segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

POLÍTICA LOW COST

O Público informa hoje que só em três Universidades, Porto, Coimbra e Minho cerca de 1200 estudantes terão cancelado as matrículas devido, alegadamente, às alterações no financiamento das bolsas.
Os dados disponíveis não permitem concluir com rigor a relação entre uma coisa e outra, não temos, por exemplo, as taxas de desistência dos anos anteriores. De qualquer forma, é plausível que, diminuindo o volume dos apoios disponibilizados, alguns alunos possam cair em situações de alguma dificuldade embora, é bom não esquecer, que o modelo de financiamento em vigor ainda permite algumas habilidades que fazem parte do ser português e criam situações de injustiça. Estas situações são reconhecidas e conhecidas.
Sendo necessário controlar custos e, sobretudo, desperdício e fraude, entende-se menos que os cortes sejam muitas vezes determinados de forma administrativa e sem atender a especificidades de área social ou circunstância.
Esta espécie de política "low cost" pode vir a ter sérios riscos, quer do ponto de vista económico, quer do ponto de vista social. A título de exemplo pode citar-se o facto de milhares de pessoas verem esgotado o prazo de recebimento dos subsídios de desemprego e ficarem sem meios de subsistência.
Ainda ontem a imprensa referia que no próximo mês milhares de pessoas deixarão de receber algumas prestações sociais devido à alteração de critérios e à falta de prova de necessidade.
Temo que esta política "low cost" nos possa vir a sair bastante mais cara num futuro que pode até nem estar longe. Insisto que sendo necessário repensar custos, o caminho não pode assentar fundamentalmente nos cortes a eito, mas sim no combate ao desperdício, à fraude e, essa a grande necessidade, no repensar dos modelos.

O MUNDO AO CONTRÁRIO

Um dia destes sentei-me por algum tempo no meu canto a ver passar o mundo. E vi coisas estranhas.
A verdade dá prejuízo e a mentira dá lucro. A demagogia é aplaudida e apreciada, enquanto o realismo cai em desuso e é confundido com pessimismo.
Desperdiçam-se alimentos ao mesmo tempo que se passa fome. O crime pequeno do "pilha-galinhas" tem consequências mais pesadas que o crime grande que, muitas vezes, fica impune.
A crise que ameaça os mais desprotegidos obriga, dizem, a desproteger ainda mais os mais desprotegidos que sustentam os custos da crise para aqueles que a provocaram. Confuso? Não, chama-se mercado e, este sim, tem que ser protegido.
As lideranças em várias áreas, mais do que bons exemplos providenciam lições sobre o que se não deve fazer.
Perora-se sobre a poupança e o equilíbrio e, simultaneamente, faz-se a apologia do consumo e da ostentação.
A ética desapareceu do comportamento de muita gente, mora apenas nos discursos, e só em alguns.
Promove-se o compadrio e a incompetência em vez do mérito.
Confunde-se serviço público com ao serviço de algum público, pequeno, já se vê.
Às tantas cansei-me, carreguei no comando e desliguei o mundo.

domingo, 30 de janeiro de 2011

AS CRIANÇAS ABANDONADAS, AS REJEITADAS E AS ADOPTADAS

O DN de hoje apresenta um trabalho interessante sobre o universo dos processos de adopção em Portugal. A peça sublinha a enorme dificuldade de algumas crianças em ser adoptadas devido a situações como doença, existência de irmãos ou uma idade já elevada. Assim, muitas crianças estarão mesmo condenadas a não ter uma família. Curiosamente, existem famílias interessadas na adopção de bebés que esperam até cinco anos porque entre os mais pequeninos passíveis de adopção o número é menor.
A propósito da questão da adopção e dos cuidados familiares aos miúdos algumas notas já aqui deixadas sobre as crianças abandonadas, rejeitadas e adoptadas.
Por estranho que possa parecer, existe uma outra realidade, menos perceptível em termos globais, mas conhecida por aqueles que lidam de mais perto com as crianças e que remete para a quantidade enorme de situações de crianças abandonadas e rejeitadas dentro das famílias, algumas destas famílias até com um funcionamento aparentemente normal.
Pode parecer surpreendente esta abordagem, mas muitas crianças vivem em famílias, diferentes tipos de família, que, por variadíssimas razões as não desejam, as não amam, apenas as toleram, cuidam, pior ou melhor, sobretudo nos aspectos "logísticos". Em alguns casos, são mesmo crianças a que "não falta nada", dizem-nos. Na verdade falta-lhes o essencial, um colo de uma família.
Quando penso nestas situações lembro-me sempre de uma expressão que ouvi já há algum tempo a Laborinho Lúcio num dos encontros que tenho tido o privilégio de manter com ele.
Dizia Laborinho Lúcio que "só as crianças adoptadas são felizes, felizmente a maioria das crianças são adoptadas pelos seus pais”. Na verdade, muitas crianças não chegam a ser adoptadas pelos seus pais, crescem sós e abandonadas.
Existem mais crianças a viver narrativas desta natureza, abandonadas e ou rejeitadas dentro da família, do que se pode imaginar.

sábado, 29 de janeiro de 2011

DESÍGNIO, CONSENSO NACIONAL, GRANDE PROJECTO - as palavras da política pequena

Há algumas semanas o Presidente da República afirmou que a educação deveria ser um desígnio nacional assumido por todos. Disse ainda que a educação é uma pedra fundamental do nosso desenvolvimento, que a qualificação é imprescindível, que devemos mobilizar todos os meios ao nosso alcance, que é necessário proteger as crianças dos efeitos da crise, etc. etc., ou seja, a retórica do costume. Não foi certamente a primeira vez que um responsável político fez uma afirmação desta natureza, é, aliás, um discurso recorrente e repetido com insistência.
Alguns tempo depois ouvimos Hoje, cabe a vez aos dirigentes sindicais da FENPROF e da FNE de fazer um apelo a "um consenso nacional sobre educação" com base num amplo debate sobre os estado da educação e no sentido de evitar as derivas políticas que caracterizam o sistema.
Hoje é o Primeiro-ministro a decretar que a “educação é o grande projecto para Portugal” a propósito do processo de requalificação das escolas. Estranha afirmação vinda de quem tem subscrito medidas de política educativa que comprometem a qualidade do trabalho desenvolvido nas comunidades educativas e envolvendo professores, alunos e pais.
Para além disto, que não é pouco, todos estes actores sabem que na cultura e praxis política que temos tal “desígnio”, “consenso” ou “grande projecto” são impossíveis, ou quase impossível, A partidocracia instalada leva a que, na generalidade das matérias, os interesses partidários se sobreponham aos interesses gerais, a conflitualidade que sendo importante e muitas vezes estimulante e promotora de mudança, é assente em corporações de interesses e clientelas que inibem a definição de rumos e de perspectivas que visem o interesse geral. O Presidente, os dirigentes sindicais e o Primeiro-ministro sabem-no bem, fazem parte do sistema, pelo que os seus discursos se inscrevem no próprio funcionamento do sistema e que conduz ao que temos e as alternativas prováveis não são particularmente animadoras.
No universo mais particular da educação, devido ao peso e impacto social do sector, é ainda mais óbvio a presença de interesses antagónicos que decorrem bem mais dos interesses da partidocracia do que a verdadeira preocupação com a qualidade dos processos educativos. Se atentarmos nos discursos habituais dos que se movem neste universo com alguma responsabilidade fica óbvia esta realidade.
Gostava de poder ter um discurso mais optimista, mas muito provavelmente continuaremos a assistir à continuidade da deriva e do digladiar de interesses partidários, promovendo política pequena onde era imprescindível política grande.

BULLYING, AS RESPOSTAS DE FORA E A FALTA DE RESPOSTAS DE DENTRO

Embora seja de há uns tempos para cá, naturalmente, um dos fenómenos mais mediatizados, o bullying é apenas um dos muitos problemas que as comunidades educativas enfrentam.
Para problemas desta natureza poderemos identificar dois grandes eixos de intervenção por demais conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir.
Com alguma demagogia a propósito do bullying, as vozes a clamar por castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição, quando for caso disso. Nos últimos dias foi aprovada a criminalização da violência escolar que, do meu ponto de vista, terá um impacto pouco significativo no universo de problemas.
Vem esta introdução a propósito da informação, referida no Público, de que o Portal sobre o bullying teve durante o seu primeiro ano de funcionamento cerca de 650 000 visitas e respondeu a 700 solicitações.
Esta utilização mostra a necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais para que pais, professores e alunos possa obter informação e apoio. Lamentavelmente, este serviço é exterior às escolas e ilustra a falta de resposta estruturada e global do sistema educativo, para além de um programa limitado de formação de professores que se encontra em desenvolvimento. A definição de dispositivos de apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes é, a par de ajustamentos nos modelos de organização e funcionamento das escolas e de uma séria reestruturação curricular, uma tarefa urgente.
Do meu ponto de vista, o argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar são incomparavelmente mais caras.

IMAGENS - O Mar e Sintra ... ao fundo

Foto de João Morgado - http://olhares.aeiou.pt/jgmorgado

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

OS JOVENS ALEMÃES DEPORTADOS EM PORTUGAL

As águas agitaram-se hoje com a reportagem da ZDF, a televisão pública alemã, sobre a presença em Portugal de jovens “problemáticos”, um eufemismo de que não gosto, entregues a instituições ou famílias em Portugal que prolongam a estadia de forma a assegurar o recebimento das elevadas verbas pagas pelos serviços alemães.
Ao que parece, o esquema é considerado uma autêntica “máfia social”. Esta situação era conhecida e dura há muito. Creio que há uns dois anos, surgiram algumas referências discretas na imprensa relativas a perturbações e comportamentos de alguns desses jovens nas comunidades em que estavam “deportados”. A reportagem hoje conhecida refere a falta de cuidados de supervisão, a existência de casos de delinquência e tentativas e situações consumadas de suicídio. Curiosamente, o presidente do Instituto de Segurança Social reconhece a situação e está a investigar, agora, as instituições envolvidas, ilegais ao que afirma o próprio presidente do ISS, e que também alegadamente elaboravam relatórios sobre os jovens que sustentavam a continuidade da sua rentável estadia em Portugal.
Esta situação é mais um exemplo do que não deve acontecer. O estado alemão autoriza e subsidia a “deportação” de cidadãos alemães menores em circunstância de vida complicadas e o estado português, soberano, e os respectivos serviços competentes não são informados. Por outro lado, o estado português não podia deixar de conhecer a situação e assobia para o ar reagindo tarde e a más horas, apenas no momento em que os próprios alemães divulgaram a situação.
Como em muitas áreas em Portugal, a regulação e supervisão dos serviços responsáveis ou não existem ou são ineficazes, lamentavelmente.

