas recusas.
Este frenesim assenta, creio, na melhor das intenções, tornar-nos bons pais. Pela avalanche de ajuda parece que não estamos a conseguir e a experiência mostra-me que muitos pais se sentem assustados com alguns dos discursos que lhes são dirigidos, tanto quanto com algumas das dificuldades que em algumas circunstâncias sentem com os filhos em diferentes idades.
Existem para todos os gostos, para todas as idades e escritos sob as mais variadas perspectivas. Tenho lido muitos, uns acho interessantes e uma eventual ajuda para alguns pais e para algumas questões, outros, devo confessar, deixam-me alguma inquietação, não passam de um enunciado de "orientações prescritivas" longe das circunstâncias de vida em que muitas famílias se movem.
Para além das ajudas que os pais possam encontrar nestes "manuais de instruções" creio ser importante sublinhar que, felizmente para todos nós, a começar pelas crianças, os pais são, de uma forma geral, intuitivamente competentes, mais "asneira", menos "asneira", mais uma "festinha", menos um "ralhete" e a estrada cumpre-se sem grandes sobressaltos. Um discurso social excessivo em torno da "psicologização" ou induzindo a ideia de que só indo a uma "escola de pais" e lendo vários "manuais de instruções" poderemos ser bons pais, pode ser mais fonte de problemas que de ajuda.
Parece-me importante que os pais falem entre si sobre as suas experiências, sem medo de que os julguem maus pais, que na relação com os técnicos ligados à educação as conversas não incidam quase que exclusivamente sobre "se está bem ou mal na escola", mas que se abordem as questões educativas também no contexto familiar de forma aberta e serena. Os "manuais de instruções" não são a solução, são, muitos deles, apenas mais uma ajuda.
Pais atentos, pais confiantes, são pais que educam sem especiais problemas. Curiosamente, alguns "manuais" e alguns discursos "científicos" podem aumentar a insegurança e a ansiedade de alguns pais.
Começo a sentir que está fazer falta alguma tranquilidade e serenidade que devolvam aos pais a confiança em si mesmos e na sua capacidade para exercer bem o papel. Sei que por vezes não é fácil. Ser pai não é mobilizar de forma prescritiva um conjunto de “práticas” receitadas por diferentes especialistas. É melhor deixar que os pais falem e encontrem por si a forma de fazer. No fundo, a maioria saberá como, precisa apenas de se sentir confiante e tranquilo. Os que verdadeiramente necessitarão de ajuda serão bastante menos.
Não precisamos de “superpais” como também não precisamos de “superfilhos”. 

"ELE E ELA", UM OUTRO TEMPO

Partiu Madalena Iglésias, um ícone num tempo feio de um país triste que vibrou com “Ele e Ela” e numa época em que elas eram menos gente. Era um tempo a preto e branco e de direitos capturados.
Para os mais novos.


NA VISÃO ONLINE, "PAIS AMIGOS OU UNS AMIGOS QUE SÃO OS PAIS"

Umas notas na Visão online, “Pais amigos ou uns amigos que são os pais”.
(…)
É verdade que se entendermos por amigo alguém com quem trocamos afecto e temos uma relação próxima os pais serão amigos dos filhos. No entanto, o papel de “pai/mãe” está para além do papel de amigo e seria desejável que não tivéssemos grandes dúvidas sobre isto não apenas no que afirmamos mas, sobretudo, na forma como em cada dia nos relacionamos com os nossos filhos.
O exercício da parentalidade pressupõe e exige uma função reguladora do comportamento e da socialização, a construção de um espaço familiar de afecto, vinculação e aconchego, a promoção da autonomia, enfim, uma relação que em muitos aspectos não é da mesma natureza ou mesmo compatível com o papel de amigo.
(…)

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

O DIA DO PERFIL DO ALUNO

Realiza-se hoje uma “jornada de reflexão”, “Dia do Perfil do Aluno”, nas escolas que aderiram sobre o Perfil do Aluno recentemente aprovado. Para além da iniciativa nas escolas realiza-se uma Conferência em Lisboa na Fundação Champalimaud com a presença do Ministro da Educação que poderá ser acompanhada em directo e com ligação a uma escola.
De há muito que defendo e as boas práticas assim o sugerem que as decisões no que respeita a mudanças em educação devem ser o mais participadas possível envolvendo a generalidade dos actores incluindo os alunos. Não tenho um entendimento idealizado ou romântico do “diálogo” e do “ouvir os alunos” mas creio que importará, de facto, ouvir os alunos, todos os alunos, com real interesse no seu olhar e ideias sobre a sua vida escolar.
Do meu ponto de vista para além do processo de consulta pública estas iniciativas deveriam ter sido promovidas antes da definição do Perfil de Competências do Aluno para o Séc. XXI.
Nesta altura e apesar de sempre entender que, por princípio, criar espaços de discussão em torno da educação é sempre positivo, este “Dia do Perfil do Aluno” parece-me mais uma cerimónia litúrgica de consagração. Não é que seja grave, trata-se de política.
No entanto, como aqui escrevi e afirmei publicamente o Perfil do Aluno parece-me uma boa base de trabalho para o processo de educação e formação dos alunos.

