Continua a ser recorrente nestas
altura do ano a referência a situações de escolas em que os alunos e,
naturalmente, professores e auxiliares passam frio variando entre a qualidade
dos edifícios, a falta de verba para fazer funcionar os dispositivos de
aquecimento ou a inexistências desses dispositivos para além das mantas que vêm
de casa e do trabalho de blusão e luvas, a qualidade dos edifícios ou porque,
simplesmente, estes dispositivos não existem.
As políticas educativas recentes têm
tentado lidar com a questão mas de forma insuficiente. A organização da “festa”
da Parque Escolar não terá enviado convites para todas escolas pelo que algumas
ficaram de fora enquanto outras tiveram tratamento VIP e desperdício na escolha
dos materiais e na natureza das intervenções.
Por sua vez, a equipa de Nuno
Crato procurou combater o frio aumentando o número de alunos por turma criando,
assim, ambientes educativos mais aconchegados e calorosos.
Entretanto, desencadeou-se uma
onda de inovação, de novos paradigmas, de revolução tecnológica, de inúmeros
projectos que tira o tempo e a atenção para minudências como ter frio na
sala de aula.
Sempre que penso nesta questão,
miúdos com frio, recordo-me, já aqui o escrevi, da narrativa de Juan José
Millás em "O Mundo" quando enuncia, “Quem teve frio em pequeno, terá frio para o resto da vida, porque o
frio da infância nunca desaparece”.
Na verdade, no Inverno ou até no
Verão existem muitos miúdos que passam frio, às vezes muito frio, e nem sempre
conseguimos dar por isso. Acontece até que alguns deles sentem frio em
ambientes muito aquecidos ou mesmo no Verão, como disse. Não se trata do frio
que vem de fora, daquele de que falam os alertas coloridos que nos fazem no
inverno, que seria “fácil” minimizar se assim se quisesse. É, antes, o frio que
está à beira, um bloco de gelo disfarçado de família, de escola ou de
instituição de acolhimento, é o frio que vem de dentro e deixa a alma
congelada. Do frio que vem de fora, apesar de incomodar, acho que, quase
sempre, nos conseguimos proteger e proteger os miúdos, mas dos frios que estão
à beira e dos que vêm de dentro nem sempre o conseguimos fazer porque também
nem sempre os entendemos e estamos atentos ao frio que tolhe muitas crianças e adolescentes.
Apesar de sentir confiança na
resiliência dos miúdos, expressa em muitíssimas situações de gente que sofreu e
resistiu a experiências dramáticas, uns mais que outros naturalmente, parece-me
fundamental que estejamos atentos aos frios da infância.
Muitas vezes, como diz Millás,
quem teve frio em pequeno terá mesmo frio no resto da vida.
Quando olhamos para muitos
adultos à nossa volta pode reconhecer-se o frio que terão passado na infância.
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