MAIS OLHOS QUE BARRIGA

Quando era miúdo ouvia com frequência a muitos adultos a expressão "ter mais olhos que barriga". Os mais velhos lembrar-se-ão de que este enunciado se destinava a chamar-nos a atenção para o excesso dos nossos pedidos ou desejos, ou seja, estávamos a querer demais para a nossa precisão ou capacidade de "arrumar" o solicitado e isto tanto se podia aplicar a brinquedos como a uns chocolates tentadores. Creio que a expressão era utilizada, por um lado para nos tentar educar numa perspectiva de equilíbrio e sem excessos e, por outro lado, porque o tempo não era mesmo de abundância, daí a parcimónia. Como é evidente nem sempre reagíamos bem aos avisos e sempre tentávamos chegar a algo mais que as possibilidades ou a generosidade e a paciência dos pais permitissem.
Hoje em dia, assiste-se com alguma frequência a uma atitude diferente, muitas vezes os miúdos ainda não "olharam", isto é, ainda não pediram, e os adultos apressam-se a "encher-lhes a barriga", ou seja, empanturram os miúdos com ofertas e bens que os intoxicam.
Em algumas circunstâncias este comportamento traduz uma atitude despreocupada de quem tem disponibilidades e entende que ter é bom, seja o que for e quanto mais e mais moderno melhor, próprio de quem também "tem mais olhos que barriga". Noutras circunstâncias, acontece que alguns pais, penalizados e com um sentimento de culpa advindo dos estilos de vida que lhes impede a relação desejada com os miúdos, tentam, de forma quase inconsciente, atenuar a inquietação com o excesso das ofertas, com a secreta e ingénua esperança de assim compensarem o que verdadeiramente não podem ou não sabem dar, tempo, por exemplo. Existe ainda um outro grupo que de forma mascarada de bem querer, pura e simplesmente "compra" os afectos dos miúdos com o excesso de bens que lhe oferecem.
Nos tempos que correm, por todas as razões e mais algumas, não será descabido recordar que talvez não precisemos de ter mais olhos que barriga ou, na versão do Velho Mário Sénico, "o que sobra não nos faz falta".

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

CARÊNCIAS

Parece fatalidade. Sempre que se realiza um estudo sobre a qualidade de vida das crianças portuguesas, independentemente do domínio, a conclusão aponta sistematicamente para situação de fragilidade, falta, carência ou excesso quando é este o pólo negativo. Como exemplo, o Público noticia que alunos de uma escola de Vila Real  usaram cobertores, gorros e luvas para se proteger do frio na escola. Também em termos alimentares, consumimos de mais alguns ingredientes, consumimos de menos outros ingredientes, em matéria de bens, consumimos de mais alguns tipos de bens e de menos outros tipos de bens, culturais, por exemplo. Parece que temos uma dificuldade em viver e consumir, o que quer que seja, equilibradamente.
Desta vez, dizem-nos, ver estudo divulgado no Público, que as crianças portuguesas têm carência de iodo. Parece que aquela ideia assente na sabedoria popular de que a proximidade da praia providencia iodo não funciona e os miúdos estão carentes sendo que uma parte apresenta um risco de saúde de algum significado.
Curiosamente, uma forma de minimizar a carência do iodo, dizem os especialistas, é proceder à iodização do sal para consumo. No entanto, os estudos vêm dizer-nos que consumimos sal em excesso (um caso em que o excesso é o pólo negativo) o que também é um risco sério em termos de saúde.
Com tanta informação disponível para balizar os nossos comportamentos, a nossa vida fica mais complicada de gerir e, paradoxalmente, fácil de idealizar.
Dá muito trabalho ser perfeito, além que de que é caro.

A HISTÓRIA DO COITADINHO

Era uma vez um Rapaz chamado Coitadinho, nome que não se devia dar a nenhum Rapaz, é muito feio.
O Coitadinho foi-se habituando a conviver com o nome, comportava-se, quase sempre é assim, como se espera que um Coitadinho se comporte. Não era muito bom nas tarefas escolares, experimentava sempre alguma dificuldade com as tarefas pedidas, precisava de alguma ajuda para as ir realizando mas, diziam, o Coitadinho esforçava-se mas, coitadinho, não era muito fácil ser bem sucedido.
Os seus colegas não se davam muito com ele, como sabem os miúdos, tal como os adultos, não gostam muito de Coitadinhos. E assim, o Coitadinho quase sempre andava o seu canto, discreto, colado às sombras, coitadinho sempre só.
Com o tempo toda a gente estranhava o Coitadinho não crescer, não ser como os outros miúdos, permanecia como sempre e até parecia que estava cada vez mais pequeno e mais só.
As pessoas não sabem que os Coitadinhos, quase sempre, não crescem para cima e por dentro, crescem para baixo e para dentro. Vida de Coitadinho.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

ENSINO PÚBLICO E ENSINO PRIVADO, RUÍDO E EQUÍVOCOS

Devido às mudanças anunciadas no modelo e pressupostos dos acordos entre o ME e os estabelecimentos de ensino privado, com um calendário inadequado e incompetente pois já o ano lectivo tinha começado, as águas andam turbulentas aumentando a sempre presente crispação no mundo da educação o que, naturalmente, contamina a qualidade do trabalho a desenvolver por professores, alunos e pais. A semana tem sido marcada pelas manifestações e alguns exemplos de particular mau gosto na forma de manifestar e com muitos equívocos nos discursos produzidos, quer por parte dos representantes do dos estabelecimentos quer por parte do ME.
Como muitas vezes aqui tenho referido a existência de um subsistema educativo de ensino privado é absolutamente necessário para, por um lado permitir alguma liberdade escolha, ainda que condicionada, por parte das famílias e, por outro lado, como forma de pressão sobre a qualidade do ensino público. Também já tenho referido que a chamada liberdade de educação, a escolha livre por parte dos pais dos estabelecimentos, públicos ou privados em que querem os seus filhos educados é demagógica e ineficaz. Para ultrapassar as dificuldades económicas do acesso a escolas privadas, alguns defendem a utilização, por exemplo, do cheque educação. Todos sabemos que muitos colégios não receberão nunca alguns alunos independentemente de os pais terem no fim de cada mês um cheque do ME para pagarem a mensalidade. Conhecem-se, também, estabelecimentos de ensino privado de onde alunos com algum insucesso e ou problemas do comportamento são "convidados" a sair para que se não comprometa a imagem e o estatuto da escola. Não adianta tapar o sol com uma peneira, é uma prática comum e hipocritamente "esquecida" quando se fala de "liberdade" de escolha e "direito" à educação.
Uma outra realidade, a que neste momento está a levantar mais questões, é a situação em que, não existindo resposta pública numa determinada área, o ME financie, através de contratos de associação o funcionamento de estabelecimentos privados para que assegurem o direito à educação de todos os alunos naquela área. No entanto, esta medida que se entende e justifica é, com frequência e com conhecimento de toda a gente envolvida, utilizada como financiamento encapotado do sistema privado, esta situação é reconhecida, repito. Conhecem-se muitas situações de escolas privadas que recebem verbas de contratos de associação quando na zona em que operam existem escolas públicas, o Público abordou esta questão há algumas semanas. Seria importante que de forma séria se percebesse que quando se fala de ensino privado e existência ou não de opções, a situação fosse bem clara no sentido de evitar os equívocos que só causam ruído e não contribuem para a serenidade necessária ao universo educativo.
Insisto de há muito, que a melhor forma de proteger a liberdade de educação, é uma fortíssima cultura de qualidade e exigência na escola pública e uma acção social escolar eficaz e oportuna. Assim teremos mais facilmente boas escolas, públicas ou privadas.

OS NOMES

Gosto quando me chamam.
Às vezes, muitas vezes, não me chamam. Outras vezes, muitas vezes, chamam-me nomes, nomes que não são meus. Os crescidos chamam-me preguiçoso, distraído, parvo, bebé, coitadinho e outros nomes, sempre nomes que não são meus. Os outros miúdos chamam-me badocha, gordo, bolacha, caixa de óculos, def e outros nomes, sempre nomes que não são meus.
Eu acho que as pessoas, todas as pessoas, só deviam ter um nome, o seu.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

COM A IDADE PASSA, ÀS VEZES NÃO

O Público de hoje faz uma referência a mais um estudo que procura identificar preditores do desenvolvimento ou funcionamento das pessoas. Estes estudos, sendo importantes, induzem, por vezes o estabelecimento apressado nas comunidades de relações de causa efeito impossíveis de sustentar.
Neste caso , a investigação vem estabelecer a tendência de que crianças, entre os três e cinco anos, que mostram dificuldades de autocontrolo venham a ser adolescentes e adultos com problemas de saúde, como pressão arterial elevada, obesidade, problemas de respiração ou doenças sexualmente transmitidas. Mostrarão também mais tendência para os consumos, tabaco, álcool e drogas, assumirão mais facilmente a situação de pais solteiros, mais dificuldade em gerir dinheiro e mais provavelmente terão um registo criminal aos 32 anos.
Do meu ponto de vista a divulgação deste tipo de estudos deve obedecer a algumas cautelas e merecer discussão porque, como dizia, não é possível estabelecer relações de causa efeito. Importa também não esquecer que as crianças passam por um trajecto de desenvolvimento e processo educativo que, obviamente, contribuirão fortemente para aquilo que no futuro possam vir a mostrar, ou seja, é possível, contrariar a "tendência" que o estudo estabelece.
Quando o estudo se refere ao auto-controlo dos miúdos pequenos e não considerando casos de natureza clínica temos, sobretudo, questões ligadas aos estilos educativos e à sua qualidade. Assim sendo, se conseguirmos estar atentos e providenciar apoio, orientação e trabalho educativo adequados os miúdos não estarão condenados a ser jovens e adultos problemáticos.
Finalmente, este tipo de estudos têm a vantagem de sublinhar a necessidade de estar atentos desde sempre aos comportamentos do miúdos e não adoptar a atitude "facilista" de que "é pequeno", "com a idade passa". Às vezes não.