domingo, 14 de janeiro de 2018

E ASSIM VÃO OS DIAS

Três notas breves a propósito do dia de ontem.
O ano de 2018, tal como o de 2017, está sob o signo do Fogo. A tragédia de Tondela marca o dia de ontem. Não se conhecem pormenores apenas que tudo o que podia correr mal, correu dramaticamente mal. 
Também se registou a vitória de Rui Rio sobre o Menino Guerreiro para a liderança do PSD. Santana Lopes já avisou que vai andar por aí e Rui Rio, se atentarmos no mandato no Porto, apresentará uma política sem rasgo nem visão, um exercício de contabilidade certinha mas sem mundo. Cultura e arte, para além de outras inutilidades, serão certamente matérias que não caberão nesse mundo
Ainda soubemos ontem que Passos Coelho tenciona colocar a acção política em banho-maria e vai “tratar da vida”. Se exceptuarmos um ex-político que foi estudar para Paris após a saída de cena e considerando os usos e costumes do reino, Passos Coelho, com base no seu extenso e sólido currículo profissional e mediante concurso, irá ocupar lugares de administração em múltiplas empresas onde desempenhará a emergente e relevantíssima função profissional de facilitador. Muito provavelmente e aproveitando o seu fortíssimo currículo académico e científico candidatar-se-á também à docência universitária numa prestigiada universidade portuguesa ou estrangeira onde inspirará e ensinará as novas gerações. Terá pela frente provas de selecção difíceis mas conseguirá.
E assim vão os dias.

sábado, 13 de janeiro de 2018

A LER "O QUE FAZ UM BOM LEITOR?"

Em texto no Público, “O que faz um bom leitor?”, o Professor João Marôco, coordenador do PIRLS de 2016, procede a uma análise dos resultados  e conclui:
Em suma, os alunos com melhores desempenhos no PIRLS 2016 são confiantes nas suas capacidades (de leitura); provêm de agregados familiares com mais recursos educativos; sentem-se integrados na escola; e demonstram ter competências de leitura à entrada no 1.º ciclo de escolaridade. Estes alunos frequentam escolas onde é dada maior ênfase ao sucesso escolar; os professores sentem que os seus alunos têm vontade de terem sucesso escolar; a síntese das ideias principais do texto são as atividades de ensino mais eficazes; onde os "impedimentos ao ensino devido a limitações dos alunos são reduzidos; e onde os encarregados de educação têm expetativas elevadas sobre o desempenho dos seus educandos.
Pois é meu caro João, esta síntese associa-se ao que de há muito se sabe em matéria de aprendizagem da leitura e que em bom rigor informa muito do que é feito nas escolas apesar do peso de variáveis exteriores à escola como literacia e expectativas dos pais e encarregados de educação que se  repercutem de várias formas nem sempre directas no trajecto de aprendizagem dos alunos.
Na mesma linha, em suma, um bom leitor constrói-se desde o início do processo educativo. Desde logo assume especial importância o ambiente de literacia familiar e o envolvimento das famílias neste tipo de situações, através de actividades que desde a educação pré-escolar e 1º ciclo deveriam, muitas vezes são, estimuladas e para as quais poderiam ser disponibilizadas aos pais algumas orientações que se repercutiriam nas suas expectativas e no exercício da parentalidade.
Nos primeiros anos de escolaridade é fundamental uma relação estreita com a leitura, não só com os aspectos técnicos, por assim dizer, da aprendizagem da leitura e da escrita da língua portuguesa, mas um contacto estreito e regular com a actividade de leitura, seja do que for, considerando motivações e culturas diferenciadas apresentadas dos alunos.
Mas mais do que as razões, e todas contribuirão para a situação que temos, é importante, diria imprescindível, que nos convencêssemos todos, professores, pais e outros actores, que só se aprende a ler, lendo, só se aprende a escrever, escrevendo, só se aprende a andar, andando, só se aprende a falar, falando, etc., etc.