No Público está uma peça interessante sobre a hipótese de se
estará a criar entre a camada mais jovem que está a entrar no mercado de
trabalho a ideia de que “ninguém é só trabalho” o que também também se passa noutras latitudes. Dito de outro modo, parece
emergir nos mais novos o entendimento de que para o bem-estar das pessoas é necessária a
disponibilidade para outras actividades, incluindo projectos de vida com filhos, e outra relação com
o mundo do trabalho. A verificar-se é uma mudança que creio ser no sentido correcto.
Na verdade, parece cada vez mais claro que a produtividade e
competitividade tão referidas na sociedade portuguesa são, fundamentalmente, uma
questão de melhor trabalho e não de mais trabalho. Aliás, conhecem-se estudos
neste sentido e podemos reparar o que se passa noutros países com cargas de
horários laborais semelhantes à nossa.
Por outro lado, existem factores menos considerados e que do
meu ponto de vista desempenham um papel fundamental, a organização do trabalho,
a qualidade dos modelos de organização e funcionamento, no fundo, a qualidade
das lideranças nos contextos profissionais. O nível de desperdício no esforço,
nos meios e nos processos em alguns contextos laborais é extraordinariamente
elevado. Mais tempo nas organizações é o modo mais fácil, mas menos eficiente
de responder às necessidades de produtividade. No entanto, em muitos contextos
profissionais ainda impera o “presentismo”, o colaborador tem que estar
presente mesmo que esteja com menos trabalho ou que o trabalho pudesse ser
realizado em casa, por exemplo.
Por outro lado importa não esquecer o nível de precariedade abusivo, os baixos salários e desigualdade de oportunidades que limitam seriamente projectos de vida com mais qualidade.
A este propósito um diálogo improvável que já aqui deixei.
A este propósito um diálogo improvável que já aqui deixei.
Bom dia, venho
apresentar uma queixa.
Com certeza, contra
quem?
Contra muita gente.
Será, portanto, contra
incertos. E apresenta queixa porquê?
Por roubo, roubaram-me
tempo.
Muito bem, então
roubaram-lhe tempo. Por favor, pode explicar um pouco melhor para eu poder
registar a situação.
Eu já não tinha muito
tempo porque nunca fui uma pessoa muito rica de tempo, mas o pouco que tinha
roubaram-me. Fiquei sem tempo para estar com os meus filhos e brincar com eles.
Este tempo faz-me muita falta, os miúdos andam tristes porque desde que me
roubaram o tempo não consigo mesmo. Já não tenho tempo para descansar ou ler
qualquer coisa como gostava de fazer. Não tenho tempo descansado para a minha
mulher que também precisava do tempo que eu tinha e que partilhava com ela. No
meu trabalho não tenho tempo para parar um minuto sem que alguém venha logo
chamar a atenção. Fiquei sem o tempo que tinha para beber um copo com os meus
amigos e trocar umas lérias que serviam para aliviar das coisas da vida.
Eu percebo o seu
problema, mas como deve calcular não tenho tempo para queixas como as que
apresenta.
Não tem tempo? Não me
diga que também lhe roubaram o tempo. Até às autoridades, é demais.
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