MAIS UM TIJOLO NA PAREDE

Um destes dias, em mais uma conversa entre pais veio à baila, como sempre, as diferenças que existem entre os miúdos e a forma intuitiva como os pais com mais do que um filho referem o facto de tratá-los de forma diferente por uma razão bastante complexa e sofisticada, são diferentes. Numa ocasião, uma mãe dizia qualquer coisa como, "os filhos são como os dedos da mão, são todos irmãos mas são todos diferentes". Muitas vezes acontece que depois de assumirem a diferença no tratamento dos filhos, sentem a ingénua necessidade de afirmar que apesar disso gostam de todos da mesma maneira.
Quanto mais oiço estas afirmações dos pais, na sua esmagadora maioria, educadores amadores, ou seja, apenas educam os seus filhos tendo outras profissões, mais me continua a espantar os discursos muito presentes entre os educadores profissionais afirmando que na escola devem tratar os miúdos todos da mesma maneira.
De facto, é, no mínimo curioso, pais não estudiosos das coisas da educação percebem que miúdos na mesma casa, com os mesmos pais, têm de ter um tratamento diferenciado pela simples razão de que são diferentes e os educadores que recebem na escola miúdos dos mais diversos contextos familiares e sociais, entendam que os devem tratar da mesma maneira e ainda chamam a isso justiça.
Lembro-me sempre do velho tema dos Pink Floyd, "Another Brick in the Wall" e da linha de montagem mostrada no respectivo video clip, recordam-se certamente, em que na fábrica as crianças eram produzidas todas iguais.
Daí o título.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A REFLEXÃO

No dia anterior aos actos eleitorais a lei impõe um período de reflexão. Os resultados dos actos eleitorais impõem a reflexão do dia seguinte. Sem pretensões a pertencer à tribo emergente dos politólogos algumas notas de espectador que procura estar atento.
Apesar do contributo que os incidentes com os números do cartão de eleitor possa ter provocado a histórica abstenção evidencia o distanciamento progressivo dos cidadãos relativamente à vida política.
As candidatura com resultados mais surpreendentes, face às expectativas, foi a de Fernando Nobre, a primeira que se estruturou fora do controlo dos aparelhos partidários. Estes resultados, conjugados com os da abstenção sugerem que começa a verificar-se a instalação mais sólida de um espaço de participação política fora da partidocracia.
Os resultados de Manuel Alegre, mais do que um erro de casting, mostram a impossibilidade actual de um frentismo PS e BE, pelo menos numa primeira volta. Não são, genericamente, eleitorados compatíveis e só em circunstâncias como um tudo ou nada de uma segunda volta se poderia esperar que esta aliança reforçasse e não diminuísse.
A campanha foi feia e pouco esclarecedora do que quer que fosse. Oscilou entre as discussões sobre os comportamentos pessoais e os discursos dos candidatos que pareciam esta a concorrer a eleições legislativas com um programa de governo.
Uma nota, essa sim significativa, dos resultados de José Manuel Coelho, quer no continente, quer, sobretudo na Madeira onde, por exemplo no Funchal, ganhou a Cavaco Silva e no que isso pode prenunciar para o poder de Alberto João Jardim.
Algumas análises falam de um novo ciclo a partir destas eleições. Não me parece que na actual conjuntura tal entendimento faça sentido. O cenário actual está para durar sem grandes alterações até ao fim da legislatura. Lembro-me mesmo de Lampedusa com a sua ideia de que se torna necessário mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma.
A ver vamos.

SEM QUERER

Sem querer, ele perdeu a cabeça e bateu-lhe mais do que alguma vez tinha feito. Entrou na estatística da violência doméstica.
Sem querer, a mãe descontrolou-se e castigou-o de uma forma tão grave que as marcas, todas, dificilmente se atenuaram. Registou-se mais um caso de maus-tratos a crianças.
Sem querer, delapidou em irrelevâncias o que a empresa rendia pelo que muitas pessoas ficaram sem emprego. Passaram a fazer parte dos indicadores de desemprego.
Sem querer, começaram a meter-se com ele, a humilhá-lo, deixando-o amachucado num canto e com vontade de desaparecer. Ocorreu mais um episódio de violência escolar.
Sem querer, pela enésima vez enunciou promessas que sabe não poder cumprir. Nada de especial, é parte integrante do exercício político.
Sem querer, o poder é utilizado muito frequentemente ao serviço de interesses particulares e não ao serviço do bem comum. São todos iguais, fazem o mesmo.
Sem querer, os alçapões intencionalmente colocados nas leis alimentam uma justiça injusta e feita de desigualdades. O mundo é dos espertos.
Sem querer, os modelos económicos e de desenvolvimento que eram a base do progresso anunciado produziram a exclusão e a pobreza que rouba a dignidade. É preciso fazer sacrifícios.
Sem querer, uma minoria insulta a maioria com a ostentação obscena de luxos e comportamentos inaceitáveis. Ainda há gente com sorte e que está bem.
Sem querer, assistimos a tudo isto sem uma ponta de inquietação, é uma parte da normalidade em que vivemos, sem querer.

domingo, 23 de janeiro de 2011

QUALIFICAÇÃO E MOBILIDADE

No mesmo dia, certamente por coincidência, dois trabalhos na imprensa referem-se à questão da qualificação de nível superior, área em que, como já tenho referido, se têm estabelecido alguns equívocos.
O CM coloca em primeira página o facto de a Alemanha estar a desenvolver algumas iniciativas no sentido de atrair jovens licenciados de Portugal e Espanha que possam minimizar as suas necessidades de mão de obra qualificada. Como é óbvio, a Alemanha não tem uma taxa de licenciados inferior à nossa, tem é um nível de desenvolvimento do mercado de trabalho que exige qualificação. Assim, percebe-se que o discurso frequente sobre o "país de doutores", com licenciados a mais é um erro crasso, Temos na verdade desequilíbrio na oferta, mas não temos qualificação a mais, temos, isso sim, desenvolvimento a menos. Esta é que é a verdadeira questão.
Por outro lado, o Público aborda o crescimento exponencial da frequência dos nossos estabelecimentos de ensino superior por estudantes estrangeiros ao abrigo de diferentes programas de apoio à mobilidade. Esta situação é interessante por várias razões. Em primeiro lugar, podemos entender esta procura como um sinal da qualidade do nosso ensino superior percebida além fronteiras. É também interessante que muitos estudantes que nos procuram para a sua formação vislumbram uma oportunidade de acesso aos mercados de trabalho do mundo lusófono, designadamente no Brasil, uma das economias emergentes. Acontece que muitos destes jovens, à excepção dos que vêm dos PALOP, são oriundos de países com taxas mais altas de formação no ensino superior que a nossa e não desistem de procurar essa formação, no caso em Portugal. Fazem-no por uma razão muito simples, a importância que sabem ter para o seu projecto de vida uma qualificação profissional de bom nível o que remete, de novo, para a necessidade de se evitar discursos como o do "doutores a mais" que desincentivam os jovens e as famílias de procurar qualificação superior.

sábado, 22 de janeiro de 2011

OS MANUAIS DE UM ENSINO MANUALIZADO

No público de hoje aparece um trabalho divulgando um estudo do Observatório dos Recursos Educativos sobre a questão dos manuais escolares. Este estudo, em síntese, sustenta que o fornecimento por parte do estado dos manuais seria negativo para editores e livreiros, que o empréstimo de manuais escolares seria negativo para o estado e para as famílias, discriminativo para os alunos a quem fossem emprestados e que sentimento de posse do manual é positivo para os alunos pelo que, deve concluir-se, é muito difícil alterar a situação, eu diria, o mercado. Antes de umas notas breves importa sublinhar que este Observatório dos Recursos Educativos é apoiado pela Porto Editora uma das maiores, senão a maior editora de manuais escolares, mercado que vale entre 80 e 100 milhões de euros, o que, pela óbvia conflitualidade de interesses, fere definitivamente o estudo. Por curiosidade, há algum tempo, o mesmo Observatório num estudo junto de pais e alunos revelava que 80 % dos pais preferem que os filhos estudem pelos manuais por se encontrar aí reunida a informação essencial e porque os manuais são o “guião de trabalho do professor”. Relativamente aos alunos, 70 % dos inquiridos prefere estudar pelo manual. Quanto aos aspectos negativos dos manuais é referido o preço e o peso, aspectos que sendo importantes não são centrais, claro, acrescento eu.
As conclusões destes estudos vão sempre, naturalmente, no mesmo sentido, a imprescindibilidade de manter o mercado dos manuais escolares.
No trabalho do Público são referidas experiências de outros países em que o fornecimento dos manuais por parte do estado é positivo e garante da equidade mas, diz o responsável do Observatório, a nossa realidade é diferente. Claro que é diferente, o mercado manda muito. O facto de alunos com manuais emprestados poderem sentir-se discriminados é uma realidade que se coloca com qualquer dispositivo de apoio o que não obsta a que se tornem necessários, deve, isso sim, pensar-se como minimizar os riscos de discriminação que, é claro para toda a gente, nem sequer serão os maiores riscos que os alunos carenciados correm.
Estes dados sublinham uma realidade a que já me tenho referido, uma excessiva manualização do ensino. Apesar da progressiva disponibilização de outras fontes de informação e do acréscimo de acessibilidade através das tecnologias de informação e de outros suportes, a utilização dessas fontes alternativas aos manuais é baixa e pouco valorizada por pais e alunos. De facto, embora o abandono do “livro único” tenha ocorrido há já bastante tempo e de uma preocupação, ainda pouco eficaz, com a qualidade dos manuais, predomina a sua utilização e das respectivas fichas e instrumentos como materiais de apoio às aprendizagens e à “ensinagem” e que agravam substantivamente os custos das famílias. Aliás, nota-se ainda no ensino superior a dificuldade que muitos alunos afirmam sentir quando percebem que não têm um “manual”.
Do meu ponto de vista, a minimização da dependência dos manuais passará, entre outros aspectos, por uma reorganização curricular, diminuindo a extensão de algumas conteúdos, por exemplo, o que permitiria a alunos e professores um trabalho de pesquisa e construção de conhecimentos com base noutras fontes potenciando efectivamente a acessibilidade que as novas tecnologias oferecem.
É importante caminharmos no sentido de atenuar a fórmula única instalada, o professor ensina com base no manual o que o aluno aprende através do manual que o pai acha muito importante porque tem tudo o que professor ensina.

