segunda-feira, 8 de maio de 2017

ALUNOS COM NEE NO SECUNDÁRIO. E DEPOIS?

Como ontem referi a partir dos dados disponibilizados pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência o DN abordou o número de alunos com NEE no sistema educativo sublinhando o aumento global do número de alunos enfatizando a subida no ensino secundário e o trajecto bem-sucedido de alunos com NEE nesta fase do trajecto educativo.
Tendo ontem escrito umas notas sobre este afirmado “aumento” do número de alunos deixei para hoje umas notas sobre o caso particular do ensino secundário.
Fruto do alargamento da escolaridade obrigatória e de alguma mudança na visão sobre o trajecto educativo dos alunos com NEE tem-se verificado um aumento significativo destes alunos no ensino secundário. Para este ano e considerando 2015/2016 o número de alunos subiu 18%, de 11062 para 13077.
O DN fala de exemplos bem-sucedidos que se saúdam e são estimulantes mas sem os desvalorizar é imperioso pensar em todos estes alunos e, sobretudo, no que sucede depois dos 18 anos, o fim da escolaridade obrigatória que pode coincidir, mais frequentemente não, com a conclusão do secundário.
A verdade é que a percentagem de alunos com necessidades especiais relativamente aos alunos que frequentavam o ensino superior em 2013/2014 era de 0.36%. No presente ano lectivo foram preenchidas apenas 14% das vagas do contingente especial para alunos com deficiência.
Se a estes dados acrescentarmos que a taxa de desemprego na população com deficiência é estimada em 70-75% e que o risco de pobreza é 25% superior à população sem deficiência e que Portugal se orgulha de ter perto de 98% dos alunos com NEE a frequentar as escolas de ensino regular no período de escolaridade obrigatória, temos um cenário que nos deve merecer a maior atenção.
Como tantas vezes tenho dito, aqui nos espaços de contextos da lida profissional, a questão da presença dos alunos começa no que é feito no ensino básico e secundário, ainda não há pouco escrevi e falei sobre isso.
Por outro lado é fundamental que com clareza, sem ambiguidades ou equívocos se entenda e após a escolaridade obrigatória os jovens, TODOS os jovens, têm três vias disponíveis formação profissional, formação escolar (ensino superior) ou mercado de trabalho (trabalho na comunidade).
A realidade mostra que os jovens com necessidades especiais estão significativamente arredados destas vias e, voltamos ao mesmo, em muitas circunstâncias ao abrigo de práticas e modelos de resposta sob a capa da … inclusão.
De novo, a inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender (tendo sempre por referência os currículos gerais)  e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem dois princípios inalienáveis, autodeterminação e autonomia e independência.
As pessoas com NEE de diferente natureza depois dos 18 anos devem ser, estar, participar e pertencer aos contextos que todas as outras pessoas com mais de 18 anos estão.
É também claro que no âmbito do ensino superior importa que se proceda a ajustamentos de natureza diversa, atitudes, representações expectativas, oferta formativa, custos, acessibilidades, e cursos e apoios ou, como disse, promover melhor articulação com o ensino secundário
Dados de 2014 mostram que em 94 de 291 instituições do ensino superior afirmaram a existência de serviços de apoio para alunos com deficiência. Actualmente a esmagadora maioria dos estabelecimentos, públicos e privados afirma disponibilizar esses serviços.
No entanto, para além de aspectos mais evidentes como a acessibilidade, creio que o apoio pedagógico e a utilização de dispositivos diferenciados nos materiais de apoio das unidades curriculares, da diferenciação nos processos de avaliação ou o recurso às tecnologias, não serão os grandes obstáculos. Tenho alguma experiência de docência no superior com alunos com necessidades especiais e não sinto que sejam estas as questões centrais.
Também não creio que a questão central seja a existência obrigatória de “serviços de apoio” a alunos com deficiência embora tal possa depender da dimensão da instituição. Do meu ponto de vista, procurar responder da forma a adequada às necessidades de TODOS os seus alunos é a essência do trabalho de qualquer instituição educativa e de qualquer docente, com maior ou menor dificuldade.
A questão mais importante decorrerá, creio, das barreiras psicológicas e das atitudes, pessoais e institucionais, seja de professores, direcções de escola, da restante comunidade, incluindo, naturalmente, professores do ensino básico e secundário e de "educação especial", técnicos, os alunos com necessidades especiais e famílias
Também é minha convicção de que as preocupações com a frequência do ensino superior por parte de alunos com necessidades especiais é fundamentalmente dirigida aos alunos que manterão as capacidades suficientes para aceder com sucesso à oferta formativa tal como ela existe. Estou a referir-me, evidentemente, aos alunos que não têm “diagnóstico” de problemas de natureza cognitiva.
No entanto, como disse, esta preocupação deveria ser mais alargada, estamos a falar de inclusão e agora, se quiserem, da minha utopia.
Porque não podem frequentar estabelecimentos de ensino superior? Sim, frequentar o ensino superior onde estão jovens da sua idade e em que a oferta formativa se for repensada e a experiência de vida proporcionada podem ser importantes.
Não, não é nenhuma utopia. Muitas experiências noutras paragens mas também por cá mostram que não é utopia.
O primeiro passo é o mais difícil, tantas vezes o tenho afirmado. É acreditar que eles são capazes e entender que é assim que deve ser.
Eu já disse  e escrevi isto várias vezes. Peço desculpa mas continuarei a fazê-lo.

2 comentários:

Helena Moura disse...

Caro José Morgado. Acabei de colocar o seguinte post "Algo vai muito mal no ensino das crianças e jovens com NEE (com défice intelectual) quando nos dizem, no final do 12º ano de escolaridade, que as competências de escrita e de leitura não são as mais importantes para poder optar por um curso profissional..." e agora dou de caras com este seu artigo.
Fiquei com algumas dúvidas sb o seu texto: se defende que também os jovens com dificuldades desenvolvimentais e intelectuais deveriam ter um lugar no ensino superior (onde estão os seus pares demais de 18 anos)? e se sim, pergunto, quando nem as instituições que têm como missão dar formação profissional a estes jovens, os conseguem integrar, como exigir esta resposta do ensino superior (que de "superior" por vezes não tem nada)?!

Zé Morgado disse...

Olá Helena, as questões que coloca são complexas e não cabem neste espaço de comentário. De forma muito breve.
1 - Não defino tipologias de trajectos para tipologias de problemas nos jovens.
2 - Depois dos 18 anos a comunidade tem 3 vias: continuação de estudos/qulificação; formação profissional/vocacional: mercado de trabalho. Os jovens que não possam de alguma forma aceder a uma destas vias são uma pequeníssima minoria. A institucionalização não é uma via é um recurso.
3 - O ensino superior não tem que ter "apenas" a oferta habitual e pode também evoluir no sentido de acomodar a diversidade de alunos mesmo com problemas de natureza cognitiva, existem experiências positivas por cá e por fora.
4 - A estrutura curricular para os alunos com NEE deve sempre ter como referência até ao limite os currículoas nacionais. Os CEIS, os "currículos funcionais", apesar de boas práticas que também existem, são instrumentos que potenciam a exclusão.
Não dá para desenvolver mais, se pesquisar no blogue encontra mais textos sobre estas questões. Obrigado pelo comentário, Helena.