Foi conhecido o Relatório dos Registos das Interrupções de
Gravidez produzido pela Direcção-Geral da Saúde com dados ainda provisórios de
2018.
Mantém-se a diminuição consistente que se verifica desde
2011 de situações de interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas por
opção da mulher. Em 2018, considerando apenas a interrupção de gravidez por
vontade da mulher o decréscimo foi 4% relativamente a 2017.
Portugal é um dos países europeus com menos abortos por cada
mil nascimentos vivos o que sustenta o sucesso da lei sobre
Interrupção Voluntária da Gravidez aprovada na sequência do referendo realizado
há 10 anos.
É ainda de salientar a trajectória também decrescente do número de interrupções
de gravidez abaixo dos 20 anos e na adolescência, o facto de desde 2012 e
até, pelo menos, 2017 não se ter registado nenhuma morte materna por este
motivo, o aumento do uso de dispositivos de contracepção e a maioria das
mulheres que realizaram IVG fizeram-na por uma única vez .
Este cenário não confirmou as teses catastrofistas que
antecipavam o exponencial crescimento de situações. De facto, com a aprovação
da lei resultante do referendo de 2007 lei não se abriu a anunciada “Caixa de
Pandora”, não subiram os casos de IVG, antes pelo contrário, desceram e
baixaram significativamente os problemas decorrentes deste processo existentes
com a situação anterior, designadamente as graves ou fatais complicações de saúde.
Apesar da forma enviesada como se fez boa parte da discussão,
pois, tal como se passa actualmente com a eutanásia, a questão não deve ser
sobre quem é contra ou favor do aborto (ou da eutanásia). Os termos da discussão deveriam sempre ser
colocados na posição contra ou a favor da descriminalização da mulher que
procede à IVG nas condições reguladas e definidas legalmente.
Considerando valores individuais posso recorrer, ou não, a
este processo. No entanto, creio que não devo impedir que alguém, insisto,
dentro das condições definidas e com a maior regulação o possa escolher. Isto
não tem nada a ver com “ser contra ou a favor do aborto”.
Apesar do percurso positivo, do meu ponto de vista, importa
não esquecer que muitas das situações que levam à interrupção voluntária da
gravidez, situação que, creio, ninguém deseja, decorrem de gravidezes
indesejadas, mães adolescentes, por exemplo, felizmente em abaixamento, ou de
questões que se prendem com as condições de vida que dificultam projectos de
maternidade.
Assim sendo, mais do que a insistência em teses assentes em
juízos morais, legítimos, mas, frequentemente, inconsequentes que se continuam
a ouvir e estão presentes em opções partidárias actuais, parece desejável que
se considerem duas vias de análise e desenvolvimento de políticas nesta
matéria, a maternidade e a família.
Em primeiro lugar sublinhar a importância da informação e
acção educativa preventiva de gravidezes indesejadas, sobretudo entre as
mulheres muito novas. Sobre esta questão veja-se a polémica de há algum tempo a
propósito do Referencial da Educação para a Saúde a utilizar nas escolas com a
retoma de discursos e argumentação absolutamente deploráveis ainda que possam
ser legítimos os pontos de vista que defendem.
Por outro lado, é imprescindível considerar a posição da
mulher e as dificuldades das famílias nas nossas comunidades. Os salários
baixos são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa os
projectos relativos a filhos. Portugal tem um dos mais elevados custos de
equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é igualmente um
obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos e que, por vezes estão
dramaticamente na base do recurso à interrupção voluntária da gravidez.
Não pode ainda esquecer-se a discriminação salarial de que
muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a
forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais
desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de
selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre
casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre
situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de
maternidade até ao limite, etc. Como é óbvio este cenário não será alheio a
muitas decisões de interromper uma gravidez.
Tudo isto torna necessária e urgente a definição de
verdadeiras políticas de apoio à família e à maternidade o que seguramente
contribuiria para continuar a baixar o recurso a uma situação, que, insisto, a
esmagadora maioria das mulheres que a ela recorrem não desejam, mas a isso, por
várias razões, se sentem "obrigadas".
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