IMAGENS - Os céus do Pico

Foto de João Morgado - http://olhares.aeiou.pt/jgmorgado

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

MÃES PRECOCES, PROBLEMAS MADUROS

Em trabalho de hoje o Público de hoje aborda de novo a gravidez na adolescência referindo o nascimento diário de 12 crianças fruto de gravidez em mães adolescentes, dados de 2009 e resultantes de estudo da ONU. Embora se registe uma diminuição Portugal continua a ser um dos países da Europa com mais alta taxa de gravidez na adolescência. Tal facto, evidencia a atenção que esta situação deveria receber. No entanto, ainda não há muito tempo tivemos uma enorme discussão pública sobre a distribuição de preservativos nas escolas e foi possível a perceber a grande disparidade e diferenças de ponto de vista sobre a questão. Parece oportuno relembrar que segundo os especialistas a diminuição do número de partos de adolescentes decorre da prevenção. Embora nestas matérias, como em todas as que dizem respeito à vida das pessoas, se deva considerar o universo de valores em presença, bem diferentes, é fundamental não esquecer as consequências devastadoras e dramáticas que a maternidade adolescente pode implicar. Como referem vários dos técnicos a gravidez surge para muitas adolescentes e jovens como "um projecto de vida na ausência de outros" e num quadro de insucesso educativo.
Sabemos, a experiência mostra, que uma adolescente pode revelar-se uma excelente mãe, tanto quanto uma mulher madura pode ser uma péssima mãe. Não podemos, nem devemos, promover avaliações prévias de competências maternais, a ética e a moral impedi-lo-iam, mas podemos combater discursos hipócritas sobre a educação em matéria de sexualidade e comportamentos de risco. Estes discursos alimentam a manutenção de situações que promovem em adolescentes, muitas vezes sem projecto de vida, um caminho e uma experiência para a qual não estão preparadas nem desejam, e com o risco sério de implicar sofrimento para todas as pessoas envolvidas, a começar, obviamente por uma criança, que sem ser ouvida, entra a sofrer neste mundo.

A VIOLÊNCIA ESCOLAR, PARA ALÉM DA CRIMINALIZAÇÃO

Uma vez que a questão da criminalização de fenómenos de violência escolar continua na agenda e em discussão na Assembleia da República, retomo umas notas que há algum tempo aqui deixei sobre esta questão, suficientemente complexa para que sejam tantas as dúvidas quantas as certezas, muitas.
Em primeiro lugar uma referência à função professor. A imagem social dos professores tem vindo a sofrer uma erosão significativa. As razões são variadas e dificilmente compatíveis com este espaço mas creio que uma boa parte da política educativa dirigida aos professores nos últimos anos, alguns dos discursos dos lideres sindicais e as afirmações ignorantes e irresponsáveis de alguns "opinion makers" têm dado um bom contributo. Este processo mina de forma muito significativa a relação que pais e alunos têm com os professores, ou seja e sendo deselegante, "uma classe de gente que não trabalha", "que não se interessa pelos alunos", "que não quer ser avaliada", etc., (basta ver muitos dos comentários on-line a notícias que envolvem professores), não é, obviamente uma classe que mereça respeito pelo que se instala de mansinho um clima de reacção, desconfiança e fraqueza que minam o exercício da autoridade. Os pais e alunos que agridem e ofendem professores são uma espécie de "braço armado" dessa imagem social induzida.
Por outro lado, a cultura profissional e institucional em boa parte das nossas escolas e agrupamentos é ainda marcada por um excesso de individualismo. Quero dizer com isto que, lamentavelmente, os professores evidenciam níveis de cooperação e partilha profissional abaixo do que seria desejável. As razões serão várias e não cabem aqui, mas creio que justificam, muitas vezes, a não realização de queixas de incidentes, muitas vezes graves, por receio de exposição e demonstração de fragilidades face a colegas e responsáveis, o que uma cultura de maior cooperação atenuaria. Acresce ainda que, por desatenção, incompetência ou negligência muitas direcções de escolas e agrupamentos não vão muito longe na definição de dispositivos de apoio, recorrendo a outros docentes mais experientes ou à presença de dois professores, por exemplo, que dariam aos professores apoio e confiança para o trabalho com os seus alunos.
Para além da criminalização das ofensas físicas a professores ou da sua transformação em crime público, urge caminhar no sentido de reconstruir a imagem social dos professores como fonte imprescindível de autoridade, saber e importância e, paralelamente, incentivar a construção nas escolas de dispositivos leves e ágeis de apoio aos professores de forma a que cada um não se sinta entregue a si próprio e com receio de "enfrentar" os alunos e os pais, a pior das situações em que um docente se pode sentir. Este caminho é da responsabilidade de todos, ministério, sindicatos, direcções de escolas e agrupamentos, pais, professores e alunos.
A segunda nota remete para a instituição escola. Em primeiro lugar, a escola é, será sempre, um reflexo do contexto económico, social e cultural, bem como do sistema de valores em que se integra. Neste quadro, em tempos de violência, a escola espelha essa violência, em tempos de sentimento de insegurança, a escola espelha essa insegurança, em tempos de sentimento de impunidade, a escola espelha esse sentimento de impunidade. Por tudo isto não é possível, como alguns discursos o fazem, responsabilizar exclusivamente a escola, por estas situações. A escola fará certamente parte da solução mas não é, não pode ser, A solução, esta passará por intervenções concertadas no âmbito das comunidades.
Um segundo aspecto prende-se com o trabalho com as famílias. Muitos casos de violência escolar estão associados, não estou a falar de uma relação de causa-efeito, à acção negligente ou menos competente por parte das famílias. Continuo fortemente convicto de que nas escolas devem ser criados dispositivos, com recursos, humanos e de tempo por exemplo, para trabalho sistemático e estruturado com as famílias. Com as metodologias mais frequentes, reuniões de pais e convocatória para famílias problemáticas irem à escola, que se revelam ineficazes, a maioria dos pais nem sequer aparece, creio que será muito difícil alterar ou, pelo menos, minimizar os efeitos das variáveis familiares nos comportamentos dos miúdos.
Uma outra questão ainda dentro da instituição escola, prende-se com o facto conhecido de que os problemas mais significativos sentidos nas escolas, indisciplina, violência, delinquência, bullying, etc. ocorrem, obviamente, nas salas de aula e, sobretudo nos espaços de recreio. Deixando de lado, de momento, a sala de aula parece-me fundamental que se dê atenção educativa aos tempos e espaços de recreio escolar.
Em muitas escolas a insuficiência de pessoal auxiliar não permite a ajustada supervisão desses espaços. Por outro lado, a sua formação em matérias como supervisão educativa e mediação de conflitos, por exemplo, e, ou, o entendimento que têm das suas competências, muitas não valorizadas pela própria comunidade, leva a alguma negligência ou receio de intervenção.
Talvez não seja muito popular mas digo de há muito que os recreios escolares são dos mais importantes espaços educativos, aliás, muitas das nossas memórias da escola, boas e más, passam pelos recreios. Neste sentido, defendo que a supervisão dos intervalos deveria ser da responsabilidade de docentes. A reestrutura da enorme carga burocrática do trabalhos dos professores, dos modelos de organização e funcionamento das escolas, por exemplo, poderiam libertar horas de docentes para esta supervisão que me parece desejável.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

OS TRABALHOS DAS CRIANÇAS

No JN de hoje refere-se a preocupação um investigador com o risco de aumento do trabalho infantil como consequência das dificuldades das famílias no quadro da actual crise.
Apesar de nos últimos anos ter baixado significativamente o número de casos reportados pela Autoridade para as Condições do Trabalho importa estar atento ao desenvolvimento e a este risco.
No âmbito do universo a que poderemos chamar de trabalho infantil encontra-se alguma ambiguidade que leva a que algumas situações possam passar despercebidas e muitas outras existirão numa zona de fronteira, de difícil a avaliação, sobretudo na área do que poderemos chamar de “ajuda familiar”. No entanto, tem emergido uma situação que pode levantar sérias dúvidas, o chamado trabalho artístico, a participação de crianças em espectáculos e publicidade. Para além das questões legais e, naturalmente, das implicações económicas, coloca-se uma questão de valores.
De facto, numa sociedade fortemente mediatizada a participação das crianças em espectáculos com audiências e impacto social significativo, pode ser demasiado atractivo para muitas famílias. Ver o rebento como actor ou figurante da novela da noite ou presente numa campanha publicitária de larga divulgação, pode ser uma tentação que, eventualmente até de forma inconsciente, negligencie a qualidade de vida e o bem-estar dos miúdos.
Finalmente e numa nota lateral sobre trabalho infantil, o actual quadro legislativo permite que uma criança de 10 anos, a frequentar o 5º ano, possa estar na escola 11 HORAS POR DIA, cinco dias na semana.
Com este quadro, estranhamente, ainda se levantam vozes a afirmar que os miúdos trabalham pouco.

