O ME anunciou o início de um
projecto-piloto (mais um) que envolverá dez agrupamentos em que se desenvolverá
a iniciativa já em vigor no 1º ciclo desde 2006 conhecida por “Escola a Tempo Inteiro”.
Sabemos como os estilos de vida
actuais colocam graves dificuldades às famílias para assegurarem a guarda das
crianças em horários não escolares. A resposta tem sido prolongar a estadia dos
miúdos nas instituições escolares alimentando o que considero um dos vários
equívocos no universo da educação, a afirmação de uma visão de “Escola a Tempo
Inteiro” em vez de “Educação a Tempo Inteiro”. Neste quadro e como a
imprensa refere, a ideia parece ser bem acolhida por representantes de pais e
encarregados de educação o que, naturalmente, entendo. No entanto e tal como o
faço desde 2006, algumas notas para reflexão a pensar, sobretudo, nos miúdos e nas respostas.
Para além da reflexão sobre o que
acontece nesse tempo de permanência na escola e tal como se verifica noutros
países, seria imperioso que se alterassem aspectos como a organização do
trabalho, verificada em muitos países, que minimizassem as reais dificuldades
das famílias recorrendo, por exemplo e quando possível, a teletrabalho ou à
diferenciação nos horários de trabalho que em alguns sectores e profissões é
possível.
Acontece que de acordo com o que
está definido legalmente considerando horário curricular, Actividades de Enriquecimento Curricular e Componente de Apoio à Família, a estadia dos alunos na escola, agora até ao 6º ano, os mais novos é bom não esquecer, pode
atingir bem mais de 40 horas semanais se os pais necessitarem.
É preciso o um esforço enorme,
equipamentos e recursos humanos suficientes e qualificados para que não se
corra o risco de transformar a escola numa “overdose” pouco amigável para muitos
miúdos. As dúvidas relativamente a esta questão são muitas.
É verdade que existem boas
práticas neste universo mas também todos conhecemos situações em que existe a
dificuldade óbvia e esperada de encontrar recursos humanos com experiência e
formação em trabalho não curricular. Acresce que boa parte das escolas, como é
natural, têm os seus espaços estruturados (e por vezes saturados) sobretudo
para salas de aula. Espaços para prática de actividades desportivas ou de ar
livre, expressivas, biblioteca, auditórios, etc., etc., a existirem
dificilmente poderão ser suficientes para uma ocupação da população escolar
alternativa à sala de aula.
Esta questão é também relevante
no que respeita à qualidade e adequação da resposta a alunos com necessidades
especiais.
Este obstáculo acaba por resultar
com demasiada frequência na réplica de actividades de natureza escolar com
baixo ou nulo benefício e um risco a prazo de desmotivação, no mínimo.
Por outro lado, tanto quanto o
tempo excessivo de estadia na escola merece reflexão o risco e as implicações
da natureza muitas vezes “disciplinarizada” desse trabalho, ou seja, organizado
por tempos, de forma rígida próxima do currículo escolar.
A enorme latitude de práticas que
se encontra actualmente, desde o muito bom ao muito mau, sustenta que também
neste aspecto os dispositivos de regulação devam ser robustos e eficientes.
Recordo que em muitas circunstâncias as AEC são desenvolvidas por entidades
externas à escola pelo que importa assegurar a competência e responsabilidade
da escola bem como a sua autonomia.
Muito provavelmente e face às
experiências existente esta iniciativa inscreve-se no trajecto de
municipalização.
Na verdade, embora compreendendo
a necessidade da resposta seria desejável que, tanto quanto possível se
minimizasse o risco de em vez de tentarmos estruturar um espaço que seja
educativo a tempo inteiro com qualidade, preenchido na escola ou em espaços e
equipamentos da comunidade, assistirmos à definição de uma pesada agenda de
actividades que motiva situações de relação turbulenta e reactiva com a escola.
Ao escrever estas notas
lembrei-me que em 2007 participei num debate sobre as AEC na Vidigueira em que
uma professora presente referiu um episódio elucidativo. Nesse ano e na sua
escola tinha sido preparado um espaço para as crianças jogarem futebol. Um dos
seus alunos fez a seguinte observação. “Quando eu tinha tempo para brincar não
tinha um campo. Agora tenho um campo e não tenho tempo para jogar”.
Os miúdos andavam mal habituados
é o que é. Então a escola é sítio para jogar à bola mesmo havendo campo? Não, a
escola é para trabalhar.
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