ERA UM VEZ UM RAPAZ

Era uma vez um Rapaz. As pessoas que a ele se referiam afirmavam não haver outro como ele.
Na escola, dizia-se, o Rapaz evidenciava sempre um comportamento absolutamente irrepreensível. Durante as aulas, todos assim diziam, permanecia atento, respondia correctamente ao que lhe perguntavam e desempenhava as tarefas que eram solicitadas sempre de forma perfeita e sem necessidade de qualquer reparo.
Contava-se que em família a sua forma de estar era também muito positiva. Referiam que o Rapaz respeitava sem problemas a regras e os limites que os pais entendiam por bem estabelecer. Ajudava sem que lhe pedissem nas tarefas da casa e ainda conseguia apoiar a irmã mais novita nos trabalhos de casa pois fazia os seus rapidamente e sem precisar que os pais tivessem alguma intervenção ou que o lembrassem dos deveres escolares.
Desde muito pequeno, também se contava, começou a envolver-se no trabalho do Centro Social do bairro onde, à medida da sua idade, era um excelente colaborador, sempre disponível para ajudar no que fosse necessário e quem fosse preciso.
Também se dizia que o Rapaz fazia parte de um grupo de música que existia na zona onde morava e no qual brilhava a tocar viola.
Toda a gente falava deste Rapaz mas, na verdade, ninguém o conhecia, chamava-se Virtual.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A ESCOLA DE "OUTROS TEMPOS"

Um estudo de opinião ontem divulgado surpreendeu pelo saudosismo revelado uma vez que mais de metade dos inquiridos entende que estamos em piores circunstâncias que antes de Abril de 74 e ainda pior que antes da entrada na União Europeia. Mais revelava, aqui já não inesperadamente, um fortíssimo pessimismo, preocupação e desconfiança, designadamente nas lideranças políticas. Este sentimento, é, do meu ponto de vista a verdadeira explicação para o saudosismo revelado, ou seja, "hoje estamos muito mal, não vamos ficar melhor pelo que antes sempre se estava melhor".
Não resisto a dar uma achega para esta ideia comparativa com "outros tempos" recuperando umas notas que há algum tempo aqui tinha deixado sobre a área a que sou mais sensível, a educação.
Em muitas das conversas sobre a escola e as dificuldades que atravessa, envolvendo alunos, pais e professores, aparecem com alguma frequência alusões ao “antigamente a escola era melhor”, aliás, este tipo de discurso não é só dirigido à escola. Eu sei que a escola, a educação, atravessa tempos muito complicados e problemas sérios, mas só a falta de memória ou o desconhecimento sustentam o “antigamente era melhor”. Vou-vos falar um pouco da escola do meu tempo, conversa de velho, já se vê.
Na escola do meu tempo nem todos lá entravam e muitos dos que conseguiam saíam ao fim de pouco tempo, ficando com a segunda ou terceira classe, como então se chamava. Chegava.
Na escola do meu tempo os rapazes estavam separados das raparigas.
Na escola do meu tempo havia um só livro e toda a gente aprendia apenas o que aquele livro trazia.
Na escola do meu tempo levava-se muitas reguadas, basicamente por dois motivos, por tudo e por nada.
Na escola do meu tempo, ensinavam-nos a ser pequeninos, acríticos e a não discutir, o que quer que fosse.
Na escola do meu tempo eu era “obrigado” a ter catequese e missa.
Na escola do meu tempo aprendia-se que os homens trabalham fora de casa e as mulheres cuidam do lar e dos filhos.
Na escola do meu tempo não era grave não aprender, quem não “tinha jeito para a escola, ia para o campo”.
Na escola do meu tempo, quem mandava no país achava que muita escola não fazia bem às pessoas, só a algumas.
Na escola do meu tempo não se falava do lado de fora de Portugal. Do lado de dentro só se falava do Portugal cinzento e pequenino. Na escola do meu tempo eu era avisado em casa para não falar de certas coisas na escola, era perigoso. As pessoas até podiam ser presas.
Sim, eu sei, não precisam de me dizer que a escola deste tempo ainda tem muitas coisas parecidas com a escola do meu tempo. Mas o caminho é melhorar a escola deste tempo não é, não pode ser, querer a escola do meu tempo.

À DERIVA

Sugere o bom senso e qualquer manual básico de ciência política que um dos requisitos para a tomada de decisões políticas, sobretudo nas que podem implicar alterações na vida do cidadão, é a sua adequada justificação para que os envolvidos, embora possam não concordar, conheçam, pelo menos, a justificação. Um outro requisito é a coerência e eficácia da decisão e do processo consequente para que com o mínimo sobressalto se operacionalize a mudança.
As equipas que têm vindo nas últimas décadas a ocupar a 5 de Outubro, fruto de algum desconhecida e misteriosa causa, parecem afectadas pelo sindroma da deriva. Instalam-se e começam a tomar decisões, algumas compreensíveis e bem intencionadas, outras completamente incompetentes e indefensáveis. As medidas aparecem sem coerência, reagindo a aspectos particulares e dispersos, com insuficiente análise de adequação, eficácia e impacto, criando ruído, turbulência e problemas que o universo da educação tem que baste.
O último dos múltiplos episódios que ilustram esta deriva reactiva e voluntarista da actua equipa do ME prende-se com as diferentes propostas que em poucos dias aparecem a enquadrar o Desporto Escolar na organização da actividade docente e no funcionamento das escolas. Uma primeira proposta conhecida é completamente insustentável e, naturalmente, foi reprovada por unanimidade no Conselho de Escolas e alguns dias depois surge uma nova proposta a alterar a anterior e a colocar esta vertente, o Desporto Escolar, sob "regulamentação própria", mais uma regulamentação própria, que sustenta a burocracia e a complexidade inibidoras de eficácia.
Os efeitos desta deriva no clima das escolas, na imagem social dos professores, na imagem social do Ministério e na imagem social da educação no seu conjunto, a que já me tenho referido, não sendo tangíveis, têm efeitos devastadores na percepção dos alunos e das famílias e dificultam seriamente o desenvolvimento de um trabalho educativo de professores, alunos e pais com a qualidade que o futuro exige.

OS ESPELHOS TAMBÉM SE ENGANAM

As imagens reflectidas pelos espelhos são, acredita-se, reproduções exactas do original que as origina. Na verdade, nem sempre assim acontece, sobretudo quando se trata de gente. Aquilo que o espelho devolve é trabalhado no sentido, de tanto quanto possível, corresponder à imagem que efectivamente gostávamos que o espelho reflectisse.
É por isso que tantas vezes, alguns de nós temos vontade de mudar de espelho ou desejar que se inventasse um espelho com um espécie de "photoshop" incorporado que trabalhasse a imagem e nos devolvesse aquilo que desejamos ver.
Com os miúdos, alguns miúdos, passa-se uma situação da mesma natureza. Os espelhos que lhes vão devolvendo a imagem mostram qualquer coisa como "não sabes", "não és". "não fazes", "não rendes", "és irresponsável", "és distraído" "não fazes nada de jeito", "não prestas" e outro tipo de imagens.
Como é evidente, não parece particularmente confortável lidar com espelhos que devolvem estas imagens e que podem ser vários. Chamam-se, por exemplo, escola, pais, colegas ou professores.
Em algumas circunstâncias pode acontecer que se instale a tentação de "partir" os espelhos que devolvem tais imagens e, como sabemos, "partir espelhos" é uma actividade com algum perigo.
Por estas razões, mas não só, temos tantos miúdos em risco, não aguentam a imagem de si que lhes devolvem.
É que, às vezes, os espelhos também se enganam.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

FORMAÇÃO A MAIS OU DESENVOLVIMENTO A MENOS?

Os dados ontem divulgados pelo IEFP sobre o desemprego voltaram a merecer da generalidade da imprensa um tratamento que do meu ponto de vista merece reflexão. Foram produzidos vários títulos sublinhando o desemprego entre licenciados o que pode passar a mensagem errada. É certo que foi neste grupo que o desemprego mais aumentou no último ano, subiu 11,3%. Entre Dezembro de 2009 e Dezembro de 2010 o número de pessoas com curso superior inscritos nos centros de emprego subiu para 49 800, mais cinco mil que há um ano num universo global de 541 840 desempregados. No entanto, uma primeira nota que quero sublinhar, em relação a Novembro verificou-se uma redução de 3,8% neste grupo.
A questão que me parece central e que me parece sempre de acentuar é que, primeiro, os jovens licenciados não estão no desemprego por serem licenciados, estão no desemprego porque temos um mercado pouco desenvolvido e ainda insuficientemente exigente de mão de obra qualificada e estão no desemprego porque, por desresponsabilização da tutela, a oferta de formação do ensino superior é completamente enviesada distorcendo o equilíbrio entre a oferta e a procura como muitas vezes afirmo. Muitas empresas, sobretudo as de menor dimensão (as que mais emprego asseguram), provavelmente também devido ao baixo nível de qualificação dos empresários (um dos mais baixos da UE), parecem mais avessas à contratação de mão de obra qualificada.
Por outro lado, se atentarmos em dados da OCDE e do INE sabemos que um trabalhador licenciado ganha em média mais 80% que alguém com o ensino secundário. Um indivíduo com a escolaridade básica recebe em média menos 57% que alguém com o Ensino Secundário. Apenas 7.5% de pessoas com o 9º ano recebem duas vezes mais que a média nacional enquanto licenciados a receber duas vezes mais que a média são quase 60%. Os filhos de pais licenciados têm 3,2 vezes mais probabilidades de obter uma licenciatura. Entre os 25 e os 34 anos, 19% dos jovens tem uma licenciatura enquanto na OCDE a média é 32%. Em Portugal, o número de licenciados é metade da média da União Europeia. Na franja entre os 35 e 44 anos a percentagem ainda baixa para 13%. Um indivíduo com apenas o básico corre um risco de pobreza 20 vezes superior ao de um indivíduo com um curso superior.
Deste quadro releva a absoluta imprudência de passar a mensagem de que a formação é irrelevante, o desemprego é o destino.
A qualificação profissional, de nível superior ou não, é essencial como também é essencial a racionalidade e regulação da oferta do ensino superior.
Como sempre que abordo estas matérias finalizo com a necessidade de que uma vez por todas evitar o discurso "populista" do país de doutores que é um enorme erro e que pode desincentivar a busca por qualificação o que terá consequências gravíssimas.

O DESAPRENDER - Outro diálogo improvável

O Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, cruzou-se no pátio da escola com a Sara e a Marta que vinham numa discussão muito acalorada.
Olá, estão bem?
Olá Velho, tudo bem. Escuta, a gente pode desaprender?
Se nós podemos desaprender, pergunta estranha essa Sara. Explica lá para ver se eu percebo.
A nossa professora anda a sempre a ralhar com a gente porque diz que nós desaprendemos as coisas que já sabíamos. E eu acho que ela não pode dizer isso.
Porquê Sara?
Então Professor Velho, se nós não sabemos alguma coisa é porque não aprendemos, se não aprendemos não podemos desaprender, não é?
Bom, vamos lá a ver. Nós podemos aprender alguma coisa e passado algum tempo já não nos lembramos do que aprendemos, por isso pode-se dizer que desaprendemos.
Não Velho, se me esqueço de alguma coisa que aprendi é esquecer não é desaprender. A gente pode estar agora aprender coisas contigo que ainda não sabemos, mas não podemos estar contigo a desaprender as coisas que já aprendemos. Por isso não existe desaprender.
Como é que eu te hei-de explicar Sara? Repara que …
Não vale a pena Velho, um dia ainda vais perceber que não se pode desaprender. Os professores são todos iguais, acham que sabem tudo e são teimosos.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

NA NOSSA CASA, SEMPRE

É uma notícia feia, pequenina e obviamente mal escolhida para começar uma semana. Um casal de velhotes, 81 e 82 anos, habitantes de uma aldeia da zona de Santarém, suicidaram-se. Ao que parece, terão deixado uma mensagem à família explicando que o gesto se devia à recusa da ida para uma instituição, intenção que sabiam existir por parte dos seus próximos.
Tal gesto, a última e trágica cumplicidade daquele casal, é um espelho de boa parte das inquietações dos velhos nas nossas comunidades.
As mudanças nos valores, nos estilos de vida, na mobilidade e dispersão das famílias, nos índices de longevidade, etc., têm contribuído para que cada vez mais se recorra à institucionalização dos velhos ou se instale a solidão em que muitos vivem.
Como é evidente, haverá situações em que essa poderá ser a resposta mais adequada, mas não pode ser, não tem que ser, encarada como o "destino" normal de quem envelhece.
A saída de casa, da sua casa, do seu porto de abrigo de uma vida, pode representar a definitiva perda da dignidade, o reconhecimento de uma inutilidade que se emprateleira numa instituição onde, melhor ou pior tratado, se aguarda pela partida.
Este casal não terá resistido a essa perda de dignidade, ao reconhecimento da inutilidade e da desesperança e não quis esperar.
É preciso coragem.

domingo, 16 de janeiro de 2011

A DESPEDIDA DO RAMAL DE CÁCERES

Como creio que a generalidade das pessoas, tenho um certo fascínio pelos comboios e as viagens. Acho mesmo que este encantamento é uma das tarefas da infância e perdura pela vida, provocando sempre alguma nostalgia, independentemente da maior ou menor utilização.
Em muitas regiões do nosso país, sobretudo no interior, temos vindo assistir a um continuado fechamento de linhas. Nas últimas semanas tem estado na agenda o encerramento da linha da Lousã.
Este Domingo fomos despedirmo-nos de mais uma, o ramal de Cáceres, a linha ente Torre das Vargens e Marvão - Beirã que se desenrola na paisagem do Alto Alentejo e que a CP decidiu encerrar a partir de 1 de Fevereiro.
Não sei discutir a questão das condições de exploração, razão justificativa da decisão, admito que tenham de ser ponderadas. Sei, no entanto, que pela Europa se assiste a uma retoma do transporte ferroviário que em Portugal quer dizer TGV, apenas TGV.
Além disso, sei que a liquidação progressiva destas linhas representa também um empobrecimento ao nível do património, da memória e da cultura das comunidades.
O funcionário da CP que acompanhava a viagem de hoje, lá ia dizendo que muitas vezes a suspensão do ramal tinha sido anunciada e nunca, até aqui, fora cumprida. Podia ser, queria acreditar, que também desta vez assim fosse.
Eu também gostava de acreditar. Mas não se pode contrariar o progresso, a modernização e, sobretudo, o mercado.
Não se vive de nostalgias ingénuas, como essa coisa de miúdos, comboios pequenos a ligar terras pequenas.

BOLONHA, O PECADO ORIGINAL

Desde o início tenho afirmado que o processo de reforma no ensino superior mais conhecido pela "Reforma de Bolonha" radicou mais em questões económicas, o financiamento o ensino superior, que de natureza científica, curricular ou de mobilidade envolvendo estudantes e professores. O encurtamento do chamado grau de licenciatura para três anos e a criação do 2º ciclo, o grau de mestrado, possibilitou que na grande maioria dos cursos passassem a ser as propinas dos alunos a financiar o 2º ciclo com custos elevadíssimos em muitos estabelecimentos de ensino superior.
Tal decisão, sobretudo a atribuição do grau de licenciatura a uma formação de três anos, gerou, como não podia deixar de ser um enorme equívoco que só por má fé ou incompetência não foi antecipado aquando da decisão. O equívoco foi criar a situação em que pessoas com formações de natureza superior com a mesma duração, cinco anos, realizadas na mesma instituição, possam ter grau de licenciado ou de mestrado consoante a data em que finalizam os estudos. Para além disso, ainda temos os detentores do grau de mestre obtido antes da bolonhesa ideia que pedalaram cinco anos de licenciatura e mais dois ou três anos de trabalho de um programa de mestrado para acederem ao grau de mestre. Para ruído não está mal.
As implicações que esta matéria tem no que respeita à inscrição nas ordens profissionais são uma outra consequência que deriva do seu peso corporativo e do controlo da entrada no mercado de trabalho, exclusiva aos elementos aceites pelas ordens.
Neste contexto parece natural a movimentação, quer de licenciados com cinco anos de formação no sentido de acederem, sem mais, ao grau de mestre, como, nas actuais circunstâncias de constrangimentos actuais, das próprias instituições de ensino superior que verão nestes processos mais uma fonte de rendimento, serão uns largos milhares de licenciados a realizar os procedimentos que as universidades vão determinar para nivelar a formação com os mestres que Bolonha fez nascer.
Em síntese, não fossem as questões económicas, não teria sido necessário designar por licenciatura o 1º ciclo de três anos, o pecado original, e a questão agora em andamento não se colocaria.

sábado, 15 de janeiro de 2011

AS PALAVRAS PROIBIDAS

A campanha eleitoral em curso tem sido marcada pela mediocridade, quer de discursos quer de conteúdos, o que, do meu ponto de vista, não é estranho. O contrário sê-lo-ia. Até mesmo Fernando Nobre, figura prestigiada e fora dos aparelhos partidários, que poderia trazer algo de novo, rapidamente deixou envelhecer o seu discurso.
Um aspecto muito referenciado tem sido a propriedade da pobreza. Todos os candidatos se têm reclamado donos da pobreza e da preocupação com a exclusão. As razões variam entre ter vivenciado zonas de catástrofe e assistido à luta entre galinhas e humanos pelo acesso à comida, um passado operário, a superioridade moral porque sim, ou o patrocínio de uma campanha de aproveitamento das sobras alimentares de restaurantes para minimizar carências.
Ontem assistimos a mais um episódio lamentável desta narrativa. Durante aquilo a que se chama uma arruada, Cavaco Silva, claramente um peixe fora de água nestes contextos, ao ser interpelado por uma velhota por ter uma reforma baixa, respondeu que a mulher dele também só tem 800€ de reforma e que depende dele que tem de trabalhar para a ajudar. Por acaso não referiu a imoralidade da acumulação de pensões e vencimentos.
Como o episódio foi espontâneo e não estava por perto nenhum indispensável assessor de imagem que compusesse a resposta, o Presidente disse exactamente o que pensa e como pensa. É sempre bom ouvir o que é genuíno.
Não sei o que a velhota terá pensado, seria engraçado ter-lhe perguntado, mas eu entendo que há palavras proibidas. Em nome do respeito e da dignidade.

IMAGENS - Malhão, Litoral Alentejano

Foto de João Morgado - http://olhares.aeiou.pt/jgmorgado

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O "TAPA-BURACOS"

O Público noticiava ontem que a Câmara de Lisboa vai experimentar um material novo de origem americana que parece revelar especial capacidade para tapar buracos. Este betume especial torna possível que, independentemente das condições atmosféricas, os buracos fiquem bem tapados e resistentes a novas degradações.
Lembrei-me que poderia ser possível que quem inventou este “tapa-buracos” possa ter por lá algum material que contribuísse para tapar os outros buracos de que o País está cheio.
Começa a ser particularmente difícil vida em Portugal. Para qualquer lado que nos voltemos os braços são mais que muitos.
Acho que os investigadores deveriam fazer um esforço no sentido de encontrar esse milagroso produto que nos ajudasse a tapar os buracos.
Não, não se pode exportar a nossa elite política. É também um buraco.

A CANCELA

Quando era miúdo, o meu pai, como todos os pais, ia balizando o que se podia ou não fazer e como. Hoje chamar-se-ia estabelecer regras e limites.
Nesse trabalho diário de pai a expressão que mais utilizava era qualquer coisa como "não saltes a cancela", sendo a cancela, naturalmente, qualquer coisa que não deveria ser feita ou regra que não deveria ser infringida. Como está bem de ver, umas vezes por outras "pulava-se a cancela" e lá vinha, quando se era descoberto, a respectiva consequência, reprimenda, castigo ou, mais raramente, alguma palmada que deixava assim uma espécie de calor que ardia sem se ver.
Hoje, através de um contacto regular com pais e a observação da forma com muitos miúdos funcionam parece que, com demasiada frequência, os pais não identificam e estabelecem com clareza as cancelas da vida dos miúdos que, obviamente, variam com a idade. O que me parece mais significativo é sentir que muitos pais apesar de perceberem que os comportamentos e atitudes dos miúdos não são os mais desejados, sentem-se incapazes e inseguros para com a firmeza necessária definir as cancelas e, manter, com a flexibilidade que o bom senso dita, a consistência das decisões.
É fundamental que se entenda, que os pais entendam, que tanto quanto comer e dormir, os miúdos precisam das cancelas na sua vida. São essa cancelas que lhes regulam os comportamentos, que os ajudam a crescer de forma saudável e a saber tomar conta de si.
De resto e como educar com valores não é a mesma coisa que educar para a santidade, de vez em quando, as cancelas também se podem pular, dá gozo.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

OS MIÚDOS E A TELEVISÃO

A propósito do trágico acontecimento da morte violenta de Carlos Castro, da sua divulgação, designadamente, através da televisão, e das inquietações que poderá levantar junto dos mais novos, o Público cita o Professor Mário Cordeiro. As considerações que produziu parecem-me de bom senso e ajustadas como, aliás, lhe é habitual.
Das suas afirmações, apenas uma pequena nota. Quando se refere à forma como as notícias são produzidas Mário Cordeiro afirma, “Depende de como as notícias são dadas e isso compete a cada jornalista, editor, pensar no que seria se os filhos estivessem do outro lado do ecrã”.
Parece-me ingénuo acreditar e confiar que os conteúdos televisivos, por exemplo a forma de noticiar um episódio, considerem o critério enunciado pelo pediatra. Os responsáveis têm fundamentalmente como critério o impacto nas audiências e a luta pelo mercado.
Se assim não fosse, boa parte da produção televisiva que circula em horários nobres estaria condenada face à mediocridade, violência e valores que alimenta. Somos nós os consumidores de produtos televisivos e que acompanhamos, ou deveríamos fazê-lo, os miúdos quando estão em frente ao ecrã, que temos de construir uma atitude de exigência de qualidade que minimize o consumo. A televisão limita-se a mostrar “o que as pessoas querem ver, da forma que querem ver”. Acresce que muitos miúdos estão sós, têm um ecrã como babysitter e não é de esperar que do outro lado esteja alguém com preocupações educativas.
Não adianta tapar o sol com uma peneira.

TRABALHO DE PAI, TRABALHO DE MÃE

No Público de hoje regista-se a evolução significativa do número de pais que nos últimos anos têm vindo a recorrer à licença parental. De facto, a passagem de 0,6% de 2008 aos 16% de pais que em 2010 partilharam a licença parental com as mães é uma subida importante.
Tal situação, parece, dever-se-á a alterações legais e a uma eventual e gradual mudança nos valores que, devagarinho, vai retirando às mães o exclusivo da prestação de cuidados aos bebés.
No entanto, em matéria de parentalidade e organização e distribuição dos papéis familiares parece-me de considerar alguns aspectos que já aqui tenho abordado a situação das mulheres (mães) que trabalham, ou querem trabalhar.
As mulheres portuguesas são das que, em termos europeus, mais tempo trabalham fora de casa. Além disso, não pode esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc.
Neste quadro, apesar dos quadros legais mais favoráveis a realidade acaba por condicionar fortemente os desejos e projectos das famílias, quer na sua organização, quer mesmo na decisão, em desuso, de ter filhos. Mas isto é uma outra questão.

PROVIDÊNCIA CAUTELAR

Parece ter-se instalado na sociedade portuguesa um comportamento recorrente sempre que algo não vai ao encontro dos interesses de alguém ou de algum grupo. Refiro-me à febre das providências cautelares. Nestes últimos dias a ter notícia de uma enorme quantidade de providências cautelares a entrar nos tribunais. Como acredito em princípios de equidade decidi que também quero uma providência cautelar. A partir da decisão instalou-se a dúvida sobre o objecto da minha providência cautelar. É que pode ser:
Relativamente à existência de políticos carreiristas e incompetentes que enchem os aparelhos partidários, sobram para as instituições públicas e são um atentado político;
Relativamente à arrogância da ignorância evidenciada por muita gente que fala, escreve, sobre o que não sabe;
Relativamente aos atentados à qualidade vida e ao ambiente em nome da ideia de há que “cimentar” o progresso(!!);
Relativamente à falta de políticas sociais dirigidas, de facto, às pessoas, dos putos aos velhos;
Relativamente a uma justiça, nas mais das vezes, entupida, ineficaz e injusta;
Relativamente à falta de responsabilização de gestores públicos pela incompetência na gestão do que lhes confiamos;
Relativamente aos densos e generalizados fumos de corrupção causadores de uma insuportável poluição ética;
Relativamente à substituição do substantivo pelo “light”, do que se conhece e estuda pelo que parece e se acha;
Relativamente à ditadura do politicamente correcto asséptico;
Relativamente a … etc.
Creio que mais do que providências cautelares, temos, cada vez mais, que acautelar as providências que tomamos no nosso quotidiano..

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A RECESSÃO EDUCATIVA

Segundo o JN, o ME propõe que "Qualquer atribuição de horas a agrupamentos ou escolas não agrupadas para dinamização de projectos, ainda que aprovados por serviços do Ministério da Educação, extingue-se com a entrada em vigor do presente despacho, carecendo de nova autorização do membro do Governo responsável pela área da Educação", num texto sobre a organização do ano lectivo enviado a sindicatos e associações.
As horas referidas na proposta são, basicamente, as que as escola e agrupamentos usam para promoverem projectos foras das horas lectivas previstas na matriz curricular. Um dos exemplos mais frequentes remete para a prática de actividades desportivas para além das aulas de Educação Física ou o funcionamento de clubes escolares em diversas áreas.
No Público refere-se em particular o potencial impacto negativo da suspensão as actividades de natureza desportiva que poderá levar a uma perniciosa amento do sedentarismo ameaçador da qualidade de vida de crianças e adolescentes, muitos dos quais terão na escola a única oportunidade de prática desportiva.
No entanto, a medida de suspensão ou forte diminuição de horas atribuídas a estas actividade terá outras implicações. Os alunos passam tempos infindos nas escolas. De acordo com os normativos, por exemplo no 2º ciclo, entre horas lectivas, Actividades de Enriquecimento Curricular e Componente de Apoio à Família, os alunos podem estar 11horas, isso mesmo, 11 horas na escola. Sendo que as horas lectivas ocupam não mais do que 6 horas, resta uma quantidade enorme de horas que carece de ocupação útil e com qualidade. É neste contexto que se podem desenvolver projectos como clubes, práticas desportivas, etc. que sendo úteis para a generalidade dos alunos, para alguns será o elo que os mantém ligados à escola.
A fúria do corte cego e administrativo não pode criar uma recessão educativa. É contribuir para um futuro recessivo.

TENHO UMA BIRRA NOVA - Outro diálogo improvável

Manel, daqui a pouco temos de jantar, vamos fazer o trabalho de casa.
Pai, tenho uma birra nova.
Uma birra nova? Deixa-te de invenções, tira as coisa da mochila, para vermos o que tens de fazer e eu te ajudar.
Já te disse que tenho uma birra nova e não tenho trabalhos da escola.
Não me interessa a tua birra nova, mostra lá para ter a certeza de que não tens trabalhos para fazer ou alguma coisa que não tenha ficado acabada na escola.
Não mostro a mochila, não tenho trabalhos.
Manel não me faças zangar, quer ver a tua mochila.
Não mostro, não tenho trabalhos, tenho é uma birra nova.
Já estou a perder a paciência contigo, é sempre a mesma coisa, não me obrigues a ficar mesmo zangado, ainda te dou um castigo.
Não tenho medo de castigos, nunca acontece nada, não mostro a mochila e tenho uma birra nova.
Manel, quero a mochila aberta imediatamente.
Aqui o Manel pega na mochila, atira-se para debaixo da mesa, abre-a e começa a atirar pelo chão todo o material que continha.
Entretanto o pai dirigiu-se à cozinha onde a mãe aprontava o jantar e comentou, "os miúdos são mesmo engraçados, avisou-me que tinha uma birra nova, e tinha mesmo".
O Manel continuou mais algum tempo debaixo da mesa gozando os efeitos da sua birra nova.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

A AUTO-ESTIMA

A propósito da atribuição do prémio de treinador do ano a José Mourinho, merecido do meu ponto de vista embora não nutra especial simpatia pelo seu estilo, multiplicam-se as referências ao efeito que tal prémio terá na auto-estima dos portugueses.
Muitas vezes aqui me tenho referido a algumas das dimensões de natureza mais psicológica que estão presentes e influenciam a nossa vida colectiva, para além, é óbvio, da vivência individual. Exemplo destas dimensões serão por exemplo falta de esperança, a descrença ou desconfiança, etc.
Assim e no que se refere à auto-estima, também os especialistas entendem a importância de uma percepção positiva de nós próprios, bem como de sentirmos confiança na nossa capacidade de realização.
Numa altura em que se discute e admite a probabilidade muito forte de que o FMI venha por aí a dentro colocar em ordem, a ordem deles, aquilo que durante décadas conseguimos desregular por aposta em modelos errados e más decisões do ponto de vista político, parece-me oportuna também a referência à nossa auto-estima. Não seremos capazes de tomar conta de nós e de liderarmos a gestão dos nossos problemas ainda que num quadro de cooperação internacional?
Pelos vistos não e isto é que me parece atingir a nossa auto-estima.
Por outro lado, ainda a propósito de auto-estima, seria bom não esquecer que nunca como nos últimos tempos tivemos tanta produção científica portuguesa premiada fora, bem como recordar prémios internacionais também atribuídos a portugueses na área da cultura.
Finalmente, sublinhava que a minha auto-estima enquanto português ficaria bem mais positiva com a elevação dos padrões éticos do comportamento das elites políticas e económicas, com um combate sério e eficaz às desigualdades sociais e à exclusão, com um sistema de justiça efectivamente justo e eficaz, com a promoção de uma verdadeira cultura de protecção do bem-estar dos miúdos, etc., etc.

AS LETRAS ACABAM-SE?

Um dia destes a Ana entrou na biblioteca da escola para entregar uns livros ao Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros. A Ana ia muito concentrada e sentia-se importante na tarefa de responsabilidade que a professora lhe tinha encomendado, a devolução de uns livros.
O Professor Velho aproveitou e como estava arrumar alguns que tinham chegado, mostrou um novo à Ana que começou a folheá-lo e a tentar a leitura, a Ana está a iniciar-se nessa tarefa e ainda tropeça um pouco, é o seu primeiro ano de escola.
De repente, ficou com um ar apreensivo e interroga o Professor Velho.
Velho, as letras podem acabar?
Como assim Ana? Não estou a perceber o que queres dizer com isso.
Todos os livros têm palavras e as palavras têm letras. Eu estou a perguntar se as letras se podem acabar.
Já percebi. Não Ana, as letras não se acabam. Tu já sabes escrever letras?
Já e também já sei escrever palavras com as letras.
Então, se tu és capaz de fazer letras e todas as pessoas que sabem escrever também são capazes de fazer letras, as letras nunca vão acabar. A gente escreve sempre mais para tudo o que precisar.
Ainda bem que as letras não se acabam, assim vamos sempre ter livros novos para ler.
Tens toda a razão. E propósito de livros novos, faz-me um favor, leva estes para a tua professora ver e vos mostrar.
Adeus Velho, o primeiro é para eu ler.
Claro.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

MAIS MIÚDOS, UMA BOA NOTÍCIA

Finalmente uma boa notícia, nasceram mais crianças em Portugal em 2010 do que em 2009. Segundo dados da Comissão Nacional do Diagnóstico Precoce os nascimentos ficaram acima dos 100 000.
Os especialistas alertam para que ainda é cedo para se afirmar a inversão da tendência verificada nos últimos anos, mas não deixa de ser um sinal positivo e de certa forma inesperado. Esta alteração apesar de positiva deve ser encarada com alguma cautela pois o ISF, Índice Sintético de Fecundidade, (nome sofisticado que significa o número de filhos por mulher em idade fértil), é, creio, 1,36, valor abaixo de 2,1 o necessário para assegurar a renovação geracional.
A questão central justificativa deste inverno demográfico não é, do meu ponto de vista, a actual crise económica, a tendência de abaixamento já se verificava antes dela se instalar embora as questões económicas sejam importantes.
De facto, para além dessas questões importa considerar a alteração dos estilos de vida e do quadro de valores ao que acrescentaria dimensões de natureza mais psicológica como os níveis de confiança e esperança face ao futuro.
É conhecido, por exemplo, que as mulheres portuguesas são das que mais horas trabalham fora de casa. É conhecido que os modelos actuais de organização dos horários complicam fortemente a vida familiar. É conhecida a falta de respostas de qualidade e acessíveis à generalidade das pessoas para a guarda das crianças nos tempos laborais das famílias. O prolongamento sem fim da estadia dos miúdos na escola não é uma solução com qualidade, apesar de excelentes experiências pontuais e do empenho das pessoas envolvidas. É conhecido e afirmado por sociólogos e antropólogos que as gerações actuais parecem “amadurecer” mais tarde, o que implica alterações nos projectos de vida, que podem traduzir-se em parentalidade tardia ou a não inclusão da parentalidade nesses projectos de vida.
Como referi acima, importa ainda perceber o efeito que também neste universo têm a percepção de confiança e esperança num futuro melhor. Discursos catastrofistas e a ausência de medidas que sejam percebidas com promotoras de desenvolvimento e bem-estar acentuam a desconfiança e aumentam o receio face aos custos da maternidade.
Provavelmente, se nos convencêssemos todos da necessidade de construir um mundo mais amigável, como se diz na informática, se as lideranças e a cultura política fossem promotoras de confiança e de optimismo realista, talvez os miúdos fossem mais desejados e fabricados.
Só ficaria a faltar recebê-los bem.

OS ALHOS CHINESES

O Público de hoje aborda a questão do nosso défice, mais um, na questão alimentar. Na última década o balanço entre as importações e as exportações de produtos alimentares agravou-se 23.7%. Como exemplo, é referido que precisamos de importar 60% da carne que consumimos. Em sectores como os lacticínios e os cereais é também importante o aumento das importações.
Esta notícia vem ao encontro da perplexidade com que há uns tempos atrás se comentava aqui em casa o termos encontrado à venda alhos da China no estabelecimento onde nos abastecemos no Meu Alentejo, isso mesmo, alhos produzidos na China. Será possível que não consigamos produzir alhos de molde a não termos de os importar da China?
A partir dos anos 80 sucessivas aplicações completamente selvagens de uma designada PAC - Política Agrícola Comum destruíram quase por completo as relações que nós portugueses tínhamos com a terra e com o mar. Uma criminosa e incompreensível gestão e atribuição de subsídios levou ao abandono das terras e ao abate de boa parte da frota de pesca, tornando-nos obviamente muito mais dependentes da importação dos bens alimentares.
Estarão certamente lembrados das dificuldades sentidas pelo sector leiteiro com dificuldade escoar a produção, o encerramento de centenas de pequenas explorações e, consequentemente, o aumento da importação de leite. Esta questão esteve bem presente na imprensa durante o ano passado.
Este cenário serve, naturalmente, os países europeus com sectores agrícolas fortes e com capacidade política para determinar a criminosa PAC. Com a globalização e com custos de produção baixíssimos, devido a salários miseráveis, também países como a China beneficiam deste estado de coisas.
Por isso, já uma vez aqui afirmei, a aquisição, tanto quanto possível de produtos alimentares produzidos em Portugal parece-me uma questão de cidadania.

O SUMO

Quando era miúdo, na escola, usava-se muito a expressão "procurar o sumo", no sentido de encontrar o essencial nos textos que nos eram dados a ler e a interpretar. Os professores bem insistiam connosco para nos tornarmos mais competentes na separação entre o essencial e o acessório ou, no jargão da escola, identificar as ideias principais do texto.
Actualmente, uma das críticas que recorrentemente se faz ao trabalho dos nossos alunos continua a ser a sua falta de competência na interpretação dos materiais que lêem.
Como é natural temos que trabalhar todos para que essas competências evoluam.
A grande questão é que o ambiente em que vivemos tem, do meu ponto de vista, vindo a dificultar progressivamente este trabalho de encontrar o essencial, o sumo.
Boa parte dos discursos políticos dirigem-se para questões completamente acessórias, de baixa política e marginais aos conteúdos que, de facto, precisam de reflexão e análise.
As políticas desenvolvidas, de uma forma geral, raramente tocam nos aspectos centrais e que carecem de reformas sérias, privilegiam medidas avulsas e de pouco impacto.
Os comportamentos e valores que de mansinho se vão instalando, mesmo quando veementemente os negamos, traduzem com demasiada frequência a preocupação com o acessório, com o imediato e menos com o essencial.
Não é pois tarefa fácil ajudar os mais novos a olhar para o mundo e a perceber o sumo, o essencial. Para além disso, boa parte do sumo que é vendido como tal, é de plástico e de má qualidade.

domingo, 9 de janeiro de 2011

O LOBO MAU

Os portugueses não são gente que facilmente acredite em histórias, nem quando éramos pequenos tal acontecia. Quando os nossos pais ou avós nos ameaçavam com a vinda do Lobo Mau se não nos comportássemos como "devia ser", rapidamente percebíamos que era um ameaça inútil que apenas disfarçava a eventual incapacidade de eles próprios nos conduzirem ao bom comportamento. Ingenuamente delegavam no Lobo Mau esse exercício, como se dizia, a ameaça entrava por um ouvido e saía pelo outro.
Muitas vozes de fora e de dentro têm vido a recuperar a ameaça da vinda do Lobo Mau se nós, todos, continuarmos com o mesmo comportamento que temos vindo a assumir, sempre armados em cigarras e achando que isso de ser formigas é para os outros.
Mas, como sempre, não ligamos, acho que nem acreditamos ou, provavelmente, mesmo que o Lobo Mau venha, nem temos muita consciência do que virá fazer, pior não ficaremos, pensamos nós, sempre se dará um "jeitinho".
O problema, parece, é que desta vez o Lobo Mau virá mesmo. Actualizaram a história e agora chama-se FMI.
Nome feio, mesmo para um Lobo Mau.

sábado, 8 de janeiro de 2011

A INJUSTIÇADA CLASSE

A pré-campanha eleitoral para as presidenciais tem constituído um, mais um, bom exemplo da qualidade do clima político em Portugal. Também ontem, em cerimónia de carácter político, uma ilustre desconhecida na classe política portuguesa, a Dra. Manuela Ferreira Leite, lançou um violentíssimo ataque à classe política da qual me pareceu sentir-se excluída na linha daquela posição que nos é tão típica, referimo-nos a "eles", nunca se trata do "nós". Nós, é claro, não somos como "eles", somos melhores, até mesmo perfeitos.
Como é óbvio, este clima só contribui para colocar ainda mais no fundo a confiança e a consideração pela classe que dirige, ou pretende dirigir, os destinos do país. Sou dos que também utilizo com alguma frequência um discurso negativo sobre as lideranças. Creio que não estou só, os estudos no âmbito da sociologia mostram que para o cidadão comum a confiança na classe política anda pelas ruas da amargura. Estaremos certamente errados, até porque o mais eclético e isento dos opinadores profissionais, o iluminado tudólogo Pacheco Pereira, considera demagógico e populista o ataque aos políticos. Como o Natal, época de concórdia, ainda está próximo, aceito que a minha apreciação possa ser imponderada, desajeitada, populista ou demagógica e, por isso, injusta e imerecida. Assim, em jeito de expiação, proponho-vos um texto interactivo que terão a gentileza de completar com as referências que entenderem por bem.
Enquanto cidadão, quero expressar formalmente o meu reconhecimento a todos aqueles que:
. Depois de carreiras profissionais de sucesso e reconhecidas pela comunidade, entendem colocar essa experiência ao serviço do bem comum, como por exemplo, …
. Não ascenderam a lugares políticos tendo como único currículo uma carreira exclusivamente dentro do aparelho dos partidos, começando logo nas jotas como, por exemplo, …
. Não utilizaram o desempenho de cargos políticos para acederem a colocações profissionais, às quais nunca teriam acesso se não tivessem um passado político como, por exemplo, …
. Fazem do desempenho político uma prova de seriedade sem demagogias ou falsas promessas como, por exemplo, …
. Reconhecem tão facilmente um erro seu, como a virtude de outra opinião ou ideia como, por exemplo, …. Recusam utilizar o peso político para benefício pessoal, ou dos que lhe estão próximos, e promovem a utilização de critérios transparentes assentes no mérito como, por exemplo, …
. Entendem que na história fica a obra e não o autor como, por exemplo, …
. Nunca se esquecem que os eleitores são pessoas e não votos como, por exemplo, …
. Resistem à pressão dos sindicatos de interesses que conflituam com o bem comum como, por exemplo, …
Se quiserem ter a generosidade de partilhar as vossas escolhas, poderia ser interessante.